quarta-feira, 4 de setembro de 2019

O discreto charme do intestino

Nasci por cesariana e não pude ser amamentada. Isso me transformou na perfeita criança-modelo do mundo intestinal no século XXI. Se na época eu soubesse mais sobre o intestino, poderia ter apostado do que adoeceria mais tarde. Primeiro tive intolerância à lactose. Nunca me surpreendeu o fato de que, depois do quinto ano de vida, de repente pude voltar a tomar leite, em algum momento engordei e depois voltei a emagrecer. Fiquei bem por um longo tempo, até que veio “a ferida”. Aos 17 anos, apareceu sem razão alguma uma pequena ferida em minha perna direita. Simplesmente não cicatrizava, e, após um mês, fui ao médico. A doutora não sabia direito o que era e me prescreveu uma pomada. Três semanas depois, minha perna inteira estava repleta de feridas. Em pouco tempo, ambas as pernas, os braços e as costas. Às vezes, também o rosto. Por sorte era inverno, e todos acharam que eu estava com herpes e um arranhão na testa. Nenhum médico conseguia me ajudar – devia ser algum tipo de neurodermite. Perguntaram-me se eu andava muito estressada ou se não me sentia bem psicologicamente. Cortisona funcionou um pouco, mas, assim que eu a interrompia, tudo voltava. Por um ano vesti meias-calças tanto no verão quanto no inverno, para que as feridas não molhassem as calças. Até que arregacei as mangas e comecei a me informar por conta própria. Por acaso, deparei com um relato sobre uma doença de pele muito semelhante. Um homem teve a mesma reação após tomar antibióticos, assim como eu, que algumas semanas antes da primeira ferida também tive de tomá-los. A partir desse momento, deixei de tratar da minha pele como se estivesse com um problema dermatológico e passei a considerar que estava com um problema intestinal. Parei de comer laticínios e quase não comi mais produtos com glúten, ingeri diversas bactérias e, de maneira geral, passei a me alimentar de maneira mais saudável. Nesse período, fiz algumas experiências malucas... Se na época já estudasse medicina, não teria ousado fazer metade do que fiz. Cheguei a tomar uma superdose de zinco por várias semanas, o que elevou consideravelmente a sensibilidade do meu olfato. Com alguns truques, consegui finalmente controlar minha doença. Foi uma experiência bem-sucedida, e senti no próprio corpo que conhecimento pode significar poder. Comecei a estudar medicina. No primeiro semestre, durante uma festa, sentei-me ao lado de um rapaz que tinha o hálito mais forte que já senti em toda a minha vida. Era um odor atípico, bem diferente dos aromas hidrogenados e acres de homens mais velhos e estressados, ou dos odores adocicados e podres das nossas tias que comem muito açúcar. Um instante depois, fui me sentar em outro lugar. No dia seguinte, o rapaz estava morto. Tinha se matado. Sempre penso nisso. Será que um intestino muito doente é capaz de cheirar tão mal que esse tipo de doença também acaba afetando o ânimo? Uma semana depois, tomei coragem para conversar com uma boa amiga sobre minhas suposições. Alguns meses mais tarde, essa amiga pegou uma forte gastrenterite. Ficou muito mal. Quando nos vimos novamente, ela me disse que minha tese poderia estar certa, pois fazia muito tempo que não se sentia tão mal, inclusive do ponto de vista psíquico. Isso me estimulou a dar mais atenção a essa tese. Ao mesmo tempo, descobri um ramo completo de pesquisa, cujo objeto é a ligação entre o intestino e o cérebro. Trata-se de uma área que está crescendo muito rápido. Há cerca de dez anos havia poucas publicações a respeito, e nesse meio-tempo já foram lançadas centenas de artigos científicos. A influência do intestino na saúde e no bem-estar é um dos novos rumos da pesquisa do nosso tempo! Rob Knight, renomado bioquímico americano, disse à revista Nature que ela é tão promissora quanto a pesquisa sobre células-tronco. Eu havia entrado em um campo que sempre achara fascinante. Durante a faculdade, percebi como essa área é negligenciada na medicina. No entanto, o intestino é um órgão excepcional. Ele forma dois terços do sistema imunológico, tira energia de sanduíches ou salsichas de tofu e produz mais de vinte hormônios próprios. Durante sua formação, grande parte dos médicos aprende muito pouco sobre ele. Em maio de 2013, quando participei do congresso “Microbiome and Health” (Microbioma e saúde), em Lisboa, o grupo não era grande. Cerca da metade vinha de instituições que tinham condições financeiras suficientes para figurar entre “as primeiras”, como Harvard, Yale, Oxford ou o EMBL de Heidelberg. Às vezes acho assustador quando cientistas discutem conhecimentos importantes a portas fechadas, sem que o público seja informado a respeito. A cautela científica é sempre melhor do que uma afirmação precipitada. Mas o medo também pode destruir oportunidades importantes. Aos poucos, passou-se a considerar no mundo científico que pessoas com determinados problemas digestivos costumam ter distúrbios nervosos no intestino, que manda sinais a uma área do cérebro que, por sua vez, processa sensações desagradáveis, embora essas pessoas não tenham feito nada de errado. Elas se sentem mal e não sabem por quê. Quando então o médico as trata como casos psíquicos irracionais, isso é muito contraproducente! Este é apenas um dos exemplos em favor de uma divulgação mais rápida dos conhecimentos obtidos com as pesquisas. Com este livro, meu objetivo é facilitar o acesso ao conhecimento e, ao mesmo tempo, divulgar o que os cientistas escrevem em seus trabalhos de pesquisa ou discutem atrás das portas nos congressos – enquanto muitas pessoas buscam respostas. Entendo que muitos pacientes com doenças desagradáveis se decepcionem com a medicina. Não posso vender nenhum remédio milagroso, assim como um intestino saudável não pode curar qualquer doença. No entanto, posso explicar de maneira agradável como o intestino funciona, as novidades que a pesquisa oferece e como podemos melhorar nosso cotidiano com esse conhecimento. Minha graduação em medicina e meu trabalho de doutorado no Instituto de Microbiologia Médica me ajudaram a avaliar e a selecionar resultados. Minha experiência pessoal me ajudou a trazer o conhecimento para perto das pessoas. Minha irmã me ajudou a não perder o foco, pois, quando ouvia minha leitura da obra, olhava para mim e dizia sorrindo: “Essa parte você precisa refazer.”

1- POR DENTRO DO INTESTINO
O mundo parece muito mais divertido quando vemos não apenas o que pode ser visto, mas também todo o resto. Nesse sentido, uma árvore não é uma colher. Em uma simplificação grosseira, nossos olhos percebem apenas a forma: um tronco reto com uma copa redonda. Sobre a forma, o olho nos diz: “colher”. Mas debaixo da terra existem tantas raízes quantos são os galhos na parte de cima, no ar. O cérebro deveria então dizer algo como “halter”, mas não o faz. Ele recebe dos olhos a maioria dos inputs e muito raramente de uma ilustração em um livro que mostre uma árvore perfeita. Portanto, quando passa em velocidade por uma floresta faz o seguinte comentário ao ver a paisagem: “Colher, colher, colher, colher.” Enquanto passamos “às colheradas” pela vida, perdemos coisas incríveis. Sob nossa pele está sempre acontecendo alguma coisa: fluímos, bombeamos, sugamos, comprimimos, estouramos, consertamos e reconstruímos. Toda uma equipe de órgãos sofisticados trabalha com tanta perfeição e eficiência que, por hora, um adulto precisa de quase tanta energia quanto uma lâmpada de 100 watts. A cada segundo, os rins filtram nosso sangue, limpando-o meticulosamente – em substância, com tanta precisão quanto um filtro de café –, e, na maioria das vezes, duram a vida toda. Nossos pulmões foram projetados de maneira tão inteligente que, na verdade, só consumimos energia quando inspiramos. A expiração acontece por si mesma. Se fôssemos transparentes, poderíamos ver como os rins são belos: no tamanho, parecem esses carrinhos de fricção, flexíveis e pulmonares. Enquanto às vezes uma pessoa está sentada, pensando: “Ninguém gosta de mim”, seu coração está justamente fazendo o enésimo turno de 24 horas e teria toda razão de sentir-se negligenciado com esse tipo de pensamento. Se víssemos mais do que é visível, também poderíamos assistir a aglomerados de células no abdômen transformando-se em um ser humano. Entenderíamos que nos desenvolvemos, de maneira rudimentar, a partir de três “mangueiras”. A primeira nos percorre e dá um nó no meio. É nosso sistema de vasos sanguíneos, a partir do qual nosso coração surge como nó central dos vasos. A segunda mangueira se forma quase paralelamente em nossas costas, constituindo uma bolha que migra para a extremidade superior do corpo, onde permanece. É nosso sistema nervoso na medula espinhal, a partir da qual se desenvolve o cérebro e crescem os nervos por todo o corpo. A terceira mangueira nos percorre de cima a baixo. É o tubo intestinal. O tudo intestinal ordena nosso mundo interno. Forma brotos que se espalham, arqueando-se para a direita e para a esquerda. Esses brotos se transformam em nossos pulmões. Um pouquinho mais para baixo, e o tubo intestinal forma uma saliência, compondo nosso fígado. Também molda a vesícula biliar e o pâncreas. Mas a mangueira começa a ficar cada vez mais cheia de truques. Participa da construção elaborada da boca, forma o esôfago, capaz de dançar break, e um pequeno saco gástrico, para armazenar a comida por algumas horas. Por fim, o tubo intestinal cria sua obra-prima, que acabou por dar-lhe nome: o intestino. As duas “obras-primas” das outras mangueiras – coração e cérebro – gozam de muito prestígio. O coração é considerado fundamental para a vida, pois bombeia o sangue pelo corpo; o cérebro é admirado, pois processa incríveis estruturas de pensamento a cada segundo. Enquanto isso, o intestino, assim crê a maioria, quando muito vai parar na privada. Ou talvez esteja preso de qualquer jeito à barriga, soltando uns peidos vez por outra. Na verdade, não se sabe quais são suas capacidades especiais. Podemos dizer que o subestimamos um pouco – para falar a verdade, não apenas o subestimamos, mas também costumamos até nos envergonhar de nosso tubo intestinal. Que órgão mais constrangedor! Nesse sentido, este livro propõe algumas mudanças. Vamos tentar fazer aquilo que os livros nos permitem realizar de modo tão extraordinário: competir de maneira autêntica com o mundo visível. Árvores não são colheres! E o intestino é muito interessante!

O que acontece quando fazemos cocô? – ... e por que é importante fazer essa pergunta Meu colega entrou na cozinha e perguntou: “Giulia, você, que está estudando medicina, me diga o que acontece quando fazemos cocô.” Certamente não seria uma boa ideia iniciar meu texto com essa frase, mas a pergunta mudou muita coisa para mim. Fui para o quarto, sentei-me no chão e folheei três livros. Quando encontrei a resposta, fiquei bastante surpresa. Algo tão cotidiano era muito mais inteligente e impressionante do que eu poderia imaginar. O funcionamento da evacuação é uma proeza – dois sistemas nervosos trabalham escrupulosamente juntos para descartar nosso lixo da maneira mais discreta e higiênica possível. Quase nenhum outro animal cumpre essa tarefa de modo tão exemplar e ordenado como nós. Para tanto, nosso corpo desenvolve toda sorte de mecanismos e truques. A começar pela sutileza dos nossos mecanismos de fechamento. Quase todo o mundo conhece apenas o esfíncter externo, que conseguimos abrir e fechar intencionalmente. Mas existe outro esfíncter muito semelhante, a poucos centímetros de distância, que não conseguimos controlar de maneira consciente. Cada um desses dois esfíncteres representa os interesses de outro sistema nervoso. O esfíncter externo é o fiel colaborador de nossa consciência. Quando nosso cérebro acha inadequado ir ao banheiro em determinado momento, o esfíncter externo ouve a consciência e aperta-se o máximo que consegue. O esfíncter interno representa o nosso mundo interno e inconsciente. Se a tia Berta gosta de peidos ou não, ele não está nem aí. A única coisa que lhe interessa é nosso bem-estar interno. O peido está nos comprimindo? O esfíncter interno quer manter tudo que é desagradável longe do nosso corpo. Por ele, a tia Berta poderia peidar mais vezes. O importante é que a vida dentro do corpo seja confortável, que nada a incomode. Esses dois esfíncteres precisam trabalhar juntos. Quando os restos de nossa digestão chegam ao esfíncter interno, ele se abre como que por reflexo. Mas não manda tudo de uma vez para o colega de fora; primeiro, só uma amostra. No espaço entre o esfíncter interno e o externo encontram-se várias células sensoriais. Elas analisam o produto fornecido para definir se ele é sólido ou gasoso e enviam sua informação lá para cima, para o cérebro. Nesse momento, o cérebro observa: Preciso ir ao banheiro!... ou talvez só dar uns peidos. Ele faz, então, o melhor que pode com sua “consciência consciente”: insere-nos em nosso ambiente. Para tanto, recebe informações dos olhos e das orelhas e consulta seu patrimônio de experiências. Em segundos, surge a primeira avaliação, que o cérebro transmite de volta ao esfíncter externo: “Dei uma olhada, estamos justamente na sala da tia Berta – talvez até dê para soltar uns peidos, mas só se você deixá-los escapar sem fazer barulho. Resíduo sólido, melhor não.

O esfíncter externo compreende e se fecha com toda a fidelidade, mais apertado ainda do que antes. O esfíncter interno também acaba recebendo esse sinal e respeita a decisão do colega. Eles se unem e empurram a amostra para uma fila de espera. Em algum momento ela terá de sair, mas não aqui e agora. Algum tempo depois, o esfíncter interno vai testar outra amostra. Se nesse meio-tempo já estivermos comodamente sentados no sofá de casa, o campo estará livre! Nosso esfíncter interno é um cara decente. Seu lema é: o que deve ir para fora tem de sair. E não há muito que interpretar nesse seu lema. Já o esfíncter externo tem sempre de cuidar da parte complicada: teoricamente, até poderíamos usar o banheiro alheio, ou melhor não? Será que nos conhecemos o suficiente para peidar na frente um do outro? Tenho de ser o primeiro a quebrar o gelo? Se eu não for agora ao banheiro, só vou poder ir à noite, e ao longo do dia isso pode se tornar desagradável! Talvez os pensamentos dos esfíncteres não soem necessariamente merecedores do prêmio Nobel, mas, no fundo, são questões fundamentais da nossa humanidade: qual é a importância do nosso mundo interno para nós e que acordos fazemos para nos entendermos bem com o mundo externo? Um reprime até não poder mais o peido mais desagradável até chegar em casa morrendo de dor de barriga; o outro se deixa levar pelo dedo mindinho em uma festa de família na casa da avó e começa a soltar os próprios puns bem alto, como em um divertido show de mágica. A longo prazo, talvez o melhor acordo esteja entre os dois extremos. Se nos impedimos várias vezes seguidas de ir ao banheiro, embora tenhamos necessidade, acabamos intimidando o esfíncter interno. Com isso, podemos até reeducá-lo. A musculatura circunstante e ele próprio são tão disciplinados pelo esfíncter externo que acabam se desencorajando. Quando a comunicação dos esfíncteres se torna glacial, podem surgir até constipações. Isso também pode acontecer às mulheres quando dão à luz, sem que elas exerçam nenhuma repressão intencional ao funcionamento da evacuação. Nesse caso, delicadas fibras nervosas, através das quais os dois esfíncteres se comunicam, podem se romper. A boa notícia: os nervos também podem voltar a se aglutinar. Pouco importa se os danos foram causados por um parto ou de outra forma; nesse caso, ocorre a chamada terapia de biofeedback. Com ela, os esfíncteres que ficaram separados por um tempo aprendem a se entender novamente. Esse tratamento é realizado em procedimentos gastrenterológicos selecionados. Uma máquina mede a produção do trabalho em conjunto do esfíncter externo com o interno. Se estiverem funcionando bem, a recompensa é um som ou um sinal verde. É como em um desses programas de televisão em que, quando se responde corretamente à pergunta, luzes se acendem no palco e ouve-se um tilintar. Só que, em vez de ser na televisão, isso acontece no consultório, quando o médico coloca um eletrodo munido de sensor no traseiro do paciente. A experiência vale a pena: quando o esfíncter interno e o externo voltam a se entender, tem-se de imediato muito mais disposição para ir ao banheiro. Esfíncteres, células sensoriais, consciência e eletrodos que reagem no traseiro como em um programa de televisão – meu colega não estava esperando esses detalhes sofisticados como resposta. Nem as respeitáveis estudantes de administração, que nesse meio-tempo chegaram à nossa cozinha para comemorar um aniversário. Apesar disso, a noite foi divertida, e ficou claro para mim que, no fundo, o tema “intestino” interessa a muita gente. Foram levantadas boas e novas perguntas. É verdade que sentamos errado na privada? Qual o jeito mais fácil de arrotar? Como transformamos o bife, a maçã ou a batata assada em energia, enquanto um automóvel só tolera determinados tipos de combustível? Para que existe o apêndice e por que as fezes têm sempre a mesma cor? A essa altura, meus colegas já conhecem muito bem minhas expressões faciais quando entro correndo na cozinha para contar as últimas anedotas sobre o intestino – por exemplo, a de um banheiro turco minúsculo e de evacuações luminescentes.

Estou sentando corretamente na privada?

 De tempos em tempos, é recomendável questionar certos hábitos. Estou realmente fazendo o caminho mais bonito e mais curto até o ponto de ônibus? Será que cobrir o cocoruto careca com o cabelo que restou é um penteado adequado e na moda? Ou, justamente, estou sentando corretamente na privada? Nem sempre há respostas claras a todas as perguntas, mas fazer experiências pode trazer novos ares a antigas paisagens. Foi o que supostamente também pensou Dov Sikirov. Para um de seus estudos, o médico israelense pediu a 28 participantes que praticassem a evacuação cotidiana em três posições diferentes: sentados em um vaso sanitário normal, “de cócoras” em outro bem pequeno ou agachados como ao ar livre. Enquanto isso, ele cronometrava o tempo que levavam e, em seguida, entregava-lhes um questionário. O resultado não deixou dúvida: a posição de cócoras demorou em média cinquenta segundos e foi sentida pelos participantes como uma experiência de total esvaziamento. A posição sentada demorou em torno de 130 segundos e não se mostrou tão bemsucedida. (Apesar disso, vasos sanitários muito pequenos são sempre muito bonitinhos, independentemente do uso que se faça deles.) Por quê? Porque o aparato da nossa oclusão intestinal não foi feito para abrir por completo sua escotilha quando estamos sentados. Existe um músculo que, na posição sentada ou também em pé, cinge o intestino como se o enlaçasse, puxando-o em uma direção e fazendo com que surja uma prega. Esse mecanismo é, por assim dizer, um serviço auxiliar aos outros esfíncteres. Algumas pessoas conhecem essa oclusão em forma de prega por causa da mangueira do jardim. Pergunto à minha irmã por que a mangueira não está funcionando. Enquanto ela vai olhar a extremidade da mangueira, desfazemos a prega rapidamente e esperamos um minuto e meio até recebermos um castigo. Voltando à oclusão da extremidade intestinal em forma de prega: o excremento chega primeiro a uma curva. Como na saída de uma rodovia, ele freia. Assim, se estivermos em pé ou sentados, os esfíncteres precisam fazer menos esforço para manter tudo lá dentro. Se o músculo se soltar, a prega desaparece. O caminho é reto, e pode-se acelerar facilmente. Desde os tempos primitivos, as “cócoras” são nossa posição natural ao evacuar – essa história de ficar sentado passou a existir apenas com a evolução do vaso sanitário indoor, no final do século XVIII. Muitas vezes, uma explicação do tipo “homem das cavernas desde sempre...” tem uma imagem um pouco problemática entre os estudantes de medicina. Quem disse que a posição de cócoras relaxa mais o músculo, tornando reta a via de evacuação? Por essa razão, pesquisadores japoneses deram a participantes de um teste substâncias luminescentes e os radiografaram em diversas posições no momento crucial. Resultado número um: é verdade, de cócoras o canal intestinal fica bem reto, e tudo sai rapidinho. Resultado número dois: em prol da pesquisa, pessoas legais aceitaram ingerir substâncias luminescentes e ser radiografadas enquanto faziam cocô. Acho as duas coisas muito impressionantes. Hemorroidas e doenças intestinais, como diverticulite ou constipações, existem praticamente apenas em países em que se evacua em uma espécie de cadeira. Uma razão para isso, especialmente entre os jovens, não é, por exemplo, a flacidez do tecido, e sim o fato de que a pressão no intestino é muito grande. Algumas pessoas costumam tensionar o próprio ventre ao longo do dia, quando estão muito estressadas. Muitas vezes, nem chegam a perceber. As hemorroidas preferem desviar da pressão no interior, oscilando para fora do traseiro. No caso dos divertículos, o tecido dentro do intestino comprime-se para fora. Surgem então minúsculas saliências em forma de lâmpada na parede do intestino. Com certeza, nosso modo de evacuação não é a única causa para o surgimento de hemorroidas e diverticulite. Contudo, é preciso dizer que 1,2 bilhão de pessoas que evacuam de cócoras neste mundo quase não apresentam divertículos e sofrem bem menos de hemorroidas. Nós, ao contrário, comprimimos o tecido do traseiro e precisamos removê-lo no consultório médico – e tudo isso porque sentar-se como um nobre no trono é muito mais legal do que acocorar-se como um idiota? Os médicos partem do princípio de que a pressão frequente quando estamos sentados no vaso sanitário eleva sensivelmente o risco de varizes, derrames e até desmaios após a evacuação. Recebi o seguinte SMS de um amigo que passava férias na França: “Esses franceses são loucos! Alguém aqui andou roubando as privadas de três banheiros de postos de gasolina na estrada!” Não pude deixar de rir, pois primeiro imaginei que o texto fosse mesmo sério, e depois porque me lembrei da minha reação ao ver pela primeira vez um banheiro turco na França. Por que devo me agachar se posso mandar instalar um vaso sanitário?, pensei choramingando um pouco e chocada com o grande vazio na minha frente. Em grande parte da Ásia, da África e do sul da Europa, fica-se em posição de esporte de combate ou de partida no esqui no banheiro turco. Nós, ao contrário, passamos o tempo sentados na privada, até concluirmos o que fomos fazer lá; enquanto isso lemos jornal, fazemos dobraduras com o papel higiênico, reparamos quais cantos do banheiro precisam ser limpos ou fitamos pacientemente a parede à nossa frente.

