O bairro de Chalambe, na cidade de Inhambane, é paradigmático pela sua importância histórica de subúrbio número um. Numa zona geográfica onde a tranquilidade impera em todo o lado, aqui as faúlhas nunca faltaram, mesmo que isso seja em proporções quase imperceptíveis, que não chegam a estremecer os fundamentos do sossego. Mas Chalambe é Chalambe. É diferente, em termos de dinâmica social, dos outros conglomerados. Ou seja, neste local, as pequenas rixas estão sempre latentes. Os larápios de minúsculos recursos também encontram facilmente terreno poroso para penetrarem.
E é ali onde se concentra a maioria da comunidade muçulumana da “Terra da Boa Gente”. Mas Chalambe é ainda famigerado pela defecação a céu aberto - uma prática que se arrasta até aos dias de hoje – sem que ninguém se envergonhe por esse atentado pluridimensional. E será nesta repugnância, com certeza, onde vai residir o centro do meu texto. Desloquei-me, no último sábado, para constatar aquilo que já sabia, e para isso preferi começar pela zona do “Matadouro”, onde várias famílias ergueram as suas precárias casas, tendo como limite as águas do mar.
O movimento das pessoas é feito por entre becos, que não podem comportar normalmente duas pessoas em paralelo. E o primeiro sinal que vamos receber é de um ar pesado, e mal cheiroso e, apesar de se estar à beira-mar, quem se encontra no interior do pequeno aglomerado não recebe a brisa marítima, porque as casas constituem uma espécie de feixe. Não respiram.
Cruzei-me – enquanto vagueava à toa por ali – com um grupo de raparigas que regressava da escola. Está uniformizado. Conversa animadamente, e uma delas sorve um “gelinho” sem se importar com o ambiente inóspito que as cerca. Parecem alegres, provavelmente conformadas com a situação que as acolhe desde que nasceram. Perguntei-lhes onde é que satisfaziam as suas necessidades biológicas, e a resposta veio de pronto: na praia.
Elas respondiam-me e riam-se. Da sua própria desgraça. Sem saberem que elas merecem uma vida com a maior dignidade. Não que a pobreza envergonhe, porém, pode-se viver com decência na privação, tendo pelo menos uma latrinta melhorada, no lugar de defecar à sombra dos mangais como o faziam os primitivos. Ou ainda, pior do que isso, exibindo as partes íntimas do corpo, completamente ao relento, num acto no mínimo repugnante. E isso está acontecer, ou seja, continua a ter lugar “paredes meias” com a cidade do cimento.
O que dói é perceber que depois de passarem as marés enquinociais, as pessoas regressam para o mesmo lugar, para as mesmas casas, esperando que, no seu ciclo irreversível, voltem a ser fustigados outra vez pelas águas. Isso é que dói, ver pessoas vivendo um dilema desnecessário e cíclico, em condições inaceitáveis numa terra onde o que existe demais é a terra. As autoridades municipais têm conhecimento desta situação deplorável. O edil reconhece a necessidade urgente de mudar as coisas. Mas não basta reconhecer, e não basta dizerem-nos que existe um plano. O importante para nós é vermos esse plano ser executado, e acabar de uma vez por todas com este problema da urbe.
Matadouro insano
A defecação a céu aberto vai para além do perímetro das residências. Alarga-se até junto ao matadouro propriamente dito. Desci pessoalmente para ver em concreto o que está a acontecer. Por detrás das instalações onde onde são abatidos os animais, cresce livremente um mangal que alberga facilmente os necessitados. O testemunho de que o lugar é usado para a satisfação das necessidades biológicas são as próprias fezes humanas, cujo cheiro se mistura com os excrementos dos animais e o quimo que é retirado dos estômagos dos bovinos. Quer dizer, enquanto lá dentro se matam os bichos e se esfolam, cá fora há a gente a defecar na maior das naturalidades. É uma situação imunda, que o município não pode continuar a tolerar. Porque é indigno.
O matadouro, na sua concepção, tinha um sistema de drenagem que dava vazão ao quimo (produto retirado do estômago dos animais depois de ter sido ruminado pelo herbívoro) e o quilo (produto retirado do intestino delgado), directamente para o mar, onde era aproveitado como alimento pelos peixes. Não havia qualquer problema ambiental. Mas hoje tudo isso foi subvertido. A drenagem está entupida. O quimo e o quilo são acumulados num sítio impróprio e quem o recolhe são pessoas que depois o vão usar como estrume.
No seu interior, as condições de higiene não são das melhores. Usa-se lenha para ferver a água que será usada na raspagem das cabeças, e o fumo vai destriuindo, paulatinamente, a cobertura. Perguntei ao chefe do matadouro, que se encontrava no seu local de trabalho, sobre o futuro daquelas instalações. E a resposta que ele nos deu foi: “Existe já um plano para o melhoramento das condições de trabalho”. E nós replicámos: “Se existe esse plano, é mais do que muito urgente a sua implementação”. O que se passa naquele matadouro é literalmente condenável, com os trabalhadores a exercerem a sua actividade sem equipamento adequado.
“Óleo Vida” foi à vida
Na minha caminhada em direcção ao matadouro, vou ter de passar, obrigatoriamente, pela Fábrica “Óleo Vida”, agora encerrada, para desgraça dos antigos trabalhadores, que agora terão dificuldades em levar – todos os meses – pão para casa. O motivo do encerramento prende- -se com incumprimentos laborais por parte do patronato que, no lugar de resolver os litígios, optou por fechar as portas.
Os trabalhadores reclamavam melhores condições de trabalho e aumentos salariais, para além de outros direitos a que se achavam merecedores de usufruir, mas o patrão (um sul-africano), ignorou- -os e optou por despedi-los. Contrariados, sublevaram-se e manifestaram-se diante das instalações exigindo o que é de Lei.
Segundo eles, “se o patrão nos quer despedir por termos exigido os nossos direitos, no mínimo terá que nos indemnizar. Entretanto, o sul-africano não parecia predisposto a ceder. Recusou-se a prestar declarações à Imprensa, tendo sido necessária a intervenção da Direcção Provincial do Trabalho.
Segundo informações em nosso poder, estão já a ser feitos os devidos procedimentos para ressarcir os trabalhadores. Porém, os sinais que se vislumbram após o pagamento não são animadores. “O patrão encerrou as portas, está a retirar os equipamentos e diz-se que se foi juntar a uma outra fábrica de óleo na Maxixe”. É um desfecho triste para dezenas de famílias.
"Então em lugares pobres como países da África onde a maioria nao possui banheiro,vaso sanitário,fossa,esgoto?! as evacuações sao feitas no chão,ao céu aberto mesmo como animais,é triste falar e comentar isso,mas pelo menos eles fazem evitanto um câncer de intestino"