Quando li este texto para minha família na sala, vi rostos confusos. Quer dizer então que agora vamos ter de descer do nosso trono de porcelana e cagar de cócoras em um buraco, em uma posição oscilante, com a qual não temos nenhuma prática? A resposta é: não. Hemorroidas à parte! Se bem que fosse muito divertido colocar-se de cócoras no assento da privada e, nessa posição, cumprir o que se tem a fazer. Mas isso não é necessário; afinal, também é possível ficar de cócoras estando sentado. É uma posição conveniente sobretudo quando a evacuação não é das mais fáceis: basta inclinar o tronco para a frente e colocar os pés sobre um banquinho. Voilà: com tudo no ângulo certo, dá para ler, fazer dobraduras e fitar a parede com a consciência tranquila.

O hall de entrada para o tubo intestinal Poderíamos pensar que a extremidade do intestino tem algo surpreendente a oferecer porque quase não damos atenção a ela. Eu não diria que é só por causa disso. O hall de entrada do nosso tubo digestório também tem uma carta na manga – embora todos os dias olhemos para essa entrada quando escovamos os dentes. O lugar secreto número um pode ser encontrado com a língua. São quatro pontos pequenos. Dois deles estão na parte interna da bochecha, bem centralizados no lado oposto da arcada superior. Ali se sente, à direita e à esquerda, uma pequena elevação. Muitos acreditam que algum dia morderam a bochecha, mas não é verdade – em todo o mundo, essa saliência se encontra exatamente no mesmo lugar. As outras duas ficam embaixo da nossa língua, à direita e à esquerda do frênulo lingual. A saliva vem desses quatro pontinhos.

A saliva vem dos pontos na bochecha quando há uma motivação, como a comida. Ela flui o tempo todo das duas aberturas sob a língua. Se mergulhássemos nessas aberturas e nadássemos contra a corrente, chegaríamos às glândulas salivares principais, que produzem a maior parte da saliva – cerca de 0,7 a um litro por dia. Se partirmos da garganta na direção do maxilar, conseguiremos sentir duas elevações redondas e macias. Posso apresentá-las? São as chefes. Como os dois pontinhos sob a língua, responsáveis pela salivação constante, localizam-se logo atrás dos nossos dentes incisivos inferiores, nesse local rapidamente se forma o tártaro. A saliva contém substâncias calcárias, cuja função, na verdade, é apenas endurecer o esmalte dos dentes. Contudo, estando sob esse bombardeio constante, o dente acaba recebendo calcário demais. Pequenas moléculas circulam inocentemente nas proximidades e, sem muita demora, acabam sendo petrificadas. O problema não é o tártaro em si, mas o fato de ele ser muito áspero. Bactérias causadoras da periodontite ou da cárie também conseguem se fixar com muito mais facilidade em superfícies ásperas do que no esmalte liso dos nossos dentes. Como essas substâncias calcificantes chegam à nossa saliva? A saliva é sangue filtrado. Nas glândulas salivares, o sangue é coado. Glóbulos vermelhos são retidos, pois precisamos deles em nossas veias, e não na boca. Por outro lado, o cálcio, os hormônios ou os anticorpos do sistema imunológico chegam à saliva através do sangue. Eis por que a saliva varia de pessoa para pessoa. Pode-se até mesmo examinar as doenças autoimunes ou determinados hormônios de uma pessoa com base em uma amostra de saliva. Além disso, as glândulas salivares podem produzir outras substâncias, como as calcificantes ou também analgésicos. Em nossa saliva há um analgésico muito mais forte do que a morfina. É chamado de opiorfina e só foi descoberto em 2006. Obviamente, nós o produzimos em pequenas quantidades, pois nossa saliva não tem nenhuma intenção de nos “dar barato”. Mas, mesmo em pequenas quantidades, essa substância tem efeito, pois nossa boca é cheia de melindres! Nela há tantas extremidades nervosas como em quase nenhuma outra parte do corpo – a menor semente de morango pode nos irritar profundamente, e somos capazes de perceber o menor grão de areia na salada. Uma pequena ferida que nem sequer notaríamos no cotovelo causaria uma dor infernal na boca e pareceria gigantesca. Sem os analgésicos próprios de nossa saliva, isso poderia ser até pior! Quando mastigamos, liberamos uma carga extra dessas substâncias; por isso, a dor de garganta melhora depois de comermos, e pequenas feridas no interior da boca doem menos. Não é necessário estar comendo alguma coisa. Mascar chiclete também faz com que os analgésicos próprios de nossa boca sejam liberados. Com o passar do tempo, surgiram muitos estudos que mostram que a opiorfina possui efeitos antidepressivos. Será que comer para compensar as frustrações atua um pouco mais através da saliva? Talvez, nos próximos anos, a pesquisa sobre dor e depressão consiga nos responder a essa pergunta. A saliva protege a sensível cavidade bucal não apenas da dor em excesso, mas também de muitas bactérias ruins. Para tanto, existem, por exemplo, as mucinas. Trata-se de mucilagens que proporcionam algumas horas de diversão na infância, quando descobrimos que, graças a elas, conseguimos fazer bolhas de sabão com a boca. As mucinas envolvem nossos dentes e nossa gengiva em uma rede protetora. Nós as esguichamos para fora de nossos pequenos pontos de salivação mais ou menos do mesmo modo como o Homem Aranha lança teias de seu punho. As bactérias ficam presas nessa rede antes de poderem nos atacar. Enquanto ficam retidas ali, outras substâncias antibacterianas da saliva podem exterminar bactérias ruins. O mesmo que vale para o analgésico da saliva vale aqui: a concentração de substâncias antibacterianas não é exageradamente elevada. Nosso cuspe não nos desinfeta da cabeça aos pés. Precisamos até de uma boa equipe fixa de pequenos seres na boca. Bactérias bucais inofensivas não são completamente eliminadas por nossa saliva, pois tomam o lugar que, do contrário, poderia ser povoado por germes perigosos. Quando dormimos, quase não produzimos saliva. Isso é ótimo para aqueles que babam no travesseiro. Se produzissem também à noite de um a 1,5 litro de saliva diária, esse hobby não seria tão bonito. Como à noite produzimos menos saliva, muitas pessoas acordam no dia seguinte com mau hálito ou dor de garganta. Para os micróbios bucais, oito horas de pouca salivação significam “à prova de ataques”. Bactérias impertinentes já não serão tão bem retidas na cerca, e as mucosas de nossa boca e de nossa faringe sentem falta do seu chuveiro automático. Por isso, escovar os dentes antes de dormir e na hora que acordamos é um hábito inteligente. Com ele, diminui-se o número de bactérias na boca, e durante a noite a festa de micróbios se inicia, a princípio, com um número menor de participantes. Pela manhã, limpam-se os restos da balada noturna. Por sorte, nossas glândulas salivares despertam conosco e logo se põem a trabalhar! No mais tardar, o primeiro pãozinho ou nossa escova de dente estimulam o fluxo da saliva com muita competência, eliminando os micróbios ou transportando-os para o estômago. Nele, o ácido gástrico se incumbe do resto. Quem sofre de mau hálito durante o dia talvez não tenha conseguido eliminar suficientemente as bactérias causadoras do mau cheiro. Essas bactérias espertinhas gostam de se esconder sob a rede recém-formada de mucina, onde as substâncias antibacterianas da saliva já não as alcançam com tanta facilidade. Limpadores de língua podem ajudar, bem como ficar mascando chiclete por um tempo – isso ativa o fluxo da saliva e dá uma boa lavada nos esconderijos da mucina. Se nada disso adiantar, há outro lugar onde se pode procurar pelos causadores do mau hálito. Em breve chegaremos a ele, depois de apresentarmos o segundo lugar secreto dentro da boca. Esse lugar faz parte daquelas típicas surpresas: pensamos que conhecemos alguém, mas acabamos descobrindo que essa pessoa tem um lado realmente inesperado e maluco. Uma secretária de Frankfurt, com penteado chique, pode ser encontrada à noite na internet como criadora de furões selvagens. Surpreendemos o guitarrista de uma banda de heavy metal comprando lã porque fazer tricô é relaxante e exercita os dedos. As melhores surpresas vêm depois da primeira impressão – com a língua acontece a mesma coisa. Colocando-a para fora e olhando-a no espelho, não é logo que se vê sua essência. Poderíamos nos perguntar: ei, como ela continua lá atrás? Afinal, não parece que a língua termina ali. E é justamente nesse ponto que começa o lado maluco da língua, a sua raiz. Nesse local há uma paisagem diferente, cheia de cúpulas cor-de-rosa. Quem não tem um reflexo de vômito exacerbado pode passar cuidadosamente o dedo na língua até sua parte posterior. Assim que chegar à última porção, perceberá que, de baixo para cima, há saliências arredondadas. A tarefa das cúpulas da língua é examinar tudo que engolimos. Para tanto, as cúpulas apanham a menor partícula da comida, da bebida ou do ar respirado e puxam-na para seu interior. Nele, um exército de células imunocompetentes está à espera para ser treinado com substâncias estranhas, vindas do mundo externo. Elas até podem deixar passar pedacinhos de maçã, mas patógenos da dor de garganta precisam ser imediatamente capturados. Portanto, não se sabe quem averigua quem nesse tour feito com o dedo, pois essa área pertence ao tecido mais curioso do nosso corpo: o tecido imunológico.

Esse tecido possui alguns lugares badalados, que suscitam curiosidade: a rigor, em torno da garganta há um anel de tecido imunológico. Essa zona também é chamada de anel de Waldeyer: sob as cúpulas da língua, à direita e à esquerda das nossas amígdalas, e também um pouco no teto da faringe (nas proximidades do nariz e da orelha – nas crianças, costumamos chamá-los de “pólipos” quando aumentam muito de tamanho). Quem pensa que já não tem amígdalas está muito enganado. Todas as partes do anel de Waldeyer também são consideradas amígdalas. As cúpulas da língua, o teto da faringe e nossas velhas e conhecidas amígdalas fazem a mesma coisa: procuram detectar algo estranho e treinam as células imunocompetentes para que se defendam. Só que as amígdalas, que muitas vezes são extraídas, nem sempre realizam essa tarefa de maneira muito inteligente: não formam cúpulas, mas sulcos profundos (para ampliar a superfície). Às vezes, neles fica preso algum corpo estranho, que dificilmente consegue sair, o que com frequência acaba inflamando o tecido. Por assim dizer, este é um efeito colateral de amígdalas muito curiosas. Portanto, quem excluir a possibilidade de que o mau hálito vem da língua ou dos dentes poderá dar uma olhada nessas amígdalas – se ainda as tiver. Algumas vezes, nelas se escondem pequenas pedras brancas, que têm um cheiro horrível! Geralmente as pessoas não sabem nada a respeito e passam semanas lutando contra o mau hálito ou um gosto estranho na boca. Escovar os dentes, fazer gargarejo ou limpar a língua quase não ajudam em nada. Uma hora as pedrinhas acabam saindo sozinhas, e tudo volta ao normal – mas não é necessário esperar que isso aconteça. Com algum exercício, é possível forçar a saída dessas pedrinhas, e o mau hálito desaparece de uma hora para outra. O melhor teste para saber se o cheiro desagradável vem mesmo dali é o seguinte: passar o dedo ou um cotonete nas amígdalas. Se o cheiro for ruim, pode-se então procurar pelas pedrinhas. No entanto, é mais confortável e seguro deixar que otorrinolaringologistas extraiam essas pedras. Quem gosta de assistir a vídeos no YouTube que beiram a repugnância vai encontrar diferentes técnicas de extração e alguns exemplares extremos dessas pedras. Mas a exibição não é para quem tem nervos sensíveis. Há outros remédios caseiros contra as pedras nas amígdalas. Algumas pessoas fazem gargarejos diários com água e sal; outras apostam no repolho fresco e cru da loja de produtos orgânicos; outras ainda afirmam que deixar de consumir laticínios combate a formação das pedras. Nenhuma dessas sugestões é comprovada cientificamente. A questão mais pesquisada é a partir de quando se podem extrair as amígdalas. A resposta é: de preferência, depois dos sete anos. Nessa idade, já vimos tudo que é importante. Pelo menos do ponto de vista de nossas células imunocompetentes: chegar a um mundo totalmente desconhecido, receber as beijocas da mãe, ficar no jardim ou no bosque, tocar um animal, ter muitos resfriados seguidos, conhecer uma porção de gente desconhecida na escola. Tudo isso já aconteceu. A partir de então, nosso sistema imunológico terminou a faculdade, por assim dizer, e pode trabalhar normalmente pelo resto de nossa vida. Antes do sétimo ano de vida, as amígdalas ainda são importantes instituições educacionais. A formação do nosso sistema imunológico é fundamental não apenas na luta contra resfriados, mas também quando se trata da saúde do nosso coração ou do nosso peso. Quem extrai as amígdalas antes dos sete anos tem, por exemplo, um risco maior de adquirir sobrepeso. Por que isso acontece, os médicos ainda não sabem. No entanto, a relação entre o sistema imunológico e o peso é cada vez mais objeto de estudo. Para crianças abaixo do peso, o efeito “engorda” das amígdalas pode ser ótimo. Com o ganho de peso, essas crianças chegam a um patamar normal. Em todos os outros casos, recomenda-se aos pais que cuidem para que os filhos recebam uma alimentação equilibrada. Portanto, quem prefere abrir mão das amígdalas antes dos sete anos deve ter bons motivos. Se elas forem grandes o suficiente para dificultar o sono e a respiração, o efeito “engorda” não faz diferença. É até comovente que o próprio tecido imunológico esteja tão empenhado em nos defender, mas pode nos prejudicar mais do que ajudar. Com frequência, os médicos também podem retirar com laser apenas a parte problemática das amígdalas, em vez de extraílas por completo. Situação diferente ocorre quando há inflamações contínuas. Nesse caso, nossas células imunocompetentes nunca têm descanso, e a longo prazo isso não é bom para elas. Pouco importa se a pessoa tem quatro, sete ou cinquenta anos – sistemas imunológicos ultrassensíveis também podem sair ganhando quando as amígdalas são extraídas. Por exemplo, pessoas com psoríase recorrem à extração das amígdalas. Sofrem de inflamações pruriginosas na pele (que geralmente começam na cabeça) ou de dores nas articulações por causa de um sistema imunológico extremamente alerta. Além disso, pacientes com psoríase costumam ter dor de garganta acima da média. Um possível fator nessa doença são as bactérias que podem se esconder por tempo prolongado nas amígdalas e, a partir delas, irritar o sistema imunológico. Há mais de trinta anos, médicos descrevem casos em que essa doença de pele melhorou muito ou até sarou após a retirada das amígdalas. Por isso, em 2012, pesquisadores da Islândia e dos Estados Unidos analisaram essa relação mais a fundo. Dividiram em dois grupos 29 pacientes com psoríase que sofriam de dores de garganta frequentes. Um dos grupos retirou as amígdalas; o outro não. Em treze dos quinze operados, a doença melhorou visivelmente e de maneira duradoura. Nos que ainda tinham as amígdalas, quase não houve alteração. Atualmente também já se podem extrair as amígdalas quando se intensificar a suspeita de que elas são as culpadas por doenças reumáticas. Com ou sem amígdalas, para ambos os casos há argumentos. Quem precisar tirar as amígdalas logo cedo não precisa ficar preocupado, achando que o sistema imunológico terá perdido todas as lições importantes sobre a boca. Por sorte, ainda existem as cúpulas da língua e o teto da faringe. Por outro lado, quem ainda tiver as amígdalas não precisa ter medo das bactérias escondidas: muitas pessoas não têm sulcos tão profundos nas amígdalas e, por isso, também não têm problemas com elas. Quase nunca as cúpulas da língua e companhia são esconderijos para germes. São construídas de outra forma e possuem glândulas, com as quais se limpam regularmente. A cada segundo acontece o seguinte em nossa boca: os pequenos pontos de salivação lançam redes de mucina, cuidam dos nossos dentes e nos protegem da sensibilidade excessiva. O anel da faringe vigia partículas estranhas e prepara seu exército imunológico. Não precisaríamos de nada disso se não houvesse uma continuação atrás da boca. A boca é o único hall de entrada para um mundo em que o estranho se torna próprio.

A estrutura do intestino

Há coisas que decepcionam quando as conhecemos melhor. Os waf les de chocolate mostrados na propaganda não são feitos com amor por donas de casa com roupas de camponesas, mas vêm de uma fábrica iluminada por tubos de néon e esteira rolante. A escola não é tão divertida como parece no primeiro dia de aula. Nos bastidores da vida, todos estão sem maquiagem. Aqui há muita coisa que, de longe, parece muito melhor do que de perto. Não é o caso do intestino. De longe, nosso tubo intestinal tem uma aparência esquisita. Atrás da nossa boca, um esôfago de dois centímetros de largura desce pela garganta, não chega ao topo do estômago, mas a algum lugar na sua lateral. O lado direito do estômago é bem menor do que o esquerdo – por isso, ele se curva em forma de meia-lua, como um saquinho torto. O intestino delgado serpenteia sem direção com seus sete metros de comprimento, ora para a direita, ora para a esquerda, até finalmente dar no intestino grosso. Neste, por sua vez, prende-se um apêndice aparentemente desnecessário, que só serve para inflamar. Além disso, o intestino grosso tem uma porção de saliências. Parece uma triste tentativa de imitar um colar de pérolas. Visto de longe, o tubo intestinal é uma mangueira sem graça, sem charme e assimétrica. Por isso, não vamos dar importância à distância. Em nosso corpo, praticamente não há órgão que pareça cada vez mais fascinante à medida que nos aproximamos dele. Quanto mais se sabe sobre o intestino, mais belo ele se torna. Para começar, vamos dar uma olhada um pouco mais aprofundada nos pontos peculiares. O “desengonçado” esôfago A primeira coisa que chama a atenção é o fato de o esôfago não ser bom de mira. Em vez de pegar o caminho mais curto e dirigir-se logo ao centro do estômago, em sua parte superior, ele o alcança pelo lado direito. Uma manobra genial. É o que os cirurgiões chamariam de “anastomose término-lateral”. Mas esse desvio vale a pena. Quando caminhamos, cada passo duplica a pressão no ventre, pois contraímos os músculos abdominais. Quando rimos ou tossimos, a pressão chega a se multiplicar por quatro. Como o abdômen comprime o estômago de baixo para cima, não seria nada bom se o esôfago se acoplasse logo na sua extremidade superior. Deslocado para a lateral, ele recebe apenas uma fração da pressão. Assim, quando nos movimentamos depois de comer, não sentimos necessidade de arrotar a cada passo. Graças a essa curva bem bolada e a seus mecanismos de fechamento, quando caímos na risada soltamos, no máximo e de vez em quando, um punzinho de alegria – dificilmente se ouve falar de alguém que tenha se borrado de tanto rir. Um dos efeitos colaterais dessa entrada pela lateral é a bolha gástrica. Em todas as imagens radiográficas essa pequena bolha é vista no topo do estômago. O ar sobe e não encontra logo a saída lateral. Por isso, muitas pessoas precisam primeiro engolir um pouco de ar antes de arrotar. Ao deglutirem, acabam movendo a abertura do esôfago um pouco mais para perto da bolha e vupt! O arroto encontra caminho livre para subir. Deitada, a pessoa consegue arrotar com muito mais facilidade se estiver do lado esquerdo. Quem fica deitado o tempo todo do lado direito, com a barriga comprimida, só precisa mudar de lado. O aspecto “desengonçado” do esôfago também é mais bonito do que parece à primeira vista. Examinando melhor, vê-se que algumas fibras musculares em forma espiralada correm ao redor do esôfago. Elas são a base dos movimentos “desengonçados”. Se as puxamos longitudinalmente, elas não se rompem, mas se encolhem em espiral como um fio de telefone. Nosso esôfago está unido à coluna vertebral através de feixes de fibras. Quando nos sentamos com a coluna reta e olhamos para cima, puxamos nosso esôfago no sentido longitudinal. Assim, ele se estreita e consegue se fechar com mais facilidade para baixo e para cima. Portanto, depois de uma refeição farta, para evitar a eructação ácida assumir uma posição ereta ajuda mais do que ficar encurvado.

O torto saco gástrico


Nosso estômago encontra-se muito mais acima do que imaginamos. Ele começa logo depois do mamilo esquerdo e termina embaixo do arco costal direito. Tudo que dói abaixo desse pequeno saco torto não diz respeito ao estômago. Quando as pessoas acham que seu estômago está com algum problema, na verdade estão sentindo o intestino. Sobre o estômago localizam-se o coração e os pulmões. Por isso, quando comemos muito, fica mais difícil respirar fundo. Um sintoma comumente ignorado pelo clínico geral é a síndrome de Römheld. O ar que se acumula no estômago é tanto que acaba comprimindo o coração por baixo e os nervos viscerais. As pessoas afetadas reagem de maneira diferente. Sentem tontura ou mal-estar. Algumas chegam a sentir medo ou falta de ar; outras ainda sofrem uma forte dor na região do tórax, como em um infarto. Com frequência, elas são tratadas pelos médicos como farsantes medrosos, que só ficam inventando coisas. Nesse caso, seria muito mais útil perguntar: “Já tentou arrotar ou peidar?” A longo prazo, é recomendável restaurar a flora gástrica e a intestinal, renunciar a alimentos que causam flatulência, bem como a quantidades elevadas de álcool, que pode aumentar em até mil vezes o número de bactérias produtoras de gases. Aliás, algumas bactérias utilizam o álcool como alimento (pode-se sentir seu gosto, por exemplo, em frutas que já passaram do ponto). Quando há produtores de gás empenhados no intestino, a discoteca noturna transforma-se em concerto matutino de trombetas. “Limpeza à base de álcool”? Até parece! Tratemos agora de sua forma peculiar. Um dos lados do estômago é muito mais comprido do que o outro, de maneira que todo o órgão precisa se curvar. Com isso, há grandes dobras em seu interior. Poderíamos dizer que o estômago é o Quasímodo dos órgãos responsáveis pela digestão. No entanto, sua aparência disforme tem um significado mais profundo. Quando bebemos um gole de água, o líquido pode correr ao longo do lado direito e curto do estômago, indo parar às portas do intestino delgado. Em contrapartida, a comida cai pesadamente no lado maior do estômago. Assim, com muita habilidade, nosso saco digestório separa o que precisa ser amassado em pequenas porções e o que pode ser rapidamente passado adiante. Nosso estômago não é apenas torto; ele tem dois lados especializados: um se entende melhor com líquidos, e o outro, com sólidos. São como dois estômagos em um, por assim dizer.

O sinuoso intestino delgado


 Em nosso abdômen há um intestino delgado com três a seis metros de comprimento, totalmente solto, laço por laço. Quando saltamos de um trampolim, ele pula junto conosco. Quando estamos sentados em um avião que está para decolar, ele também é comprimido contra o encosto da poltrona. Quando dançamos, ele sacoleja animado para todos os lados; e, quando fazemos careta porque estamos com dor de barriga, ele tensiona seus músculos de forma bem parecida. São poucas as pessoas que já viram seu próprio intestino delgado. Mesmo na colonoscopia, geralmente o médico vê apenas o intestino grosso. Quem já teve a oportunidade de percorrer o intestino delgado através de uma microcâmera que pode ser ingerida costuma ficar surpreso. Em vez de uma mangueira escura, deparamos com um ser de natureza diferente: brilhante como veludo, molhado, rosado e, de certo modo, delicado. Quase ninguém sabe que apenas o último metro de intestino grosso tem alguma coisa a ver com o excremento. Os metros anteriores são incrivelmente limpos (de resto, também inodoros) e se ocupam com fidelidade e apetite de tudo que mandamos para eles. À primeira vista, o intestino delgado pode parecer um pouco menos planejado do que os outros órgãos. Nosso coração tem quatro câmaras; nosso fígado, lobos; as veias possuem válvulas; e o cérebro tem áreas. Já o intestino delgado serpenteia sem direção. Sua verdadeira configuração só é visível ao microscópio. Estamos aqui tratando de um ser que, como nenhum outro, personifica o conceito de “amor ao detalhe”. Portanto, nosso intestino nos oferece o máximo de superfície possível. Por isso, tem muitas dobras. Antes de mais nada, nele se encontram as dobras visíveis – sem elas, precisaríamos de um intestino delgado com dezoito metros de comprimento para ter uma superfície de digestão suficiente. Um brinde às dobras!
Mas um perfeccionista como o intestino delgado não termina aqui. Em um único milímetro quadrado de revestimento intestinal erguem-se trinta minúsculas vilosidades no bolo alimentar. Essas vilosidades são tão pequenas que quase não dá para enxergá-las – mas só quase. A área limítrofe entre o visível e o invisível é tão bem identificada por nossos olhos que ainda conseguimos reconhecer uma estrutura aveludada. Ao microscópio, as pequenas vilosidades parecem grandes ondas feitas de células. (O veludo tem uma aparência muito semelhante.) Com um microscópio melhor, é possível reconhecer que cada uma dessas células também possui saliências vilosas. Ou seja, são vilosidades sobre vilosidades, que, por sua vez, possuem uma guarnição aveludada, gerada por inúmeras estruturas de açúcar, que na forma se assemelham aos galhos de um veado. São os chamados glicocálices. Se tudo isso fosse alisado – dobras, vilosidades e vilosidades sobre vilosidades –, nosso intestino teria cerca de sete quilômetros de comprimento. Por que ele precisa ser tão gigantesco? No total, nossa digestão é realizada em uma área cem vezes maior do que nossa pele. Isso parece muito desproporcional para uma pequena porção de batata frita ou uma única maçã. Mas é justamente disto que se trata em nosso abdômen: aumentamos a nós mesmos e diminuímos tudo que é estranho até ele se tornar minúsculo o bastante para conseguirmos absorvê-lo e transformá-lo em uma parte de nós. É na boca que começamos a fazer isso. Uma mordida na maçã só parece suculenta porque, com nossos dentes, estouramos muitos milhares de células da fruta como se fossem balões. Quanto mais fresca estiver a maçã, mais células estarão intactas; por isso, as mordidas barulhentas nos parecem mais confiáveis. Assim como gostamos do frescor crocante, também preferimos alimentos aquecidos, ricos em proteínas. Bifes, ovos mexidos ou tofu assado nos parecem mais apetitosos do que carne crua, ovos moles ou tofu frio. Isso também está ligado ao nosso entendimento intuitivo. No estômago, um ovo cru sofre o mesmo que na frigideira: a clara fica branca, a gema adquire um tom pastel, e ambas se coagulam. Se vomitarmos após um tempo suficientemente longo, o resultado será algo muito parecido com um ovo mexido, e isso sem nenhum aquecimento. Sobre a boca do fogão, as proteínas reagem exatamente como ao ácido gástrico – elas se desdobram. Sua estrutura não é tão inteligente a ponto de permitir, por exemplo, que se dissolvam em clara; ao contrário, apresentam-se em fragmentos brancos. Assim, tanto no estômago quanto no intestino delgado podem ser decompostas de maneira muito mais simples. Portanto, cozinhar poupa-nos de toda a primeira carga de energia, que, do contrário, o estômago teria de gastar para “desdobrar” as proteínas, e, desse modo, é a parte terceirizada da nossa digestão. A última redução do alimento que consumimos ocorre no intestino delgado. Logo no começo, há um pequeno orifício na parede do intestino, a papila. Ela lembra um pouco os pequenos pontos de salivação na boca, mas é maior. Através dessa minúscula abertura, nossos sucos digestórios são esguichados no bolo alimentar. Assim que comemos alguma coisa, eles são produzidos no fígado e no pâncreas e, em seguida, fornecidos às papilas. Contêm os mesmos componentes dos sabões em pó e detergentes que encontramos no supermercado: enzimas digestivas e solventes de gordura. O sabão em pó age contra as manchas porque, por assim dizer, “digere” na roupa as substâncias gordurosas, que contêm proteínas ou açúcar, e levam-nas embora quando são esfregadas e enxaguadas. O que ocorre no intestino delgado é bem parecido. Só que nele, em comparação, são dissolvidos pedaços gigantescos de proteína, gordura ou carboidratos, para que possam chegar ao sangue através da parede intestinal. Um pedacinho de maçã transforma-se em uma solução nutriente feita de muitos bilhões de moléculas energéticas. Para absorver todas, é necessária uma superfície extensa – sete quilômetros de comprimento são o ideal. Assim, ainda sobra uma zona de segurança caso haja inflamações no intestino ou se pegue uma gripe intestinal. Em cada vilosidade do intestino delgado encontra-se um minúsculo vaso sanguíneo, que é alimentado com as moléculas reabsorvidas. Todos os vasos do intestino delgado confluem para o fígado e o percorrem. O fígado examina nosso alimento em busca de substâncias nocivas e tóxicas e as aniquila antes que cheguem à nossa grande corrente sanguínea. Se comemos demais, é nele que se deposita a primeira reserva de energia. Do fígado, o sangue nutritivo parte diretamente para o coração. Do coração, é bombeado com força para as muitas células do corpo. Uma molécula de açúcar desembarca, por exemplo, em uma célula da pele no mamilo direito, onde é absorvida e queimada com oxigênio. Ao mesmo tempo, produz-se energia para manter a célula viva, e como produtos secundários surgem calor e minúsculas quantidades de água. De modo geral, isso acontece em tantas pequenas células ao mesmo tempo, que mantemos uma temperatura constante de 36°C a 37°C. O princípio fundamental do nosso metabolismo energético é simples: para que uma maçã amadureça, a natureza consome energia. Os seres humanos, por sua vez, fragmentam a maçã e a queimam em seguida até o nível das moléculas. Utilizamos a energia liberada para viver. Todos os órgãos que surgem a partir do tubo intestinal podem fornecer material combustível para as nossas células. Nossos pulmões também absorvem moléculas a cada respiração. “Respirar” significa, por assim dizer, “absorver alimento gasoso”. Boa parte do nosso peso corporal resulta dos átomos respirados, e não apenas de um cheeseburger. As plantas chegam a retirar do ar, e não da terra, a maior parte do seu peso... Só espero que essa informação não sirva de ideia para a próxima dieta de uma revista feminina. Portanto, guardamos energia em todos os nossos órgãos – e somente no intestino delgado recebemos alguma coisa em restituição. Isso transforma a comida em uma atividade de recompensa. No entanto, não se pode esperar um impulso de energia logo após a ingestão do último pedaço de comida. De fato, muitas pessoas ficam até cansadas. A comida ainda não chegou ao intestino delgado; está presa em meio aos preparativos da digestão. A fome já foi embora, pois o estômago se expandiu com a comida, mas estamos tão moles quanto antes de comer e precisamos obter mais energia para a mistura e a fragmentação. Ao mesmo tempo, uma boa quantidade de sangue flui por nossos órgãos da digestão. Por isso, muitos cientistas partem do princípio de que nosso cérebro fica cansado com a menor circulação de sangue. A esse respeito, um dos meus professores opina: “Se todo o sangue da cabeça estivesse no abdômen, morreríamos ou desmaiaríamos.” De fato, há outras causas possíveis para o cansaço depois de uma refeição. Determinados sinais químicos, que liberamos quando estamos satisfeitos, podem estimular áreas do cérebro que nos deixam cansados. Talvez o cansaço resultante desse trabalho perturbe nosso cérebro, mas nosso intestino delgado o acha ótimo. Ele pode trabalhar com a máxima eficiência quando estamos confortavelmente relaxados, pois é quando a maior parte da energia está à sua disposição e o sangue não está repleto de hormônios do estresse. Em matéria de digestão, quem gosta de ler tranquilamente um livro é mais bem-sucedido do que um executivo tenso.

 O desnecessário apêndice e o rechonchudo intestino grosso 


O paciente está deitado na sala de exames de um consultório médico, com um termômetro na boca e outro no traseiro. Há dias mais bonitos do que esse. Antigamente, este era um dos exames feitos quando havia a suspeita de apendicite. Se a temperatura do traseiro fosse nitidamente mais elevada que a da boca, esse indício era considerado importante. Hoje, os médicos já não confiam nas diferenças indicadas pelos termômetros. Os indícios de apendicite são febre e dores do lado direito, abaixo do umbigo (é onde se encontra o apêndice na maioria das pessoas).
Na maioria das vezes, apertar o local causa dor, enquanto à esquerda do umbigo curiosamente sente-se alívio. Mas assim que se retira o dedo do lado esquerdo... ai! Isso porque nossos órgãos abdominais são revestidos por um líquido protetor. Quando se aperta o lado esquerdo, o apêndice inflamado do lado direito flutua em um travesseiro de líquido, e isso o faz sentir-se bem. Outro indício de apendicite são dores ao levantar a perna direita contra uma resistência (alguém precisa pressioná-la na direção contrária), falta de apetite ou enjoo. Nosso apêndice é considerado um órgão inútil. Contudo, nenhum médico no mundo tiraria o apêndice de um paciente com dores abdominais. Oficialmente, trata-se de uma parte importante do intestino grosso. O que se extrai é o apêndice cecal, preso à parte inferior do apêndice. Ele nem sequer parece um verdadeiro pedaço do intestino, e sim uma bexiga vazia, com a qual os palhaços moldam formas de animais. Não é de admirar que ninguém o leve a sério e o chame pelo nome do pedaço de intestino maior e mais próximo, ao qual ele se prende. É como dizer: “Moro em Frankfurt”, embora, na realidade, se more na vizinha Lorsbach. Nosso apêndice cecal não apenas é minúsculo demais para se ocupar do bolo alimentar, como também está preso a um local aonde quase não chega comida. O intestino delgado desemboca um pouco mais acima, na lateral do intestino grosso, e, por isso, simplesmente o ignora. Trata-se de um ser que praticamente só vê de baixo o que o mundo empurra por cima dele. Quem ainda se lembra da paisagem de cúpulas da boca, talvez já imagine qual competência se encontra adormecida nesse incrível observador. Embora esteja bem distante de seus colegas, o apêndice cecal pertence ao tecido imunológico das amígdalas. Nosso intestino grosso se ocupa de coisas que não podem ser absorvidas pelo intestino delgado. Por isso, sua aparência não é aveludada. Seria um esforço inútil muni-lo de vilosidades prontas para a absorção. Em vez disso, ele constitui o lar de bactérias intestinais que fragmentam os últimos restos de comida para nós. Nosso sistema imunológico também se interessa muito por essas bactérias. Portanto, o apêndice cecal situa-se em um lugar privilegiado. Distante o suficiente para não se ocupar de toda a tralha alimentícia, mas também perto o suficiente para observar todos os micróbios estranhos. Enquanto nas paredes do intestino grosso há grandes depósitos com células imunocompetentes, o apêndice cecal constitui-se quase exclusivamente de tecido imunológico. Se um germe ruim passar por ele, é logo cercado. Contudo, isso também significa que tudo ao seu redor pode inflamar – por assim dizer, um panorama de 360°. Se o pequeno apêndice cecal inchar muito, terá ainda mais dificuldade para expulsar o germe de dentro de si. Por isso, todos os anos, só na Alemanha são realizadas mais de cem mil cirurgias de apêndice. Mas esse não é o único efeito. Se apenas os bons sobrevivessem no local e tudo que é perigoso fosse atacado, o argumento em contrário seria de que em um apêndice cecal saudável encontra-se uma seleta coleção das mais refinadas e úteis bactérias. Exatamente este é o resultado dos estudos dos pesquisadores americanos Randal Bollinger e William Parker, que apresentaram essa teoria em 2007. Na prática, isso acontece, por exemplo, após uma forte diarreia. Em seguida, é comum que muitos dos moradores típicos do intestino sejam expulsos, deixando a superfície livre para novos micróbios formarem suas colônias. Não é nada recomendável deixar esse trabalho ao acaso. E é justamente nesse momento que, segundo Bollinger e Parker, a equipe do apêndice cecal entra em ação e se espalha a partir de baixo por todo o intestino grosso para protegê-lo. Na Alemanha, não existem muitos patógenos da diarreia. Mesmo quando alguém pega uma gripe intestinal nesse país, o ambiente conta com micróbios muito menos perigosos do que na Índia ou na Espanha, por exemplo. Portanto, pode-se dizer que os alemães não precisam tanto do apêndice cecal quanto as pessoas desses outros países. Por isso, tampouco devem se preocupar se já fizeram ou têm pela frente uma cirurgia de apêndice. Embora as células imunocompetentes do restante do intestino grosso não estejam muito próximas umas das outras, de modo geral são muito mais numerosas do que as do apêndice cecal e competentes o suficiente para assumir o trabalho. Quem pega uma diarreia e não quer correr nenhum risco pode comprar boas bactérias na farmácia para repovoar o próprio intestino. Até aqui, já não deve restar nenhuma dúvida quanto à finalidade do apêndice, ou melhor, do apêndice cecal. Mas então por que ele está preso ao intestino grosso? O alimento já foi absorvido e já não há vilosidades. O que a flora intestinal tem a ver com os restos não digeridos? Nosso intestino grosso não serpenteia por todos os lados. Está colocado como uma espessa moldura ao redor do intestino delgado. O fato de ser chamado de “grosso” não é nenhuma ofensa para ele, que precisa mesmo de mais espaço para executar suas tarefas. Quem lida bem com os próprios recursos também consegue superar tempos difíceis. É exatamente este o lema de vida do nosso intestino grosso, que não tem pressa em dedicar-se a tudo que restou, digerindo-o bem até o fim. Enquanto isso, o intestino delgado pode absorver a segunda ou terceira refeição – o intestino grosso não se deixa confundir. Restos de comida levam cerca de dezesseis horas para serem diligentemente trabalhados. Ao mesmo tempo, são absorvidas substâncias que, do contrário, perderíamos num piscar de olhos: minerais importantes, como o cálcio, só podem ser realmente reabsorvidos aqui. Com a cuidadosa colaboração do intestino grosso e da flora intestinal, ainda recebemos uma dose extra de ácidos graxos energéticos, vitaminas K e B12, tiamina (vitamina B1) e riboflavina (vitamina B2). Tudo isso serve para muita coisa, por exemplo para o bom funcionamento da coagulação sanguínea, para fortalecer os nervos ou para proteger contra enxaquecas. No último metro de intestino, o nível de água e sal em nosso organismo também é equilibrado. Não que se tenha de experimentar, mas nossas fezes sempre têm o mesmo teor de sal. Com essa calibragem refinada, pode-se economizar um litro inteiro de líquido. Se isso não fosse feito, teríamos de beber um litro a mais todos os dias. Como ocorre no intestino delgado, tudo que o intestino grosso reabsorve é levado através do sangue para o fígado, onde é novamente verificado e retransmitido para a grande circulação. Contudo, os vasos sanguíneos presentes nos últimos centímetros do tubo intestinal não passam pelo fígado desintoxicado, mas chegam diretamente à circulação. Em geral, nela nada mais é absorvido, pois essa missão já foi cumprida. No entanto, existe uma exceção: os supositórios. Embora contenham muito menos medicamento do que os comprimidos, agem muito mais rápido. Com frequência, é necessário ministrar uma dose elevada de comprimidos e medicamentos líquidos porque o fígado desintoxica boa parte deles antes que cheguem ao local onde devem agir. Isso não nos ajuda muito, pois queremos justamente receber os efeitos práticos dessas “substâncias tóxicas”. Quem não quer sobrecarregar o fígado com antipiréticos e companhia, pega o caminho mais curto, oferecido pelo final do intestino, e utiliza supositórios. Esta é uma excelente ideia, sobretudo quando se trata de crianças e pessoas mais velhas.

O que realmente comemos


A fase mais importante da nossa digestão ocorre no intestino delgado, quando a superfície mais extensa depara com o menor fragmento de alimento. Nesse local é decidido se toleramos lactose, o que é um alimento saudável ou que tipo de comida provoca alergias. Nessa última etapa, nossas enzimas digestivas trabalham como minúsculas tesouras: vão recortando a comida até ela chegar ao mínimo denominador comum com as células do nosso corpo. O truque da natureza é que todas as coisas consistem nos mesmos materiais fundamentais: moléculas de açúcar, aminoácidos e gorduras. Todos os nossos alimentos provêm de seres vivos – pela definição biológica, entre eles estão tanto uma macieira quanto uma vaca. Moléculas de açúcar podem ligar-se a cadeias complexas. Nesse caso, já não têm o gosto doce e constituem os chamados carboidratos, presentes em alimentos como pão, macarrão ou arroz. Quem digere uma torrada recebe, após o trabalho de fragmentação realizado pelas enzimas, o seguinte produto final: a mesma quantidade de moléculas de açúcar encontrada em algumas colheres de açúcar branco. A única diferença está no fato de que o açúcar comum não necessita de um grande processamento por parte das enzimas, pois chega tão fragmentado ao intestino delgado que pode ser diretamente absorvido pelo sangue. Muito açúcar puro de uma só vez adoça nosso sangue por um curto período. O açúcar da torrada clara é digerido pelas enzimas com relativa rapidez. Já com o pão integral o processo é bem mais demorado. Ele consiste em cadeias muito complicadas, que têm de ser desmontadas pedaço por pedaço. Por isso, em vez de ser uma bomba de açúcar, o pão integral é um depósito benéfico dessa substância. De resto, o corpo precisa reagir de maneira muito mais intensa a uma edulcoração repentina para trazer tudo de volta a um equilíbrio saudável. Por isso, libera grandes quantidades de hormônio, sobretudo insulina, fazendo com que, passada a operação especial, logo voltemos a nos sentir cansados. Quando o açúcar não é absorvido rápido demais, ele é um importante recurso natural. Podemos utilizá-lo como combustível para nossas células, bem como para produzir estruturas próprias de açúcar, como os glicocálices em forma de galhos de veado em nossas células intestinais. Apesar disso, nosso corpo gosta de doce açucarado, pois assim economiza trabalho – justamente porque esse tipo de açúcar é de absorção mais rápida, tal como as proteínas quentes. Acrescente-se a isso que o açúcar é convertido em energia a uma velocidade muito elevada. Por sua vez, esse bem-sucedido fornecimento de energia é recompensado pelo cérebro com boas sensações. Contudo, há uma armadilha: nunca na história da humanidade tivemos de lidar com uma oferta tão excessiva de açúcar. Nos supermercados americanos, cerca de 80% dos produtos industrializados são acrescidos de açúcar. Portanto, do ponto de vista da técnica da evolução, nosso corpo acabou de encontrar o esconderijo dos doces e se empanturra inocentemente, antes de desmoronar no sofá com um choque de açúcar e dor de barriga. Embora saibamos que não faz bem ficar beliscando muitos doces, não podemos levar a mal nossos instintos se eles aproveitam a ocasião com entusiasmo. Se ingerimos açúcar demais, simplesmente o armazenamos para períodos difíceis. No fundo, é um procedimento prático. Por um lado, fazemos isso remodelando-o em cadeias de açúcar muito longas e armazenando-o como glicogênio no fígado; por outro, transformando-o em gordura e acumulando-o no tecido adiposo. O açúcar é a única substância que nosso corpo consegue utilizar com pouco gasto de energia para produzir gordura. Depois de alguns instantes de corrida, as reservas de glicogênio são consumidas – bem no momento em que se pensa: de repente essa corrida ficou cansativa. Por isso, os fisiologistas da nutrição aconselham que se pratique no mínimo uma hora de atividade física quando se quer perder gordura. No mais tardar, após a primeira diminuição do desempenho, as nobres reservas são efetivamente extraídas. Talvez fiquemos irritados com o fato de que a gordura abdominal não vá logo embora – mas nosso corpo não entende essa irritação; afinal, as células humanas veneram a gordura. De todas as partículas alimentares, a gordura é a substância mais eficiente e valiosa. Os átomos são agrupados de maneira tão inteligente que a gordura – em comparação com os carboidratos ou as proteínas – consegue reunir o dobro de energia por grama. Nós a utilizamos para revestir os nervos, tal como os invólucros de plástico ao redor dos cabos elétricos. Graças a esse revestimento, pensamos com mais rapidez. Alguns hormônios importantes no nosso corpo são feitos de gordura, e cada uma de nossas células é envolvida em uma membrana gordurosa. Uma substância tão importante como essa é protegida, e não dissipada logo no primeiro e curto sprint. Caso sobrevenha mais um período de carestia – e foram muitos nos últimos milhões de anos –, todo grama de gordura abdominal torna-se um seguro de vida. Para nosso intestino delgado, a gordura também é algo muito especial. Como os outros nutrientes, não pode simplesmente sair do intestino e ser absorvida pelo sangue. A gordura não se dissolve em água – ela poderia obstruir os minúsculos vasos sanguíneos nas vilosidades do intestino delgado e boiar nas veias como azeite na água do espaguete. Por isso, a absorção da gordura ocorre de maneira diferente: através do sistema linfático. Os vasos linfáticos são para os vasos sanguíneos mais ou menos o que o Robin é para o Batman. Todo vaso sanguíneo no interior do corpo é acompanhado por um vaso linfático, assim como toda pequena veia no intestino delgado. Enquanto as veias são espessas e vermelhas e bombeiam heroicamente os nutrientes para nossos tecidos, os vasos linfáticos são finos, de esbranquiçados a transparentes. Eles recuperam no tecido o fluido bombeado e transportam células imunocompetentes para prover todas as partes com o que é necessário. Os vasos linfáticos são muito frágeis porque não possuem paredes musculosas como nossas veias. Com frequência, trabalham com a força da gravidade. É por isso que de manhã, quando acordamos, nossos olhos ficam inchados. Na posição deitada, a gravidade não consegue fazer muita coisa, e, embora os pequenos vasos linfáticos do rosto fiquem abertos de bom grado, somente quando nos colocamos em pé é que o fluido que durante a noite foi transportado para esse local pode voltar a fluir para baixo. (Após uma longa caminhada, nossas pernas não se enchem de líquido, pois, a cada passo, seus músculos comprimem os vasos linfáticos, fazendo com que a água dos tecidos seja mandada para cima.) Em todo o corpo, a linfa está entre os subestimados fracos – a não ser no intestino delgado. Nele, ela faz sua grande aparição! Todos os vasos linfáticos confluem para um vaso consideravelmente largo, onde podem reunir toda a gordura acumulada, sem o risco de obstrução.

Esse vaso traz um nome que soa quase imponente: ducto torácico! Poderíamos apresentá-lo da seguinte forma: “Viva o ducto! E que ele nos ensine por que a gordura nobre é tão importante, e a ruim, tão nociva!” Logo após uma refeição rica em gordura, encontram-se no ducto tantas gotas minúsculas de gordura que o fluido deixa de ser transparente para adquirir um aspecto leitoso, que recebe o nome de quilo. Tanto os homens quanto as mulheres o possuem. Depois que se acumula no ducto, a gordura faz uma curva no abdômen, atravessa o diafragma e vai direto para o coração. (Nele é vertido o líquido acumulado das pernas, das pálpebras e do intestino.) Portanto, seja o nobre azeite de oliva, seja a gordura resultante de uma fritura barata, tudo é despejado diretamente no coração. Antes disso, não há nenhum desvio pelo fígado – como acontece com todas as outras coisas que digerimos. A desintoxicação da gordura perigosa e ruim só ocorre depois que o coração já bombeou tudo com força e que as gotas de gordura chegaram por acaso a um vaso sanguíneo do fígado. Este órgão abriga muito sangue, razão pela qual é alta a probabilidade de logo ocorrer um encontro – mas antes o coração e os vasos ficam entregues, sem nenhuma proteção, ao que se pode adquirir no McDonald’s e companhia pelo menor preço. Assim como a gordura ruim pode fazer mal, a boa pode ter efeitos maravilhosos. Quem gastar um pouco mais com um verdadeiro azeite de oliva (extravirgem) prensado a frio, molhará sua baguete em um bálsamo benéfico para o coração e os vasos sanguíneos. Muitos dos estudos sobre o azeite de oliva sugerem que ele é capaz de proteger-nos da arteriosclerose, do estresse celular, do Alzheimer e de doenças oculares (como a degeneração da mácula). Além disso, veem-se efeitos positivos no caso de doenças inflamatórias, como na artrite reumatoide, e na prevenção a determinados tipos de câncer. Especialmente emocionante para aqueles que temem a gordura é o seguinte: o azeite de oliva tem o potencial de combater os indesejados pneuzinhos. Ele bloqueia uma enzima no tecido adiposo, a sintase de ácido graxo, que produz gordura a partir de carboidratos excedentes. Não somos os únicos a nos beneficiar do azeite de oliva; nossas bactérias intestinais também gostam desse pequeno cuidado. Um bom azeite de oliva pode até custar um pouco mais, mas não tem gosto rançoso – ao contrário, é verde e frutado – e, ao ser engolido, às vezes causa uma sensação de aspereza devido ao tanino. Quem achou essa descrição abstrata demais pode consultar os diversos selos de qualidade nas boas garrafas. Contudo, verter alegremente o azeite de oliva em uma frigideira não é uma boa ideia, pois o calor estraga muita coisa. Embora as bocas quentes do fogão deixem o bife e o ovo uma maravilha, não são boas para os ácidos graxos oleicos, que podem ser quimicamente alterados. Para fritar, é melhor usar óleo de cozinha ou gordura sólida, como manteiga ou gordura de coco. Embora contenham uma boa quantidade de ácidos graxos saturados e condenáveis, eles também são mais estáveis quando se trata de calor. Os azeites nobres não apenas são sensíveis ao calor, como também apanham radicais livres no ar. Os radicais livres causam muitos danos ao nosso corpo porque, na verdade, não gostam nem um pouco de ser livres, preferindo estar firmemente presos a algum lugar. Desse modo, ligam-se a tudo que é possível – vasos sanguíneos, pele do rosto ou células nervosas –, causando rompimento de vasos, envelhecimento da pele e doenças nervosas. Se quiserem se prender ao nosso azeite, tudo bem, mas, por favor, só ao nosso corpo, e não à nossa cozinha. Por isso, é importante fechar bem a garrafa depois de usá-la e guardá-la na geladeira. A gordura animal presente na carne, no leite ou nos ovos contém muito mais ácidos araquidônicos do que os óleos vegetais. A partir dos ácidos araquidônicos, nosso corpo produz sinais químicos hiperalgésicos. Em contrapartida, em óleos como o de canola, linhaça ou cânhamo, há uma quantidade maior de ácidos alfalinoleicos, que são anti-inflamatórios, enquanto no azeite de oliva encontra-se uma substância com efeito parecido, conhecida como oleocanthal. Essas gorduras agem de modo semelhante ao ibuprofeno ou à Aspirina, só que em doses muito menores. Portanto, não ajudam em caso de dor aguda de cabeça, mas um uso regular delas pode ajudar quando se tem uma doença inflamatória ou se sofre com frequência de dores de cabeça ou resultantes da menstruação. Às vezes, as dores se atenuam quando se passa a consumir mais gordura vegetal do que gordura animal. No entanto, o azeite de oliva não é uma panaceia para a pele nem para os cabelos. Estudos dermatológicos chegaram a demonstrar que o azeite de oliva puro irrita levemente a pele e que, por causa dele, os cabelos costumam ficar tão oleosos que lavá-los em seguida acaba com o efeito do tratamento. No corpo também pode haver excesso de gordura, que, quando em excesso – não importa se é gordura boa ou ruim –, ultrapassa nossas capacidades. É como passar creme demais no rosto. Os fisiologistas da nutrição recomendam suprir de 25% a 30% da necessidade diária de energia com gordura. Isso equivaleria, em média, a 55 até 66 gramas por dia – pessoas de grande porte que praticam esportes podem consumir um pouco mais, enquanto as de constituição física menor e mais sedentárias devem consumir menos. Um Big Mac contém quase a metade da necessidade diária de gordura – só resta saber que tipo de gordura. Com o sanduíche de frango ao molho teriyaki, da Subway, chega-se a apenas dois gramas... Cabe ao consumidor escolher como obter os outros 53 gramas necessários. Depois dos carboidratos e da gordura, agora só falta a terceira e talvez mais desconhecida pedra fundamental da nossa alimentação: os aminoácidos. É estranho imaginar, mas o tofu de sabor neutro ou semelhante a nozes ou a carne condimentada e salgada consiste em meros ácidos pequenos. Como no caso dos carboidratos, os pequenos tijolos são alinhados em cadeia. Por isso, têm um sabor diferente e acabam recebendo outro nome: proteína. No intestino delgado, as enzimas digestivas desmontam a estrutura, e a parede do intestino apanha os fragmentos valiosos. Existem vinte desses aminoácidos e infinitas possibilidades de combiná-los com as mais diferentes proteínas. Entre muitas outras coisas, nós, humanos, construímos a partir disso nosso DNA, nosso patrimônio genético, a cada nova célula que diariamente produzimos. Outros seres vivos fazem o mesmo, quer sejam plantas, quer sejam animais. Por isso, tudo que consegue se alimentar na natureza contém proteína. Contudo, seguir uma alimentação sem carne nem sintomas de deficiência é mais difícil do que muitos imaginam: as plantas constroem proteínas diferentes das dos animais e muitas vezes utilizam tão pouco um aminoácido que suas proteínas são consideradas “incompletas”. Se quisermos construir nossas próprias proteínas a partir dos seus aminoácidos, só avançaremos na cadeia até um aminoácido nos escapar! Proteínas incompletas acabam sendo destruídas, e eliminamos os pequenos ácidos através da urina ou os reciclamos de alguma forma. Ao feijão falta o aminoácido metionina; ao arroz e ao trigo (e, com ele, ao seitan) falta a lisina; ao milho chegam a faltar dois: a lisina e o triptofano! Mas este não é o triunfo dos amantes da carne sobre as pessoas que não a comem: vegetarianos e veganos só precisam fazer combinações mais inteligentes. Embora o feijão não contenha metionina, tem uma enorme quantidade de lisina – uma tortilha de trigo com pasta de feijão e um belo recheio fornece todos os aminoácidos necessários para se produzirem as próprias proteínas. Quem come ovo e queijo também consegue equilibrar as proteínas incompletas. Em muitos países, há séculos as pessoas fazem suas refeições de maneira totalmente intuitiva, e as complementam da seguinte forma: arroz com feijão, macarrão com queijo, pão pita com homus ou torrada com manteiga de amendoim. Teoricamente, a combinação nem precisa ser feita em uma mesma refeição; basta que ocorra ao longo do dia (muitas vezes, esse tipo de combinação é até uma inspiração bastante útil quando não se sabe o que cozinhar). Há também vegetais que contêm todos os aminoácidos importantes em quantidades suficientes: a soja, a quinoa ou ainda o amaranto, as algas espirulina, o trigo sarraceno e as sementes de chia. Por isso, o tofu tem direito à sua fama de substituto da carne – mas com a limitação de que cada vez mais pessoas apresentam reações alérgicas a ele.

Alergias e intolerâncias


Uma teoria para o surgimento das alergias é que elas têm início no intestino delgado. Quando não conseguimos quebrar uma proteína em aminoácidos, podem restar minúsculos fragmentos, que normalmente acabam sendo absorvidos pelo sangue. Porém, o poder inesperado está no que passa despercebido – nesse caso, a linfa. Encerradas em uma gotícula de gordura, essas pequenas partículas poderiam chegar à linfa e nela ser apanhadas por atentas células imunocompetentes, que, por exemplo, ao encontrarem uma minúscula partícula de amendoim em meio ao fluido linfático, obviamente capturam o corpo estranho. Na próxima vez que o veem, já estão mais bem preparadas e conseguem atacá-lo com mais intensidade – em determinado momento, basta colocar um amendoim na boca para as bem informadas células imunocompetentes sacarem suas pistolas Uzi. A consequência são reações alérgicas cada vez mais fortes, como o inchaço extremo do rosto e da língua. Esse tipo de explicação é adequado para as alergias, desencadeadas sobretudo por alimentos gordurosos e, ao mesmo tempo, ricos em proteínas, como o leite, o ovo e, antes de todos, o amendoim. A razão pela qual quase não há ser humano que seja alérgico ao gorduroso bacon do café da manhã é simples. Somos feitos de carne e, em geral, somos capazes de digeri-la bem

Doença celíaca e sensibilidade ao glúten


O desenvolvimento de alergias através do intestino delgado pode ser desencadeado não apenas pela gordura. Alérgenos como camarão, pólen ou glúten não são bombas de gordura por si só, e as pessoas que comem alimentos gordurosos não apresentam, necessariamente, mais alergias do que as outras. Outra teoria para o surgimento de alergias é a seguinte: a parede de nosso intestino pode ser mais permeável por um curto período, permitindo que resquícios de alimento cheguem ao tecido intestinal e ao sangue. Os cientistas se ocupam desse processo sobretudo em relação ao glúten, uma mistura de proteínas a partir de tipos de cereais como o trigo. Não é que os cereais não gostem de ser comidos por nós. Na verdade, os vegetais querem se reproduzir – aí chegamos nós para consumir seus descendentes. Em vez de fazerem um escândalo, eles nem pensam duas vezes antes de intoxicar um pouco suas sementes. Isso é bem menos dramático do que parece em um primeiro momento. A ingestão de alguns grãos de trigo não causa problema a nenhuma das partes. Assim, os seres humanos podem sobreviver numa boa, e os vegetais também. Porém, quanto mais ameaçado se sente um vegetal, mais dessas substâncias ele libera em suas sementes. Desse modo, o trigo está em alerta porque suas sementes têm um breve intervalo para crescer e se multiplicar. Nada pode dar errado. Nos insetos, o glúten bloqueia uma importante enzima digestiva. Assim, se um gafanhoto atrevido beliscar demais a gramínea do trigo, poderá ficar com o estômago pesado; portanto, será melhor para ambos que ele encerre a refeição a tempo. No intestino humano, o glúten pode vagar pelas células sem ser totalmente digerido e, a partir disso, desfazer a ligação entre cada célula. Desse modo, as proteínas do trigo chegam a áreas às quais não deveriam chegar, o que, por sua vez, não agrada muito o sistema imunológico. Uma entre cem pessoas tem intolerância genética ao glúten (doença celíaca); e cada vez mais pessoas se mostram claramente sensíveis a ele. Na doença celíaca, o consumo de trigo pode desencadear inflamações severas, destruir as vilosidades intestinais ou enfraquecer o sistema nervoso. As pessoas afetadas sofrem dores abdominais e diarreia, quando crianças não apresentam um bom desenvolvimento ou ficam muito pálidas no inverno. Porém, o complicado nessa doença é que ela pode ser ora mais, ora menos pronunciada. Em inflamações menos intensas, muitas vezes não se percebe nada durante anos. De vez em quando, a pessoa sente dor abdominal ou, eventualmente, sofre de anemia, que só por acaso chama a atenção do clínico geral. No momento, a melhor terapia em caso de doença celíaca é renunciar ao trigo e a seus derivados. Quando há uma sensibilidade ao glúten, pode-se ingerir trigo sem sofrer grandes danos no intestino delgado, mas é recomendável não exagerar, como no exemplo do gafanhoto. Contudo, muitas pessoas só percebem uma melhora depois de uma a duas semanas sem glúten. De repente, têm menos problemas digestivos ou gases, menos dor de cabeça ou nas articulações. Algumas pessoas conseguem se concentrar melhor ou sentem-se menos cansadas ou exaustas. A sensibilidade ao glúten só começou a ser pesquisada com mais profundidade há pouco tempo. Por enquanto, o diagnóstico pode ser resumido da seguinte forma: as dores melhoram com uma alimentação sem glúten, mesmo que os testes de doença celíaca deem negativos. Embora as vilosidades intestinais não inflamem nem se danifiquem, possivelmente o sistema imunológico é afetado pela ingestão de muitos pãezinhos. A permeabilidade do intestino também pode aumentar apenas por pouco tempo, por exemplo após a ingestão de antibióticos, através do consumo elevado de álcool ou devido ao estresse. Quem reage com sensibilidade ao glúten por essas razões pode até manifestar indícios de uma verdadeira intolerância. Nesse caso, é recomendável renunciar ao glúten por um tempo. Importantes para o diagnóstico final são um exame aprofundado e a comprovação de determinadas moléculas nos glóbulos sanguíneos. Além dos grupos sanguíneos A, B, AB e O, mais conhecidos, há muitas outras propriedades, como os chamados alelos DQ. Quem não pertence aos grupos DQ2 ou DQ8 muito provavelmente não tem a doença celíaca.

Intolerância à lactose e à frutose


Quanto à intolerância à lactose, não se trata de alergia. Mas também nesse caso o alimento não pode ser completamente dividido em suas partes individuais. A lactose é um componente do leite e consiste em duas moléculas de açúcar quimicamente interligadas – a enzima digestiva que separa ambas não vem da papila. As células do intestino delgado a constroem sozinhas, em cima de suas menores vilosidades. A lactose é dividida ao tocar a parede do intestino, e cada molécula de açúcar é absorvida. Na falta da enzima podem surgir dificuldades bem semelhantes às verificadas no caso de intolerância ou sensibilidade ao glúten: dores abdominais, diarreia ou gases. No entanto, diferente da doença celíaca, aqui as partículas não digeridas de lactose não vagueiam pela parede do intestino. Simplesmente passam do intestino delgado para o grosso, onde alimentam bactérias produtoras de gases. A flatulência e outros incômodos são, por assim dizer, a forma que micróbios superalimentados, como se estivessem no paraíso, encontram para expressar seu agradecimento. Embora isso seja muito desagradável, a intolerância à lactose não é, nem de longe, tão nociva quanto uma doença celíaca desconhecida. Todo o mundo possui genes para a digestão da lactose. São raros os casos em que esses genes apresentam problemas desde o nascimento e os bebês não conseguem beber o leite materno sem sofrer fortes diarreias. Em 75% de todos os seres humanos, esses genes deixam de funcionar com a idade. Afinal, deixamos de mamar no peito ou em mamadeiras. Embora a tolerância ao leite seja mais rara fora da Europa Ocidental, da Austrália e dos Estados Unidos, em outros lugares já se acumulam nos supermercados os produtos sem lactose, pois, segundo as estimativas atuais, um em cada cinco cidadãos tem intolerância à lactose. Quanto mais velho, maior é a probabilidade de não conseguir quebrar o açúcar do leite – muitas vezes, porém, nem passa pela cabeça de alguém com sessenta anos que a barriga inchada ou a leve diarreia vem do habitual copo de leite ou do delicioso molho branco. Mas é um erro pensar que nessa idade já não se pode consumir leite. Na maioria dos casos, ainda há no intestino enzimas que quebram a lactose, embora sua atividade seja um pouco menor. Digamos que essa redução é de 10% a 15% em relação ao que conseguiam fazer antes. Portanto, quando se constata que deixar de tomar um copo de leite proporciona ao abdômen uma sensação mais agradável, pode-se descobrir tranquilamente sozinho a quantidade que ainda pode ser consumida e a partir de que momento os problemas começam a surgir. Um pedaço de queijo ou um pouco de creme no café costuma não fazer mal nenhum, tal como o creme dos doces. Algo muito semelhante ocorre nos casos de intolerância alimentar na Alemanha. Um em cada três alemães tem problemas com a frutose, o açúcar das frutas. Também com a frutose a intolerância pode ser forte e congênita, e as pessoas afetadas já reagem com problemas digestivos às menores quantidades. Porém, grande parte das pessoas apresenta algum problema com excesso de frutose. A maioria sabe pouco a respeito e, em uma compra, a expressão “com frutose” soa mais saudável do que “com açúcar”. Por isso, os fabricantes de doces preferem adoçar seus produtos com frutose pura, contribuindo, assim, para que nossos alimentos contenham mais frutose do que nunca antes. Para muitos, uma maçã por dia não seria problema – isso se o ketchup da batata frita, o iogurte de frutas adoçado e o cozido enlatado também já não contivessem a substância. Alguns tomates são cultivados de modo que contenham bastante frutose. Além disso, temos hoje uma oferta de frutas que sem a globalização e o transporte aéreo não poderia existir em lugar nenhum. Abacaxis de regiões tropicais dividem espaço com morangos frescos das estufas holandesas e alguns figos secos do Marrocos. Portanto, o que classificamos como intolerância alimentar talvez seja apenas a reação de um corpo totalmente normal que, no período de uma geração, precisa se adaptar a uma alimentação que não teve milhões de anos antes. O mecanismo que se esconde por trás da intolerância à frutose é diferente daquele relacionado ao glúten ou à lactose. Pessoas com intolerância congênita têm poucas enzimas para processar a frutose dentro das células. Desse modo, a frutose pode se acumular aos poucos dentro das células e dificultar outros processos. Se a intolerância só aparece mais tarde na vida, supõe-se que o problema esteja na absorção da frutose no intestino. Nesse caso, muitas vezes há poucos canais de transporte (os chamados transportadores GLUT-5) na parede intestinal. Quando se ingere uma pequena quantidade de frutose – por exemplo, uma pera –, os canais de transporte ficam sobrecarregados, e o açúcar da pera vagueia, como no caso da intolerância à lactose, até a flora intestinal no intestino grosso. No momento alguns pesquisadores discutem se o número mais escasso de transportadores é realmente a origem do problema, pois pessoas sem esse distúrbio também enviam parte da frutose não digerida ao intestino grosso (sobretudo quando a quantidade é grande). Pode acontecer, por exemplo, de a flora intestinal ter uma composição inadequada. Nesse caso, quem come uma pera envia a frutose restante a uma equipe de bactérias intestinais que causa dores bastante desagradáveis. Obviamente, essas dores aumentam quanto mais ketchup, cozido enlatado ou iogurte de frutas já se tiver consumido antes. Uma intolerância a frutose nesse grau pode acabar com nosso humor. De fato, o açúcar contribui para que muitos outros nutrientes sejam absorvidos pelo sangue. Por exemplo, o aminoácido triptofano une-se de bom grado à frutose durante a digestão. Porém, quando temos tanta frutose no abdômen que boa parte dela não pode ser absorvida, também perdemos o triptofano. Este, por sua vez, é necessário para a produção de serotonina, sinal químico conhecido como hormônio da felicidade, pois a falta dela pode levar à depressão. Desse modo, uma intolerância à frutose que permanece muito tempo sem ser descoberta também pode causar estados de ânimo depressivos. O conhecimento desse fato só passou a ser adotado muito recentemente nos consultórios médicos. Portanto, há que se perguntar se uma alimentação com excesso de frutose também prejudica o humor. A partir de cinquenta gramas de frutose por dia (o equivalente a cinco peras ou oito bananas ou ainda cerca de seis maçãs), os transportadores naturais de mais da metade das pessoas ficam sobrecarregados. Comer a mais pode implicar consequências como diarreia, dor abdominal, gases e, a longo prazo, também estado de ânimo depressivo. Atualmente nos Estados Unidos o consumo de frutose já chegou a oitenta gramas. Usando mel para adoçar o chá, poucos produtos industrializados e mantendo um consumo normal de frutas, nossos pais alcançavam de 16 a 24 gramas por dia. A serotonina é responsável não apenas pelo bom humor, mas também por uma sensação de saciedade. Ataques de fome e vontade constante de beliscar podem ser um efeito colateral da intolerância à frutose, sobretudo quando, adicionalmente, surgirem outros distúrbios, como dor abdominal. Uma dica interessante também vale para quem costuma comer salada para fazer dieta. Muitos molhos prontos, vendidos nos supermercados ou em fast food, contêm xarope de frutose e glicose. Estudos comprovaram que esse xarope reprime determinados sinais químicos para a saciedade (leptina) também em pessoas sem intolerância à frutose. Uma salada com as mesmas calorias, temperada com azeite e vinagre ou molho de iogurte feito em casa, mantém a saciedade por mais tempo. Como tudo na vida, a produção de alimentos também está em constante mudança. Às vezes as inovações têm efeitos bons, outras vezes, ruins. Antigamente, salgar os alimentos, por exemplo, era um método avançado para evitar que as pessoas se intoxicassem com carne estragada. Durante séculos, era costume salgar a carne e a salsicha com muitos sais de nitrito para conservação. Com isso, esses produtos adquiriam um tom vermelho vivo. Eis por que o presunto, o salame, os embutidos de carne bovina e suína ou as bistecas de porco não ficam marrom-acinzentados quando passam rapidamente pela frigideira, tal como um pedaço de bife ou costeleta não curtidos. Em 1980, na Alemanha, o uso de nitrito foi rigorosamente proibido em razão de eventuais riscos à saúde. Atualmente, as salsichas não contêm mais do que cem miligramas (um milésimo de grama) de sal de nitrito por quilograma de carne. Desde então, muito menos pessoas também adoecem de câncer no estômago. A correção de uma inovação que no passado fazia muito sentido também foi mais do que adequada. Hoje, açougueiros inteligentes misturam muita vitamina C a pouco nitrito para tornar a carne durável de maneira segura. Esse modo moderno de pensar também poderia ser necessário no que se refere ao uso do trigo, do leite e da frutose. É bom ter esse tipo de alimento em nossa dieta porque contém substâncias importantes – mas talvez devêssemos reconsiderar a quantidade que consumimos. Enquanto nossos antepassados caçadores e coletores comiam todo ano até quinhentos tipos diferentes de raízes, folhas e vegetais autóctones, a maior parte da nossa comida hoje vem de dezessete vegetais consumíveis. Não é de surpreender que nosso intestino encontre dificuldades com essas mudanças. Problemas digestivos dividem nossa sociedade em dois grupos: o que se preocupa com a própria saúde e cuida muito bem da alimentação e o de pessoas que se irritam porque mal conseguem preparar um jantar para os amigos sem fazer compras na farmácia. Ambos os lados têm razão. Muitas pessoas tornamse cuidadosas ao extremo quando ficam sabendo pelo médico que sofrem de alguma intolerância alimentar e percebem que seus distúrbios melhoram quando deixam de consumir alguma coisa. Param de comer frutas, cereais ou laticínios como se estes contivessem veneno. Só que, na verdade, a maior parte dessas pessoas apresenta sensibilidade a muitos desses alimentos e não é totalmente intolerante por razões genéticas. Essas pessoas costumam ter enzimas suficientes para um pouco de molho branco, e podem se permitir um pedaço de pretzel ou uma fruta de sobremesa de vez em quando. De todo modo, deve-se prestar atenção na sensibilidade em si. Nem toda inovação em nossa cultura alimentar tem, necessariamente, de descer goela abaixo. Trigo no café da manhã, no almoço e no lanche noturno, frutose em todo produto industrializado, sem exceção, ou leite por muito tempo após o período de amamentação – não é loucura se nosso corpo não gostar de nada disso. Dores abdominais constantes não surgem do nada, tampouco diarreias recorrentes ou fadiga intensa, e ninguém deve aceitar isso como normal. Mesmo que o médico exclua que a causa seja doença celíaca ou uma forte intolerância à frutose, quem perceber que se sente melhor ao deixar de comer alguma coisa estará certo em continuar a não comê-la. Além dos excessos em geral, tratamentos à base de antibióticos, forte estresse ou infecções gastrintestinais são gatilhos típicos para que, durante um período, se reaja com sensibilidade a alguns alimentos. Porém, tão logo retorne a tranquilidade saudável, é possível colocar o intestino sensível novamente em ordem. Nesse caso, a solução não é uma renúncia para a vida toda, e sim poder voltar a comer algo que por um período não se tolerou – só que em quantidades que se consiga tolerar.

2- O SISTEMA NERVOSO DO INTESTINO


Há locais em que o inconsciente beira o consciente. Estamos sentados na sala, almoçando. Enquanto isso, não percebemos que a alguns metros de distância, no apartamento ao lado, há outra pessoa sentada comendo alguma coisa. Talvez até ouçamos de vez em quando um rangido estranho no chão, que nos faz pensar além de nossas paredes. Também em nosso corpo há áreas em relação às quais não percebemos nada. Não sentimos o que nossos órgãos fazem o dia inteiro. Comemos um pedaço de torta: na boca ainda sentimos seu gosto e percebemos os primeiros centímetros de deglutição, mas então pluft!, nossa comida vai embora. A partir daí, tudo desaparece em uma área que na terminologia médica é chamada de “musculatura lisa”. A musculatura lisa não é controlada pela consciência. Ao microscópio, não parece a musculatura que somos capazes de controlar, como o bíceps. Conseguimos tensionar e soltar o músculo do bíceps no braço quando quisermos. Nos músculos controláveis, as menores fibras são estruturadas de maneira muito ordenada, como se tivessem sido desenhadas com uma régua. As subunidades da musculatura lisa produzem redes tecidas organicamente e se movimentam em ondas harmônicas. Nossos vasos sanguíneos também são revestidos pela musculatura lisa; por isso, muitas pessoas enrubescem quando ficam sem graça. A musculatura lisa descontrai-se com emoções como a vergonha. Desse modo, as pequenas veias do rosto se expandem. Em muitas pessoas, a capa de músculo se contrai sob o estresse, reduzindo os vasos e fazendo com que o sangue os comprima, o que pode levar à pressão alta. O intestino é envolvido por três capas de musculatura lisa. Desse modo, pode movimentar-se com inconcebível flexibilidade e fazer diferentes coreografias em diferentes pontos. O coreógrafo desses músculos é o sistema nervoso próprio do intestino, que controla todos os procedimentos no canal digestivo e é extremamente independente. Ainda que sua conexão com o cérebro fosse cortada, tudo continuaria a avançar com disposição e realizando a digestão. Um fenômeno como esse não existe em nenhuma outra parte do nosso corpo. As pernas ficariam imóveis, e os pulmões já não seriam capazes de respirar. É pena que não percebamos conscientemente o trabalho dessas obstinadas fibras nervosas. Um arroto ou um peido podem até soar engraçados, mas o movimento por trás deles parece tão filigranado quanto o de uma bailarina.

Como nossos órgãos transportam a comida


Convido agora o leitor a acompanhar o trajeto de um pedaço de torta antes e depois do “pluft”.

Olhos

 Partículas de luz que ricocheteiam no pedaço de torta encontram os nervos ópticos e os ativam. Essa “primeira impressão” é enviada por todo o cérebro para o córtex visual, que fica dentro da cabeça, um pouco abaixo de um rabo de cavalo preso no alto. Ali, o cérebro modela uma imagem a partir dos sinais nervosos – só agora vemos de fato o pedaço de torta. Essa informação saborosa é passada adiante: chega à central do fluxo de saliva, que já nos deixa com água na boca. Ao ver algo gostoso, numa alegria antecipada nosso estômago também despeja sozinho um pouco de ácido gástrico.

 Nariz

 Quando se enfia o dedo no nariz, percebe-se que ele continua na parte superior, mas não se consegue chegar lá. Nesse local ficam os nervos olfativos, que são cobertos por uma camada protetora, feita de muco. Todos os odores que sentimos precisam primeiro ser dissolvidos no muco – do contrário, não chegam aos nervos. Os nervos olfativos são especialistas – para cada um dos inúmeros odores há receptores próprios. Às vezes, passam anos no nariz até finalmente entrarem em ação. É quando, por exemplo, uma única molécula olfativa de lírio-do-vale acopla-se ao receptor que está à sua espera e, orgulhoso, comunica ao cérebro: “Lírio-do-vale!” Em seguida, ele volta a ficar mais uns anos sem ter o que fazer. Aliás, os cães têm uma quantidade inconcebivelmente maior de células olfativas do que os humanos, embora já tenhamos muitas. Para sentir algum cheiro do pedaço da torta, algumas de suas moléculas precisam se deslocar no ar e serem inaladas por nossas narinas quando respiramos. Podem ser substâncias aromáticas feitas de fava de baunilha, moléculas minúsculas do garfo de plástico descartável ou ainda odores abafados de álcool, presente no recheio de rum. Nosso órgão olfativo é um provador de alimentos com larga experiência química. Quanto mais aproximarmos da boca a primeira garfada de torta, mais moléculas soltas do doce afluirão ao nariz. Se nos últimos centímetros percebermos pequenos vestígios de álcool, o braço pode voltar ao ponto de partida, os olhos podem fazer uma nova verificação e a boca perguntar se essa torta contém álcool ou talvez já esteja estragada. A última aprovação é um o.k.: a boca se abre, o garfo entra nela e o balé inicia.

Boca

A boca é uma região de superlativos. O músculo mais forte do nosso corpo é o maxilar, e o mais flexível e estriado é a língua. Juntos, conseguem não apenas triturar com uma força incrível, como também realizar manobras ágeis. Um bom colega no reino dos superlativos é o esmalte dos nossos dentes – feito do material mais duro que uma pessoa é capaz de produzir. Isso também é necessário porque, com nossos maxilares, podemos exercer uma pressão de até oitenta quilogramas em um dente molar. Esse peso corresponde ao de um homem adulto! Quando nossa comida contém algo muito sólido, é como se mandássemos um time de futebol inteiro saltitar ritmadamente sobre ela antes de a engolirmos. Ao mordermos um pedaço de torta, não precisamos da força máxima – nesse caso, bastam algumas meninas de saia de tule e sapatilha. Durante a mastigação, a língua entra em jogo. Ela se comporta como um treinador. Quando pedaços de torta se escondem covardemente, longe do tumulto da mastigação, ela os empurra de volta ao centro das atividades. Se a massa estiver pequena o suficiente, poderá ser engolida. A língua apanha cerca de vinte mililitros de massa da torta e a empurra para o céu da boca, que é como uma cortina de palco para o esôfago. O processo funciona como um interruptor de luz: quando a língua comprime esse ponto, começa o programa de deglutição. A boca é fechada, pois qualquer respiração pode perturbar. Em seguida, a massa da torta é empurrada para baixo, na faringe – entra-se em cena e começa o espetáculo.

Faringe

 O palato mole e o músculo constritor superior da faringe equivalem a duas formações. Eles fecham solenemente as últimas saídas do nariz. Esse movimento é tão forte que é possível ouvi-lo na esquina do corredor: as orelhas percebem um pequeno “plop”. As pregas vestibulares já não podem falar e se fecham. A epiglote eleva-se majestosamente como um regente (é possível senti-la quando se tateia a garganta), e toda a base da boca afunda – agora, uma forte onda comprime o pequeno pedaço de torta sob um estrondoso aplauso de saliva, empurrando-o para o esôfago

Esôfago

Para percorrer esse caminho, a massa da torta precisa de cinco a dez segundos. O esôfago movimenta-se durante a deglutição como uma “ola” no estádio de futebol. Quando a massa chega, o esôfago se amplia e volta a se fechar depois que ela passa. Desse modo, nada pode deslizar de volta. O processo funciona de forma tão automática que conseguimos engolir até plantando bananeira. Desprezando a força da gravidade, nossa torta serpenteia graciosamente pela parte superior do corpo. Os dançarinos de break chamariam esse movimento de the snake ou the worm; já os médicos o chamam de peristáltica propulsora. O primeiro terço do esôfago é cingido por uma musculatura estriada – por isso, ainda percebemos conscientemente o primeiro trecho. O mundo interior e inconsciente começa depois da pequena cavidade que sentimos quando tocamos o topo do osso esterno. A partir desse ponto, o esôfago é feito de musculatura lisa. A extremidade inferior do esôfago é mantida fechada por um músculo anular, que é contagiado pelo movimento de deglutição e se solta por oito alegres segundos. É assim que o esôfago se abre para o estômago e a torta pode desabar nele sem nenhum impedimento. Em seguida, o músculo volta a se fechar, enquanto lá em cima, na faringe, a respiração acontece. O caminho da boca para o estômago é o primeiro ato, que exige a máxima concentração e um bom trabalho em equipe. O sistema nervoso consciente e periférico e o outro, inconsciente e autônomo, precisam trabalhar juntos nesse momento. Essa colaboração tem de ser bem estudada. Quando bebês começamos, ainda no ventre materno, a treinar a deglutição. Engolimos até meio litro de líquido amniótico como teste todos os dias. Se alguma coisa der errado, não chega a ser ruim. Como estamos completamente imersos em líquido, nossos pulmões também estão repletos dele – portanto, não dá para engasgar no sentido clássico.Em nossa vida adulta, engolimos por dia de seiscentas a duas mil vezes. Para tanto, colocamos mais de vinte pares de músculos em funcionamento – e, na maioria das vezes, tudo corre sem nenhuma complicação. Na velhice, engasgamos com mais frequência: os músculos coordenadores nem sempre são muito precisos, o músculo constritor superior da faringe já não é tão pontual ou a maestrina epiglote precisa de uma bengala para se levantar. Nesses momentos, embora bater nas costas seja um recurso bem-intencionado, ele só assusta desnecessariamente a faringe idosa. Antes que o engasgo se transforme em uma catástrofe de tosse, como muitas vezes ocorre, é melhor ir logo a um fonoaudiólogo para manter a tropa da deglutição em atividade

Estômago

O estômago gosta muito mais de movimento do que muitos imaginam. Pouco antes de receber a torta, ele relaxa – tão logo a comida desaba dentro dele, pode expandir-se cada vez mais. Ele abre espaço para todos que querem espaço. Um quilo de torta, com o volume de uma caixa de leite, fica mais confortável em um estômago que funcione como um banco de balanço expansível. Emoções como o medo ou o estresse podem dificultar a expansão da musculatura lisa do estômago, o que faz com que logo nos sintamos satisfeitos ou passemos mal com pequenas porções. Quando a torta chega, as paredes do estômago aceleram seus movimentos como pernas que começam a correr, e – bam! – a comida é empurrada. Em um belo arco, a torta voa contra a parede estomacal, ricocheteia e desaba de volta. Os médicos chamam isso de retropulsão, e os irmãos mais velhos, “vamos ver até onde você consegue voar”. Juntos, o arremesso e o empurrão produzem aquele gorgolejo típico que ouvimos quando colocamos a orelha sobre o ventre (em um pequeno triângulo, no ponto em que os arcos costais convergem à direita e à esquerda). Quando o estômago começa a balançar com muita animação, acaba estimulando todo o tubo digestivo a se movimentar. Então o intestino também faz seu conteúdo avançar, abrindo espaço para coisas novas. Por isso, muitas vezes, depois de comermos muito, precisamos ir logo ao banheiro. No mundo abdominal, um pedaço de torta pode realizar muitas coisas. O estômago vai ficar se balançando com ele por cerca de duas horas. Ao mesmo tempo, tritura cada bocado em partículas minúsculas. Grande parte fica menor que 0,2 milímetro. Essas migalhas, tão reduzidas, já não batem na parede, mas escorregam por um pequeno orifício na extremidade do estômago. Esse orifício é o esfíncter – o porteiro do estômago. Ele vigia a saída do estômago e a entrada do intestino delgado. Carboidratos simples, como base de bolos, arroz ou macarrão, são rapidamente encaminhados ao intestino delgado. Nele são digeridos e em pouco tempo cuidam da subida do açúcar ao sangue. Quanto às proteínas e à gordura, o porteiro as retém claramente por mais tempo no estômago. Um pedaço de bife fica balançando ali por umas boas seis horas antes de chegar ao intestino delgado. Por isso, depois que comemos carne ou fritura muito gordurosa preferimos uma sobremesa doce: o açúcar em nosso sangue não quer esperar tanto tempo pela comida, e a sobremesa já dá uma antecipada. Refeições ricas em carboidratos têm um desempenho mais rápido, mas não mantêm a sensação de saciedade por muito tempo, como as proteínas ou a gordura.

Intestino delgado

 Assim que os primeiros minipedaços chegam ao intestino delgado ocorre a verdadeira digestão. Ao viajar por esse tubo, a massa colorida da torta desaparece quase por completo nas paredes – como Harry Potter na plataforma 9 ¾. O intestino delgado pega a torta com determinação. Fica amassando um ponto, tritura o bolo alimentar em todas as direções, oscila com suas vilosidades dentro dele e, com força, empurra a mistura para a frente. Ao microscópio, o que se vê são minúsculas vilosidades intestinais colaborando. Elas se movem para cima e para baixo como pezinhos batendo. Simplesmente tudo entra em movimento. Pouco importa o que faz nosso intestino delgado; ele segue uma regra básica: prosseguir, ir adiante. Para isso existe o chamado reflexo peristáltico. O descobridor desse mecanismo isolou um pedaço de intestino e nele soprou ar através de um pequeno tubo – sociável, o intestino soprou de volta. Por isso, muitos médicos recomendam alimentos ricos em fibras para estimular a digestão: fibras não digeridas comprimem a parede do intestino, que, atenta, comprime de volta. Essa ginástica intestinal faz com que a comida avance com mais rapidez e permaneça flexível. Se a massa da torta prestasse atenção, talvez até pudesse ouvir o “vupt”. Em nosso intestino delgado há muitas células marca-passo, que liberam pequenos impulsos de corrente. Para nossos músculos intestinais, é como se alguém lhes gritasse “vupt!”... e de novo “vupt!”. Desse modo, o músculo não se desvia, mas se desloca de volta, como se dançasse ao som do baixo na discoteca. Assim, a torta, ou melhor, o que restou dela, é empurrada adiante, diretamente ao seu destino. O intestino delgado é o trecho mais empenhado do nosso tubo digestivo e muito consciencioso em seu trabalho. Apenas em casos nitidamente excepcionais impede que um projeto digestivo avance: no vômito. Nesse sentido, o intestino delgado é muito pragmático. Não investe trabalho no que não nos faz bem. Coisas assim ele manda de volta, sem digestão nem forma definida. Exceto por alguns resquícios, a essa altura a torta já sumiu no sangue. Na verdade, a partir de então, poderíamos acompanhar seu percurso no intestino grosso – mas, nesse caso, perderíamos de vista uma criatura misteriosa, audível e muitas vezes mal compreendida. Seria um pecado! Por isso, ainda vamos nos deter mais um pouco aqui. Após a digestão, no estômago e no intestino delgado permanecem apenas restos grosseiros. Por exemplo, um grão não mastigado de milho, comprimidos resistentes ao suco gástrico, bactérias sobreviventes de algum alimento ou um chiclete engolido por descuido. Nosso intestino delgado adora limpeza. É dessas figuras que, após uma grande refeição, gostam de arrumar logo a cozinha. Se depois de duas horas chegarmos para uma visita, o intestino delgado estará um brinco, quase sem cheiro nenhum. Uma hora depois de ter digerido alguma coisa, o intestino delgado começa a se limpar. Nos manuais de medicina, esse processo é chamado de “complexo motor migratório”. Nele, o porteiro do estômago coopera abrindo os portões e varrendo seus restos para o intestino delgado. Por sua vez, este assume a empreitada e produz fortes ondas, que vão empurrando tudo para a frente. Ao se observar o processo através de uma câmera, a comoção é tão inevitável que até mesmo cientistas insensíveis designam o complexo motor como uma pequena arrumadeira (housekeeper). Todo o mundo já ouviu sua própria arrumadeira alguma vez na vida: é o resmungo que vem não apenas do estômago, mas sobretudo do intestino delgado. Resmungamos não porque estamos com fome, mas porque só há tempo para a faxina no meio da digestão! Quando o estômago e o intestino delgado estão vazios, o caminho fica livre para a arrumadeira pôr mãos à obra. Quando a digestão for de um bife que fica chacoalhando sem pressa, a arrumadeira precisa esperar muito até finalmente poder começar seu trabalho. Somente após seis horas no estômago e cerca de cinco no intestino delgado é que a limpeza do que restou do bife pode ser feita. Nem sempre ouvimos o barulho da faxina. Dependendo de quanto ar tiver chegado ao estômago e ao intestino, às vezes ela é barulhenta, outras, silenciosa. Quando se come alguma coisa nesse meiotempo, a ação de limpeza é imediatamente interrompida. Afinal, a digestão deve ser feita com tranquilidade, e não varrida por completo. Portanto, quem está sempre beliscando deixa pouco tempo para a faxina. Essa observação contribui para que muitos nutricionistas recomendem cinco horas de intervalo entre as refeições. Contudo, não está comprovado se cada pessoa precisa exatamente de cinco horas. Quem mastiga direito deixa menos trabalho para sua arrumadeira e pode ouvir a própria barriga na refeição seguinte.

Intestino grosso

Ao final do intestino delgado encontra-se a chamada válvula ileocecal, que separa o intestino delgado do intestino grosso, pois ambos têm perspectivas de trabalho bastante diferentes. O intestino grosso é um camarada sossegado. Seu lema não é necessariamente “Sempre avante!” – às vezes ele também move os restos de comida para trás, depois de novo para a frente, do jeito que melhor lhe parecer. Com ele não há arrumadeiras migratórias. O intestino grosso é a pátria tranquila para nossa flora intestinal. Quando algo não digerido é varrido para ele, é justamente a flora intestinal que se ocupa do caso. Nosso intestino grosso trabalha sem pressa, pois tem de prestar atenção em vários envolvidos no processo: nosso cérebro não quer ir toda hora ao banheiro; nossas bactérias intestinais querem ter tempo suficiente para receber alimentos não digeridos; e o restante do corpo quer de volta os fluidos digestivos que emprestou. O que chega ao intestino grosso já não lembra um pedaço de torta – nem deveria. Da torta talvez tenham restado ainda algumas fibras da cereja em cima do chantili. O restante são sucos digestivos que serão reabsorvidos no local. Quando sentimos muito medo, nosso cérebro assusta o intestino grosso, que já não terá tempo para reabsorver os fluidos. O resultado é a diarreia. Embora o intestino grosso (tal como o delgado) seja um tubo liso, nas ilustrações ele sempre é representado como uma espécie de colar de pérolas. De onde vem isso? De fato, essa é sua aparência quando o abdômen é aberto. Mas isso só acontece porque ele volta a dançar em câmera lenta. Exatamente como o intestino delgado, ao amassar o bolo alimentar ele forma pregas para melhor retê-lo. Só que permanece um bom tempo nessa pose, sem se mexer. É como um artista de rua, que fica imóvel em uma posição de pantomima. Nesse meiotempo, ele se solta brevemente e, em outro local, forma novas pregas, nas quais volta a ficar imóvel por um longo tempo. Por isso, os manuais acabam ficando com a versão do colar de pérolas... Quem envesgar na hora de tirar a foto da classe também vai aparecer vesgo na imagem. O intestino grosso se recompõe de três a quatro vezes ao dia e, com verdadeira motivação, empurra o bolo alimentar concentrado para a frente. Quem lhe oferece massa suficiente chega a ir de três a quatro vezes por dia ao banheiro. Na maioria das pessoas, o conteúdo do intestino grosso é suficiente para uma ida diária. Do ponto de vista estatístico, três vezes por semana ainda é visto como uma frequência saudável. O intestino grosso das mulheres costuma ser um pouco mais lento do que o dos homens. A medicina ainda não sabe por quê – seja como for, os hormônios não são a principal razão. Do garfo com o pedaço de torta às fezes passa-se, em média, um dia. Intestinos rápidos fazem o serviço em oito horas; os mais lentos, em três dias e meio. Com a mistura, alguns pedaços da torta podem deixar o chill lounge do intestino grosso após doze horas, outros, após 42 horas. Enquanto a consistência estiver adequada e não se sentir dor, a pessoa de digestão lenta não deve se preocupar. Já quem pertence à fração dos que “vão uma vez ao dia ou mais raramente ao banheiro”, ou ainda que tendem a sofrer de prisão de ventre de vez em quando, têm um risco menor de adquirir determinadas doenças no reto, segundo um estudo holandês. Segundo o lema do intestino grosso, é na tranquilidade que repousa a força.

Eructação ácida

O estômago também pode dar suas tropeçadas. Sua musculatura lisa pode conter tantos defeitos quanto a musculatura estriada das pernas. Além disso, quando algo como o ácido gástrico alcança lugares que não estão preparados para recebê-lo, ele queima. Na eructação ácida, o ácido gástrico e as enzimas digestivas chegam até a faringe; na azia, atingem apenas até o início do esôfago, causando queimação no tórax. A causa da eructação não é diferente da causa do tropeço: os nervos. Eles regulam a musculatura. Quando os nervos ópticos não percebem um degrau, os nervos da perna são mal informados, nossas pernas se movimentam como se não houvesse nenhum obstáculo. Resultado: tropeçamos. Quando nossos nervos digestivos recebem informações erradas, não retêm o ácido gástrico e permitem que façam o percurso contrário. A passagem do esôfago para o estômago é um local suscetível a esse tipo de tropeço – apesar das medidas de precaução (“esôfago estreito, sede fixa no diafragma e curva para o estômago”), às vezes as coisas saem errado. Cerca de um quarto dos alemães sente dor no local. De todo modo, não se trata de um fenômeno novo: povos nômades que ainda hoje vivem como há centenas de anos também apontam altas taxas de azia e eructação. Eis o ponto crucial: na região do esôfago e do estômago, existem dois sistemas nervosos diferentes que precisam trabalhar em estreita colaboração – o sistema nervoso cerebral e o do tubo digestivo. Os nervos do cérebro regulam, por exemplo, o esfíncter entre o esôfago e o estômago. Além disso, o cérebro exerce influência sobre a formação do ácido. Os nervos do tubo digestivo cuidam para que o esôfago se mova para baixo, em ondas harmônicas, como uma ola, e sempre fique limpinho com os milhares de deglutições de saliva por dia. Dicas práticas contra a azia e a eructação fazem com que esses dois sistemas nervosos retornem ao caminho correto. Mascar chiclete ou beber chá auxiliam o tubo digestivo na medida em que as várias e pequenas deglutições mostram aos nervos a direção correta a ser tomada: o estômago, e não o caminho inverso. Técnicas de relaxamento fazem com que o cérebro envie os comandos nervosos com menos agitação. No melhor dos casos, o resultado é um fechamento constante do esfíncter e menos formação de ácido. O cigarro ativa áreas do cérebro que também são estimuladas durante a refeição. Assim, embora o indivíduo sinta-se bem, acaba produzindo mais ácido gástrico sem uma real necessidade e relaxando o esfíncter do esôfago. Por isso, muitas vezes, parar de fumar alivia a eructação desagradável e a azia. Os hormônios da gravidez também podem desencadear alguma confusão. Na verdade, devem manter o útero relaxado e confortável até o parto. Contudo, também produzem esse efeito no esfíncter do esôfago. A consequência é um fechamento mais frouxo do estômago, que, com a pressão exercida no baixoventre protuberante, faz com que o ácido flua para cima. Quem faz uso de contraceptivo com hormônios femininos pode sofrer com mais frequência de eructação ácida como efeito colateral. Seja por causa do cigarro, seja pelos hormônios da gestação, nossos nervos não são cabos elétricos completamente isolados. São organicamente entremeados em nosso tecido e reagem a todas as substâncias ao seu redor. Por isso, alguns médicos recomendam que se renuncie a vários alimentos que diminuem a força do esfíncter: chocolate, temperos apimentados, álcool, alimentos com alto teor de açúcar, café, e assim por diante. Todas essas substâncias influem em nossos nervos, que não desencadeiam, necessariamente, um tropeço ácido em todas as pessoas. Modelos da pesquisa americana recomendam que se faça um teste para descobrir a quais alimentos os nervos reagem com sensibilidade. Assim, não é preciso renunciar desnecessariamente a tudo. Há uma interessante relação, descoberta através de um medicamento, que, por causa de seus efeitos colaterais, nunca teve seu uso autorizado. Esse medicamento bloqueia os nervos em um ponto em que, em geral, o glutamato se une aos nervos. A maioria das pessoas conhece o glutamato como um realçador de sabor. No entanto, ele também é liberado por nossos nervos. Nos nervos da língua, o glutamato provoca uma intensificação dos sinais de sabor. No estômago, pode causar confusão, pois os nervos não sabem, necessariamente, se o glutamato vem do seu colega ou do restaurante chinês. Por isso, de acordo com a ideia de fazer as próprias experiências, é melhor renunciar a alimentos ricos em glutamato por um tempo. Para tanto, é preciso levar os óculos de leitura ao supermercado e dar uma olhada nas minúsculas letrinhas da lista de ingredientes dos produtos. Muitas vezes, o glutamato também se esconde em crípticas construções de palavras, como glutamato monossódico ou algo semelhante. Quando se percebe alguma melhora, tudo bem. Quando não, pelo menos se passou um tempo vivendo de maneira mais saudável. Quem sofre de eructação ácida menos de uma vez por semana pode recorrer a recursos mais simples: antiácidos vendidos nas farmácias funcionam; o suco de batata também ajuda como remédio caseiro. Contudo, a longo prazo, neutralizar o ácido não é uma solução nada boa! O ácido gástrico também corrói os alérgenos e bactérias ruins dos alimentos ou ajuda na digestão das proteínas. Além disso, alguns medicamentos antiácidos podem conter alumínio, que é uma substância muito estranha para o nosso corpo – ou seja, nunca se deve ingeri-la em excesso, e sim seguir rigorosamente as prescrições da bula. No máximo após quatro semanas deve-se usar de certo ceticismo ao lidar com os antiácidos. Quem não ouvir esse conselho logo ficará conhecendo um estômago obstinado, que vai exigir seu ácido de volta. Nesse caso, nosso estômago simplesmente produzirá ácido extra – primeiro para atenuar o medicamento e, além disso, para finalmente voltar a ser ácido. Antiácidos nunca são soluções a longo prazo – tampouco em outros fenômenos de acidez, como a gastrite. Portanto, se apesar dos antiácidos o paciente continuar a sentir dor, o médico terá de ser mais criativo, pedindo um hemograma e realizando um exame físico. Se os resultados forem normais, pode recomendar algum inibidor de acidez. Esse tipo de substância impede que as células do estômago bombeiem apenas ácido no órgão. Talvez o ácido lhe falte apenas em um lugar ou outro, mas, nesses casos, é preciso proporcionar uma nova calmaria ao estômago e ao esôfago, para que possam se recuperar dos ataques ácidos. Quando os problemas surgem à noite, uma boa solução é deitar-se com uma elevação de 30°. Pode até ser divertido fazer uma bricolagem noturna, uma espécie de construção com esquadro e travesseiros. Mas também já existem travesseiros desse tipo no comércio especializado. Além disso, deitar o tronco com uma elevação de 30° é excelente para o sistema cardiovascular. Foi o que disse meu professor de fisiologia umas trinta vezes – e, como ele também é pesquisador do sistema cardiovascular e raramente se repete, acredito nele. Ao mesmo tempo, isso me levou a imaginá-lo dormindo em ângulo de 30° sempre que seu nome é mencionado. Em hipótese alguma devem-se negligenciar os sintomas de alarme, como dor para engolir, perda de peso, inchaços ou algum tipo de sangramento. Nesse caso, é urgente realizar uma endoscopia para examinar o estômago – independentemente de se achar o exame desagradável ou não. O verdadeiro risco na eructação nem é o ácido que queima, mas a bile que é lançada do intestino delgado através do estômago e atinge o esôfago. A bile não queima, mas tem consequências muito mais traiçoeiras do que o ácido. De todas as pessoas que sofrem de eructação ácida, felizmente são muito poucas as que têm refluxo da bile. Ela pode confundir em grande medida as células do esôfago, que, de repente, já não se sentem seguras: “Será que estou mesmo no esôfago? E essa bile que não para de chegar? Talvez eu seja uma célula do intestino delgado e passei todos esses anos sem perceber... que vergonha!” Na verdade, essas células só querem fazer seu trabalho corretamente e se transformam de células do esôfago em células gastrintestinais. Isso pode causar problemas. Células mutantes podem se programar da maneira errada e parar de crescer de modo controlado como as outras. De todas as pessoas que tropeçam, apenas uma pequena porcentagem se machuca para valer. Na maioria dos casos, a eructação e a azia são e permanecem inofensivas, mas não deixam de ser tropeços incômodos. Assim como ajeitamos a roupa, neutralizamos o susto com um abano de cabeça e continuamos a caminhar com moderação depois de tropeçar, podemos nos comportar de modo semelhante com a eructação – alguns goles de água para colocar a região em ordem e neutralizar o ácido e, em seguida, de preferência, continuar a caminhar com um pouco mais de tranquilidade.

Vômito

Se colocássemos lado a lado cem pessoas que estão para vomitar, teríamos como resultado uma imagem bem variada. A pessoa de número 14 está em uma montanha-russa e leva as mãos para o alto; a de número 32 elogia a famosa salada de ovos; a de número 77 segura, incrédula, um teste de gravidez; e a de número 100 acaba de ler em uma bula que “pode provocar enjoo e vômitos”. Vomitar não é um tropeço. Acontece segundo um planejamento preciso. É uma obra magistral. Milhões de pequenos receptores testam o conteúdo de nosso estômago, examinam nosso sangue e assimilam as impressões cerebrais. Cada informação é reunida na gigantesca rede de fibras nervosas e enviada para o cérebro, que pode então considerar o que acabou de receber. Dependendo do alarme geral que é soado, toma-se a decisão: vomitar ou não. A ordem é transmitida pelo cérebro a músculos selecionados, que se colocarão ao trabalho. Se tirássemos uma radiografia das mesmas cem pessoas enquanto vomitam, obteríamos cem vezes a mesma imagem: o cérebro alertado ativa sua região responsável pelo enjoo e coloca os interruptores do corpo em estado de emergência. Ficamos pálidos porque o sangue é retirado da face e enviado para o abdômen. Nossa pressão sanguínea despenca, e os batimentos cardíacos tornam-se mais lentos. Por fim, vem o anúncio quase certo: a saliva, que é formada em grande quantidade pela boca, tão logo o cérebro a informa da situação atual das coisas. Desse modo, os preciosos dentes são protegidos do ácido gástrico. Em primeiro lugar, movimentam-se, então, o estômago e o intestino em pequenas ondas nervosas. Um pouco em pânico, vão empurrando seu conteúdo em direções totalmente opostas. Não conseguimos sentir essa remada em marcha a ré porque ela ocorre na área inconsciente da musculatura lisa. Contudo, justamente nesse momento, muitas pessoas percebem de modo intuitivo que precisam buscar um recipiente. Um estômago vazio não ajuda a prevenir o vômito, pois o intestino delgado pode muito bem esvaziar-se de seu conteúdo. Para tanto, o estômago abre propositalmente suas portas e permite que o conteúdo saia do intestino delgado. Em um projeto tão grande como esse, todos trabalham juntos. Quando o intestino delgado começa de repente a pressionar o estômago com seu conteúdo, essa pressão pode estimular nervos gástricos sensíveis. E então esses nervos enviam sinais para o centro do vômito no cérebro. Agora já não resta dúvida: é para vomitar mesmo... Os pulmões respiram fundo, as vias respiratórias são fechadas. O estômago e a abertura para o esôfago são repentinamente afrouxados e – paft! – o diafragma e a musculatura da parede abdominal exercem juntos uma pressão intermitente, de baixo para cima, como se fôssemos um tubo de pasta de dente. Todo o conteúdo do estômago é pressionado para sair. Com impulso, para fora, já!

Por que vomitamos e o que podemos fazer para evitar o vômito


Seres humanos e animais são feitos de modo que possam vomitar. Entre nossos colegas com essa capacidade estão os macacos, os cães, os gatos, os porcos, os peixes e as aves. Em contrapartida, os camundongos, os ratos, os porquinhos-da-índia, os coelhos ou os cavalos são incapazes de pôr tudo para fora, pois têm um esôfago muito longo e estreito. Além disso, faltam-lhes os nervos que possibilitam essa capacidade. Animais que não conseguem vomitar precisam se comportar de modo diferente ao se alimentarem. Os ratos e os camundongos “experimentam” a comida. Mordiscam minúsculos pedaços, à guisa de teste, e só continuam a comer se a primeira amostra não lhes fizer mal. Se estiver envenenada, na maioria das vezes só vão ficar bastante enjoados. Além disso, aprendem a não comer mais daquele alimento. Os roedores ainda são capazes de decompor melhor substâncias tóxicas, pois seu fígado possui mais enzimas para isso. Os cavalos, por sua vez, não conseguem experimentar a comida. Quando algo ruim chega a seu intestino delgado, geralmente acabam correndo risco de vida. No fundo, podemos ficar muito orgulhosos quando “chamamos o Hugo”, curvados sobre um vaso sanitário. Entre um jato de vômito e outro, podemos aproveitar as breves pausas para refletir. Para nossa surpresa, a famosa salada de ovos do número 32 manteve-se bem preservada ao voltar de seu rápido passeio à região gástrica. Alguns fragmentos de ovo, ervilha e macarrão são claramente reconhecíveis. O número 32 pensa, desiludido: “Puxa, devo ter mastigado muito mal!” Logo em seguida, a próxima torrente oferece um arranjo mais fragmentado. Quando nosso vômito contém pedaços reconhecíveis, muito provavelmente vem do estômago, e não do intestino delgado. Quanto mais fino, amargo ou amarelado, maior a probabilidade de se tratar de um “cartão-postal” do intestino delgado. De fato, a comida facilmente reconhecível foi mal mastigada, mas, pelo menos, foi logo catapultada para fora do estômago, sem ter chegado ao intestino delgado.
O modo de vomitar também nos revela alguma coisa. Se vem de repente, quase sem aviso prévio e sai em uma torrente intensa, representa um vírus gastrintestinal. Primeiro, os cuidadosos sensores contam o número de patógenos encontrados. Se perceberem que a quantidade está ficando alta – opa! Isso aqui já está ficando demais! –, puxam o freio de mão. Antes desse limiar, supõe-se que o sistema imunológico ainda tenha conseguido se ocupar do problema, mas agora a bola é passada para os músculos gastrintestinais. Em intoxicações por ingestão de comida estragada ou álcool, o vômito vem em forma de torrente, mas age de modo justo e, pouco antes, se anuncia causando enjoo. Este serve para nos ensinar que esse tipo de comida nos faz mal. No futuro, a pessoa de número 32 não se sentirá nem um pouco confiante para encarar outra travessa com salada de ovos. A de número 14, da montanha-russa, sente-se tão mal quanto a de número 32. O vômito na montanha-russa funciona segundo o princípio do “enjoo de viagem”. Não há nada tóxico em jogo, e mesmo assim o vômito vai parar nos pés, no porta-luvas ou voa com o vento para o para-brisa traseiro. Nosso cérebro vigia nosso corpo – com o máximo cuidado e controle –, sobretudo quando somos crianças. Atualmente, a explicação mais fundamentada para o “vômito de estrada” diz o seguinte: quando as informações dos olhos divergem muito das informações das orelhas, o cérebro já não sabe o que há de errado e faz todos os registros de emergência. Quando lemos no carro ou no ônibus, os olhos relatam “pouquíssimo movimento”, e o sensor do equilíbrio nas orelhas diz: “Muito movimento.” O contrário se dá quando acompanhamos a sucessão de troncos de árvores de um bosque à beira da estrada. Se ao mesmo tempo mexermos ligeiramente a cabeça, teremos a impressão de que os troncos se locomovem com mais rapidez do que estamos nos locomovendo na realidade – e, mais uma vez, nosso cérebro fica confuso. Na verdade, nosso cérebro só conhece essas contradições entre os olhos e o senso de equilíbrio em casos de intoxicação. Quem ingeriu muito álcool ou consumiu muitas drogas tem a sensação de estar em movimento, embora esteja sentado, quietinho. Emoções fortes, como sobrecarga psíquica, estresse ou medo, também podem provocar vômitos. Normalmente, todas as manhãs produzimos o hormônio do estresse CRF (Corticotropin Releasing Factor [fator liberador da corticotrofina]) e, assim, como que estofamos nosso corpo a fim de armá-lo para as exigências do dia. O CRF também faz com que possamos obter reservas de energia, com que o sistema imunológico não reaja em excesso ou com que nossa pele se proteja da sobrecarga de luz solar ficando bronzeada. Se uma situação se mostrar excepcionalmente intensa, o cérebro pode injetar uma dose extra de CRF no sangue. Contudo, o CRF é formado não apenas nas células cerebrais, mas também nas gastrintestinais. Também nessa região esse sinal significa estresse e ameaça. Quando as células gastrintestinais percebem elevadas quantidades de CRF, para elas pouco importa de onde vem o sinal (se do cérebro ou do intestino); só a informação de que um dos dois está achando o mundo extremado demais já basta para reagir com diarreia, enjoo ou vômito. No estresse cerebral, o vômito transporta o bolo alimentar para fora, a fim de poupar a energia da digestão. Posteriormente, essa energia poderá servir para que o cérebro resolva seus problemas. No estresse intestinal, o bolo alimentar é expelido por ser tóxico ou porque o intestino ainda não está em condições de digeri-lo corretamente. Em ambos os casos, pode ser uma vantagem esvaziarse. Afinal, esse não é o momento de uma digestão agradável. Pessoas que vomitam por nervosismo possuem um tubo digestivo atento e que procura ajudar. De resto, o vômito também serve ao albatroz como técnica de defesa. Quem vomita costuma ser deixado em paz por outros animais. Os pesquisadores utilizam essa circunstância para se aproximarem de seu ninho segurando pequenos sacos, nos quais as aves vomitam sem errar o alvo. Em seguida, no laboratório, examina-se o conteúdo do estômago a fim de fazer um levantamento dos metais pesados e da variedade de peixes consumidos e para concluir quão saudável é o meio ambiente em que essas aves vivem. Seguem algumas dicas de como acessos desnecessários de vômito podem ser minimizados:

1. Em caso de enjoo durante uma viagem: olhar para longe, no horizonte – assim, consegue-se sincronizar melhor a informação dos olhos com a do órgão do equilíbrio.

 2. Ouvir música com fone de ouvido, deitar-se de lado ou experimentar técnicas de relaxamento ajudam algumas pessoas. Uma possível explicação para isso é o efeito tranquilizante dessas medidas. Quanto mais seguros nos sentimos, menos favorecemos a disposição do cérebro para alarmar-se.

3. Gengibre: nesse meio-tempo, um conjunto de estudos comprovou que o gengibre tem um efeito benéfico. Substâncias de sua raiz bloqueiam o centro do vômito e, por conseguinte, a ânsia de vômito. Contudo, seja em balas ou alimentos semelhantes, o gengibre deve estar presente não apenas como flavorizantes, mas também em sua forma natural.

 4. Medicamentos contra o vômito, vendidos em farmácias, podem funcionar de diversas maneiras: bloqueando receptores no centro do vômito (mesmo modo de atuação do gengibre), anestesiando os nervos do estômago e do intestino ou reprimindo determinados sinais de alarme. Os medicamentos para reprimir esses sinais são quase idênticos aos antialérgicos. Ambos reprimem a substância de alarme chamada histamina. No entanto, os medicamentos contra enjoo podem atuar no cérebro de maneira muito mais intensa. Nos últimos tempos, os antialérgicos modernos foram tão aperfeiçoados e melhorados que dificilmente se acoplam ao cérebro, onde a repressão da histamina causa cansaço.

5. P6! Este é um ponto de acupuntura que acabou sendo reconhecido pela medicina acadêmica por ter demonstrado um bom efeito contra o enjoo e o vômito em mais de quarenta estudos – também em comparação com placebos. Não sabemos como nem por quê, mas o fato é que o P6 funciona. Esse ponto encontra-se de dois a três dedos abaixo do pulso, exatamente entre os dois tendões salientes do antebraço. Se não houver nenhum acupunturista por perto no momento do mal-estar, pode-se simplesmente tentar massagear levemente o ponto, até sentir uma melhora. Embora isso não seja comprovado com os estudos correspondentes, eventualmente pode ser uma experiência pessoal compensadora. Segundo a tradicional medicina chinesa, esse ponto ativa vias de energia que passam pelo coração através dos braços, relaxam o diafragma e chegam ao estômago ou, mais adiante, até a pelve.

Nem todas as dicas funcionam com todos os desencadeadores de ânsia de vômito. Remedinhos como gengibre, artigos de farmácia ou P6 podem fazer bem – no caso de vômito emocional, geralmente é útil quando se constrói um ninho seguro para o próprio albatroz interno. Através de técnicas de relaxamento ou hipnoterapia (com um autêntico hipnoterapeuta, e não com um hipnotizador qualquer!), é possível treinar os próprios nervos para adquirir mais resistência. Quanto maior a frequência e o período de treino, melhor é o efeito – a monotonia e o estresse sofrido no escritório ou nos exames podem ser menos ameaçadores para nós se não permitirmos que se aproximem tanto. Vomitar nunca é uma punição do abdômen! Ao contrário, é um sinal de que o cérebro e o intestino se sacrificam até o limite por nós. Protegem-nos do veneno imperceptível no alimento, são extremamente cautelosos em casos de alucinações visuais e auditivas ou poupam energia para solucionar problemas. O enjoo deve servir-nos de bússola para o futuro: o que é bom para nós? O que não é? Se por um lado não sabemos exatamente de onde vem a ânsia de vômito, por outro agimos bem ao confiar nela. É o que acontece quando ingerimos algo ruim, mas não conseguimos vomitar. Nesse caso, não se deve fazer nenhuma tentativa artificial para provocar o vômito – seja colocando o dedo na garganta, ingerindo água salgada ou fazendo lavagem estomacal. Ao se engolirem substâncias químicas ácidas ou efervescentes, o tiro pode sair pela culatra. Substâncias efervescentes podem ir parar nos pulmões, e as ácidas teriam a ocasião de ferir o esôfago pela segunda vez. Por isso, o chamado vômito forçado foi amplamente abolido na medicina emergencial desde o final dos anos 1990. A verdadeira ânsia de vômito provém de um programa milenar, cuja competência é tirar as rédeas das mãos da consciência. Às vezes, nossa consciência fica indignada e até chocada com essa perceptível privação de poder. Na verdade, ela preferiria tomar uma tequila com um grupo animado de amigos, mas acaba deparando com isso! Porém, como geralmente só nos metemos nessa enrascada por irritação, depois também é preciso agir com moderação. Se o vômito ocorre por um cuidado excessivo e desnecessário, certamente a consciência também pode voltar à mesa de negociação para descarregar seu curinga antivômito.

Constipação

Constipação é como . Espera-se alguma coisa que simplesmente não . E, muitas vezes, para que venha, ainda é preciso fazer muita força. Com todo esse esforço, recebe-se apenas uns •••. Ou então funciona, mas muito raramente. De 10% a 20% dos alemães sofrem de constipação. Quem quiser fazer parte desse grupo deve preencher, no mínimo, duas das seguintes condições: evacuar menos de três vezes por semana; ter um quarto das evacuações com fezes muito duras, frequentemente em pequenas porções redondas (•••), expelidas com força e apenas com o auxílio de remedinhos e truques; não se sentir completamente esvaziado depois de sair do banheiro. Nas constipações, os nervos e os músculos do intestino já não trabalham tão focados em um objetivo. Na maioria das vezes, a digestão e o transporte ainda funcionam com velocidade normal, só bem no final do intestino grosso é que já não se chega a um acordo se o bolo deve sair logo ou não. Um parâmetro muito melhor para os casos de constipação não é a frequência com que se vai ao banheiro, e sim a dificuldade de visitá-lo. Na verdade, o tempo que passamos sentados no trono deveria ser bem tranquilo – quando não é assim, o desconforto pode ser grande. Há diferentes níveis de constipação: as passageiras, que ocorrem nas viagens, as que nos afetam quando estamos doentes ou passando por fases de estresse, mas também as obstinadas, que tendem a se transformar em um problema duradouro. Quase metade das pessoas já sofreu constipações em viagens. Sobretudo nos primeiros dias, não se conseguem grandes progressos. As razões podem ser diversas, mas geralmente chega-se a uma: o intestino é escravo dos próprios hábitos. Os nervos intestinais percebem, por exemplo, o que gostamos de comer e em que horários. Sabem quanto nos movimentamos e quanta água bebemos. Percebem quando é dia e noite e quando vamos ao banheiro. Quando tudo está correndo bem, eles trabalham bem-dispostos e ativam os músculos intestinais para a digestão. Quando saímos, pensamos em muitas coisas: levamos nossas chaves, desligamos o gás e pegamos um livro para manter nosso cérebro de bom humor. Só uma coisa esquecemos quase sempre: nosso intestino, escravo dos próprios hábitos, vai conosco e, de repente, é completamente deixado para escanteio.

Passa o dia recebendo sanduíche empacotado, comida esquisita de avião ou temperos desconhecidos. Na hora que deveria ser dedicada ao almoço, estamos parados no trânsito ou no balcão para comprar passagem. Não bebemos a mesma quantidade de líquido a que estamos habituados por medo de ter de ir várias vezes ao banheiro, e, ainda por cima, o ar do avião nos resseca. Como se isso não bastasse, trocamos o dia pela noite com um belo jetlag. Os nervos do intestino percebem essa situação excepcional. Ficam confusos e, em um primeiro momento, cessam suas atividades até receberem o sinal de que podem continuá-las. Mesmo que o intestino tenha feito seu trabalho depois de um dia tão confuso e seja bem-sucedido ao anunciar seu funcionamento, muitas vezes continuamos sentados onde estamos e simplesmente o reprimimos, pois sua manifestação não veio em boa hora. Para sermos francos, muitas vezes trata-se apenas da síndrome “não faço o número 2 fora de casa”. Quem sofre disso não gosta de intimidades com banheiros estranhos. Pior ainda se forem públicos. Geralmente só são procurados com uma porção extra de estímulo, não sem neles se construir um dispendioso “trono escultural” de papel higiênico e se manter dez metros de distância do vaso sanitário. No entanto, quando a síndrome “não faço o número 2 fora de casa” é grave, nem isso adianta. Não conseguimos relaxar o suficiente para cumprir o trabalho do nosso escravo dos próprios hábitos. Com isso, a viagem de férias ou de negócios pode se tornar bastante desagradável. Com pequenos truques, as pessoas com fases curtas ou tênues de constipação podem reanimar seu intestino de forma que ele perca o medo e volte ao trabalho:

1. Existe um alimento que dá um leve empurrão na parede do intestino, motivando-o a trabalhar: as fibras. Como não são digeridas no intestino delgado, podem bater amigavelmente nas paredes do intestino grosso e dizer que alguém quer ser transportado adiante. Os melhores resultados são obtidos com as cascas da semente de plantago ovata e com as ameixas, cujo sabor é mais agradável. Ambas contêm não apenas fibras, mas também agentes que puxam mais líquido para o intestino, tornando o conjunto mais maleável. São necessários cerca de dois a três dias para que se perceba o efeito completo. Desse modo, dependendo de como a pessoa se sente mais segura, pode começar a ingeri-las um dia antes da viagem ou no primeiro dia de férias. Caso a mala não tenha um compartimento para as ameixas, também vale comprar fibras em forma de comprimidos ou em pó nas farmácias ou drogarias. Trinta gramas do produto não pesarão muito na mala, e uma quantidade dessas por dia já é mais do que suficiente. Quem quiser mais informações precisa saber do seguinte: as fibras que não se dissolvem em água promovem movimentos mais intensos, mas com frequência também causam dores abdominais. Fibras solúveis em água não são tão fortes ao estimularem os movimentos, mas tornam o bolo alimentar mais flexível e são mais toleráveis. A natureza é muito hábil ao planejar tudo isso: as cascas de vegetais costumam conter grandes quantidades de fibras insolúveis, enquanto as de frutas contêm mais componentes solúveis. As fibras ajudam pouco quando não ingerimos uma quantidade suficiente de líquido: sem água, não passam de torrões sólidos. Com água, transformam-se em bolas e fazem com que a musculatura entediada do intestino tenha o que fazer enquanto o cérebro assiste a filmes na tela do avião.

 2. Só deve beber muito líquido quem realmente precisa de água. Quem já bebe o suficiente não melhora nada bebendo mais. No entanto, se houver pouco líquido no corpo, a situação é outra: o intestino puxa mais água do bolo alimentar. Por sua vez, isso endurece as fezes. Crianças pequenas costumam evaporar muita água quando estão com febre alta, o que provoca a interrupção da digestão. Quem passa muito tempo sentado dentro de um avião também perde muito líquido. Não é preciso suar muito para perdê-lo, basta que o ar do ambiente seja muito seco para absorver nossa água de maneira totalmente imperceptível. Às vezes só percebemos isso quando nosso nariz resseca. Nesses casos, seria aconselhável tentar beber mais líquido do que de costume, a fim de alcançar o nível normal.

3. Não se reprima. Quando bater a vontade de ir ao banheiro, deve-se realmente atendê-la. Sobretudo quando o intestino está acostumado com um horário. Quem sempre vai ao banheiro de manhã e nas viagens reprime a vontade no mesmo horário acaba ferindo um acordo tácito. O intestino só quer cumprir seu trabalho conforme o planejado. Mesmo quando se manda apenas algumas vezes seguidas a matéria fecal de volta para a fila de espera, com isso se treinam os nervos e os músculos a trabalharem na direção contrária. Como resultado, pode ficar cada vez mais difícil inverter a direção de novo. Além disso, na fila de espera há mais tempo para a extração de água, o que pode enrijecer ainda mais as fezes. Reprimir a evacuação pode levar a alguns dias de constipação. Portanto, quem ainda tem uma semana de férias no camping deve superar o medo de fazer suas necessidades em um buraco no chão antes que seja tarde demais.

 4. Probióticos e prebióticos – bactérias boas e vivas e sua comida preferida podem dar nova vida a um intestino cansado. Sobre o assunto, pode-se fazer uma consulta na farmácia ou neste livro mais adiante.

5. Passeios extras? Não necessariamente dão certo. Se de repente passarmos a nos movimentar menos do que o habitual, o intestino pode ficar mais preguiçoso – quanto a isso não há dúvida. Contudo, se nos exercitarmos como sempre, um passeio a mais ou a menos não causa nenhum nirvana da digestão. Segundo alguns estudos, só esportes de alta intensidade mostram um efeito mensurável sobre o movimento intestinal. Portanto, quem não pretende esgotar as próprias forças – pelo menos no que se refere a uma evacuação bem-sucedida – não precisa, necessariamente, se forçar a nenhuma caminhada

Quem se interessa por coisas não convencionais pode experimentar balançar-se sentado no vaso sanitário, inclinando o tronco para a frente, até as coxas, depois voltando-o para trás, até a posição ereta. Esse exercício funciona quando repetido algumas vezes. O praticante dessa modalidade não precisa se preocupar: no banheiro, não será visto por ninguém e terá um momento só para si – condição perfeita para um experimento tão inabitual.

Se as dicas do dia a dia e o balanço não fizerem efeito: Em casos de constipações mais obstinadas, os nervos do intestino estão não apenas confusos ou emburrados, mas também precisam de um pouco mais de ajuda da nossa parte. Quem já experimentou todas as dicas, mas ainda não saiu assobiando nem saltitando do banheiro, pode vasculhar outra caixa de truques. Contudo, esse recurso é válido apenas para aqueles que conhecem a razão de sua constipação. Quem não sabe direito de onde ela vem tampouco conseguirá grandes resultados. É sempre bom consultar um médico quando a constipação ocorre de repente ou dura mais do que o habitual. Talvez ela possa esconder diabetes ou algum problema na tiroide, ou então somos mesmo transportadores lentos desde o nascimento.

Laxantes

Quando se fala em laxantes, o objetivo é claro: evacuar uma boa quantidade de fezes. E daquelas que fazem até o intestino mais tímido perder toda reserva. Há diversos tipos de laxantes, que funcionam de maneiras diferentes. Para os viajantes constipados que já perderam todas as esperanças, os transportadores lentos, os que se recusam a ir ao banheiro no camping ou os que superaram os obstáculos das hemorroidas, vamos agora dar uma olhada nessa caixa de truques

Um monte de fezes por osmose

... são aquelas bem formadas e não muito duras. A osmose é o sentimento de igualdade da água. Quando certa quantidade de água contém mais sal, mais açúcar ou outro elemento semelhante do que outra, a água mais pobre corre para a mais rica. Assim, ambas ficam com o mesmo tanto e vivem em harmonia. O mesmo princípio faz com que a alface murcha volte a ficar fresca. Basta colocá-la por meia hora em uma travessa com água para retirá-la novamente crocante. A água penetra na alface, pois esta contém mais sais, açúcares etc. do que a água pura na travessa. Laxantes osmóticos utilizam essa justiça igualitária. Contêm determinados sais, açúcares ou minúsculas cadeias de moléculas que chegam ao intestino grosso. Pelo caminho, vão captando todo tipo de água, tornando, assim, as fezes tão maleáveis quanto for possível. Caso se exagere na quantidade, muita água é retirada. A diarreia é um sinal certo de que se tomou laxante em excesso. Como os laxantes osmóticos são “captadores de água”, podemos escolher se preferimos tomar açúcares, sais ou cadeias de moléculas. Os sais, como o sal de Glauber, são um tanto fortes para nós. Seu efeito ocorre de maneira muito repentina e, quando consumidos com frequência, bagunçam o metabolismo do sal no nosso corpo. O açúcar laxativo mais conhecido é a lactulose, que, na prática, possui um efeito duplo: além de atrair a água, a lactulose alimenta as bactérias intestinais. Esses pequenos seres podem colaborar, por exemplo, produzindo substâncias emolientes ou motivando a parede intestinal a se movimentar. Contudo, como efeito colateral, justamente isso pode ser desagradável – bactérias erradas ou alimentadas em excesso podem produzir gases, levando a dores abdominais e flatulência. A lactulose é feita a partir da lactose, por exemplo através do alto aquecimento do leite. O leite pasteurizado é rapidamente aquecido e, por isso, contém mais lactulose do que o cru. Por sua vez, o leite ultra-aquecido contém uma quantidade ainda maior do que o pasteurizado, e assim por diante. No entanto, também existem açúcares laxativos não provenientes do leite, como o sorbitol, presentes em algumas variedades de frutas, como nas ameixas, nas peras ou nas maçãs. Esta é uma das razões para a imagem de estimulante digestivo da ameixa e para a advertência de que suco de maçã natural em excesso causa diarreia. Como o ser humano dificilmente absorve o sorbitol e a lactulose no sangue, muitas vezes eles são utilizados como adoçante. O sorbitol, por exemplo, passa a se chamar E420 e, nas pastilhas sem açúcar para tosse, é responsável pela advertência: “O consumo excessivo pode causar diarreia.” Em alguns estudos, o sorbitol tem o mesmo efeito da lactulose, mas, de modo geral, mostra menos efeitos colaterais (como a desagradável flatulência). De todos os laxantes, as pequenas cadeias de moléculas são as mais toleráveis. Recebem o nome que as cadeias de moléculas gostam de ter, como poletilenoglicol ou simplesmente PEG. Não bagunçam tanto o metabolismo do sal no nosso corpo, como fazem os sais, e quase não causam gases, como faz o açúcar. Muitas vezes, o comprimento da cadeia já está contido no próprio nome: o PEG3350 tem tantos átomos de comprimento que sua massa molecular é de 3350. É muito melhor do que o PEG150, pois, nesse caso, as cadeias são tão curtas que, sem querer, poderíamos absorvê-las no intestino. Isso não seria perigoso, mas confuso para o intestino, pois o poletilenoglicol definitivamente não faz parte da nossa dieta. Por isso, cadeias curtas como o PEG150 não existem em laxantes, mas aparecem em cremes para a pele. Neles, exercem uma ocupação que lhes é muito familiar: ajudar a pele a ficar mais macia. É improvável que causem danos, mas a discussão sobre essa questão ainda não foi esgotada. Laxantes como o PEG contêm exclusivamente cadeias indigeríveis e, por isso, podem ser tomados por períodos longos sem nenhum problema. Segundo os estudos mais recentes, não há por que temer alguma dependência ou danos permanentes nesse caso. Os resultados de algumas pesquisas chegam até a sugerir que eles melhoram a barreira de proteção do intestino. Laxantes osmóticos agem não apenas através da umidade, mas também através da massa. Quanto mais umidade, bactérias da flora intestinal bem alimentadas ou cadeias de moléculas se encontrarem no intestino, mais ele será estimulado a se movimentar. Esse é o princípio do reflexo peristáltico.

Um monte de fezes por planador

... soa como um hobby formidável: fezes em voo livre – o parapente do intestino. Robert Chesebrough, inventor da vaselina, confiava cegamente em uma colher diária do produto. Ingeri-la deveria ter efeito semelhante ao de outros planadores de fezes com alto teor de gordura – com uma superdose de gordura indigerível, eles revestem a mercadoria a ser transportada e, assim, ajudam a despachá-la com mais facilidade. Chesebrough chegou aos 96 anos, o que é surpreendente, pois quem consome lubrificantes gordurosos todos os dias acaba perdendo muitas vitaminas lipossolúveis, pois elas são igualmente encapadas e despachadas. Desse modo, surge uma carência que leva a doenças, sobretudo quando o consumo é frequente e excessivo. A vaselina não está entre os planadores oficiais (e, na verdade, não deveria ser ingerida); contudo, os mais conhecidos, como o óleo de parafina, tampouco são soluções mais convincentes a longo prazo. Podem fazer sentido como solução temporária – por exemplo, para pequenas feridas desagradáveis ou hemorroidas no ânus. Nesse caso, é até bom tentar fazer com que as fezes se tornem mais macias, para não sentir dor ao expeli-las ou danificar alguma coisa. Contudo, para esse propósito também são adequadas as fibras que formam gel, vendidas em farmácias e claramente mais toleráveis e inofensivas

Um monte de fezes por hidragogos

 ... é o que se obtém depois de colocar o intestino para funcionar diversas vezes. Esse tipo de laxante é indicado para pessoas que sofrem de constipação e possuem nervos intestinais muito tímidos, que agem com lentidão. Só dá para descobrir se são adequados para nós realizando diversos testes – um deles é engolir bolinhas medicinais, cujo percurso no organismo é fotografado pelo médico através de um aparelho de raios X. Se depois de certo tempo a maioria das bolinhas continuar espalhada em vez de se reunir no ânus, como é esperado, então os hidragogos são recomendados. Os hidragogos se estabelecem em alguns receptores que, curiosamente, distendem o intestino, advertindo-o de que já não deve deixar escapar água do bolo alimentar, e sim buscar mais fora dele. Os músculos que se apressem! Para dizer de maneira grosseira, os transportadores de água e as células nervosas são paus-mandados dos hidragogos, que possuem uma estrutura inteligente. Quando os laxantes osmóticos não são estimulantes nem maleáveis o suficiente, um intestino tímido como esse precisa de mensagens claras. Se tomados no final da tarde, os hidragogos trabalham durante a noite e, no dia seguinte, o intestino reage a eles. Quem tem pressa pode transmitir os comandos dos hidragogos diretamente ao intestino grosso através de mensageiros expressos, como os supositórios. Nesse caso, geralmente a notícia chega em uma hora.

À tropa de comando pertencem não apenas substâncias químicas, mas também vegetais. Aloe vera ou sena funcionam de maneira muito semelhante. Contudo, apresentam efeitos colaterais mais emocionantes – quem quiser tingir o próprio intestino de preto, esta é uma boa ocasião. O tingimento não é nocivo nem definitivo. Alguns cientistas também descreveram alguns danos nervosos devido ao uso excessivo de hidragogos ou aloe vera, que não devem ser muito engraçados se realmente forem desencadeados. Isso porque, em determinado momento, os nervos que foram comandados o tempo todo ficam superexcitados e acabam se retraindo como fazem os caracóis quando tocamos suas antenas. Por isso, em caso de problemas permanentes, não se devem tomar esses medicamentos mais do que a cada dois ou três dias

Um monte de fezes por procinéticos

... é o dernier cri – em duplo sentido. Esses medicamentos só conseguem fortalecer o intestino no que, de certo modo, ele já faz, sem ordenar movimentos indesejados. Em princípio, funcionam como alto-falantes. Para muitos cientistas, é fascinante o fato de que esses medicamentos podem ajudar de modo isolado. Alguns só funcionam junto a um único receptor ou nem chegam a ser absorvidos pela circulação sanguínea. Contudo, o modo de atuação de muitas substâncias ainda está em fase de teste, ou os respectivos medicamentos acabam de chegar ao mercado. Portanto, quem não tem urgência em provar algo novo ficará mais seguro com os medicamentos testados há mais tempo

A regra dos três dias

Muitos médicos prescrevem laxantes sem explicar a regra dos três dias. No entanto, ela é rápida e faz bem: o intestino grosso tem três partes: a ascendente, a horizontal e a descendente. Quando vamos ao banheiro, geralmente esvaziamos a última parte. Até o dia seguinte, ela será preenchida de novo, e a brincadeira volta ao início. Quando tomamos laxantes fortes, pode acontecer de esvaziarmos todo o intestino grosso, ou seja, as três partes. Até ele voltar a receber uma quantidade suficiente de bolo alimentar, pode demorar três dias. Quem não conhece a regra dos três dias vai ficar nervoso nesse período. De novo sem evacuar? Já no terceiro dia? E aí – glup! – mais um comprimido ou medicamento em pó é levado à boca. Esse círculo vicioso é desnecessário. Depois de um laxante, também é preciso dar dois dias de descanso ao intestino. Só se volta a contar a partir do terceiro dia. Quem tem certeza de estar no grupo dos transportadores lentos pode dar uma mãozinha ao intestino depois de dois dias.

Cérebro e intestino

Esta é uma ascídia

Ela pode servir para nos esclarecer sobre a necessidade de um cérebro. Tal como os seres humanos, a ascídia pertence aos cordados. Possui um pouco de cérebro e uma espécie de medula espinhal, através da qual o cérebro envia seus comandos para o corpo e, em contrapartida, dele recebe novidades interessantes. Nos humanos, por exemplo, o cérebro recebe dos olhos a imagem de uma placa de rua; na ascídia, os olhos lhe dizem se um peixe está cruzando seu caminho. Nos humanos, sensores na pele informam a temperatura externa; na ascídia, informam a temperatura da água nas profundezas do oceano. Nos humanos, se o alimento é recomendável; na ascídia... também. Munida dessas informações, a jovem ascídia navega pelo grande oceano, buscando um lugar que lhe agrade. Tão logo encontra uma rocha que lhe pareça segura, com boa temperatura e em um ambiente nutritivo, se estabelece. Aliás, a ascídia é um animal séssil, ou seja, quando se estabelece em algum lugar, dele não sai mais, não importa o que aconteça. A primeira coisa que a ascídia faz em seu novo lar é comer o próprio cérebro. E por que não? Também é possível viver sendo ascídia. Daniel Wolpert, além de ser um engenheiro e médico excelente e versátil, é um cientista que acha a atitude da ascídia muito significativa. Segundo sua tese, a única razão para ter um cérebro é o movimento. Em um primeiro momento, isso parece tão banal que dá até vontade de soltar um grito de indignação. Mas talvez consideremos banais apenas as coisas erradas. O movimento é a realização mais extraordinária dos seres vivos. Não há outra razão para ter músculos, nervos nesses músculos e, supostamente, um cérebro. Todas as alterações na história da humanidade só foram possíveis porque somos capazes de nos movimentar. E movimentar-se não é apenas se locomover ou lançar uma bola; é também manifestar uma expressão facial, articular palavras ou colocar projetos em prática. Nosso cérebro coordena seus sentidos e cria experiência para provocar movimento. Os movimentos da boca, das mãos, ao longo de vários quilômetros ou de poucos milímetros. Às vezes, podemos influir no mundo reprimindo o movimento. Contudo, quando se é uma árvore e não se pode escolher entre duas opções, tampouco se precisa de um cérebro. A ascídia comum já não precisa dele depois que se estabelece em determinado local. O tempo de movimentar-se já passou; portanto, o cérebro é desnecessário. Pensar sem movimento traz menos proveito do que possuir uma boca para absorver o plâncton. Esta qualidade influencia um pouco o equilíbrio do mundo, pelo menos em pequena medida. Nós, seres humanos, temos orgulho de nosso cérebro tão complexo. Refletir sobre leis fundamentais, filosofia, física ou religião indica um alto desempenho e pode desencadear movimentos muito elaborados. É impressionante que nosso cérebro consiga fazer algo do gênero. Porém, com o tempo, nossa admiração ultrapassou os limites. De repente, atribuímos à nossa cabeça toda a nossa vivência – imaginamos que a sensação de bem-estar, a alegria ou a satisfação se deem no cérebro. No caso da insegurança, do medo ou da depressão, sentimonos envergonhados, como se tivéssemos um computador quebrado dentro da cachola. Filosofar ou fazer pesquisa em física é e continua sendo uma questão de cabeça – mas nosso “Eu” é mais do que isso. E quem nos ensina essa lição é justamente o intestino. Um órgão conhecido por produzir montinhos marrons e sons de pum em diferentes variações de trombeta. Na pesquisa atual, é justamente esse órgão que causa uma mudança de pensamento, pois se começa a questionar cuidadosamente a posição de liderança do cérebro. O intestino tem não apenas um incontável número de nervos, mas também, em comparação com o restante do corpo, uma enorme diversidade deles. Possui toda uma frota de diferentes sinais químicos, materiais isolantes dos nervos e tipos de interconexões. Existe apenas um órgão que também possui tamanha versatilidade: o cérebro. Justamente por ser tão grande e de complexidade química semelhante, a rede nervosa do intestino também é chamada de cérebro intestinal. Se o intestino fosse responsável apenas por transportar o alimento e nos fazer arrotar de tempos em tempos, um sistema nervoso tão elaborado como esse seria um estranho desperdício de energia – nenhum corpo construiria essa rede de neurônios para uma simples tubulação de puns. Deve haver mais coisa por trás dele. Na verdade, nós, seres humanos, já sabemos desde tempos imemoriais o que a pesquisa só descobriu aos poucos: nossa intuição tem grande participação em nosso estado. “Sentimos cagaço” ou “nos borramos nas calças” quando estamos com medo. “Pedimos penico” quando já estamos no limite de nossas forças. “Engolimos uma decepção”, temos de “digerir” as derrotas, e uma crítica negativa nos deixa “azedos”. Diante de uma dificuldade, “fazemos das tripas coração” para obtermos algum êxito. Nosso “Eu” compõe-se de cabeça e abdômen – nesse meio-tempo, não apenas no nível linguístico, mas com frequência cada vez maior também no laboratório.

Como o intestino influencia o cérebro

Quando os cientistas investigam os sentimentos, tentam inicialmente medir alguma coisa. Estabelecem uma pontuação conforme a tendência ao suicídio, medem o nível hormonal quando o amor está em jogo ou testam comprimidos contra o medo. Para quem está de fora, muitas vezes isso não parece muito romântico. Em Frankfurt houve até um estudo em que os cientistas realizavam um dispendioso escaneamento do cérebro enquanto uma equipe auxiliar de estudantes fazia cócegas nos genitais do participante do experimento com uma escova de dentes. Através de experimentos como esses, descobre-se a que áreas cerebrais chegam sinais de determinadas regiões do corpo. Isso ajuda a produzir um mapa do cérebro. Nesse meio-tempo, ficamos sabendo que os sinais dos genitais chegam à parte superior e central do cérebro, pouco abaixo da risca dos cabelos. O medo surge no interior do cérebro, por assim dizer, entre as duas orelhas. Outra área, pouco acima das têmporas, é responsável pela formação das palavras. Pensamentos morais surgem atrás da testa, e assim por diante. Para entender melhor a relação entre o intestino e o cérebro, é preciso percorrer suas vias de comunicação e saber como os sinais saem do abdômen e chegam à cabeça e o que nela podem provocar. Sinais que partem do intestino podem chegar a diversas áreas cerebrais, mas não a todas. Nunca chegarão, por exemplo, ao córtex visual, na parte posterior da cabeça. Se fosse assim, veríamos imagens ou efeitos do que acontece no intestino. Contudo, conseguem chegar à ínsula, ao sistema límbico, ao córtex pré-frontal, à amígdala, ao hipocampo ou também ao córtex cingulado anterior. Os neurocientistas vão gritar, ofendidos, se virem as competências dessas regiões resumidas por mim de modo tão grosseiro: autoconsciência, processamento das emoções, moral, sensação de medo, memória e motivação. Isso não significa que nosso intestino conduz nossos pensamentos morais – contudo, tem a possibilidade de influenciá-los. No laboratório, é preciso tentar abordá-lo pedaço por pedaço, a fim de verificar essas possibilidades com mais precisão. O camundongo nadador é um dos experimentos mais elucidativos da pesquisa sobre motivação e depressão. Um camundongo é colocado em uma pequena bacia com água. Suas patas não alcançam o fundo, por isso ele pedala para tentar voltar à terra firme. A questão é: por quanto tempo o camundongo vai nadar por seu desejo? No fundo, essa é uma situação primordial da vida. O quanto buscamos uma coisa que, na nossa opinião, deveria estar disponível? Pode ser algo concreto, como tocar o chão com os pés e terminar a escola, ou algo abstrato, como satisfação e alegria.

Camundongos com traços de depressão não nadam por muito tempo. Imobilizam-se mais vezes. Em seu cérebro, os sinais inibidores parecem ser transmitidos com muito mais eficácia do que os impulsos motivadores e propulsores. Além disso, reagem com mais intensidade ao estresse. Normalmente, podem-se testar novos tipos de antidepressivos nesses animais. Se nadarem por mais tempo após ingerirem a substância, essa é uma indicação interessante de que ela pode funcionar. Os pesquisadores da equipe do cientista irlandês John Cryan deram um passo além. Alimentaram a metade de seus camundongos com uma bactéria conhecida por cuidar do intestino: Lactobacillus rhamnosus JB-1. Essa ideia de alterar o comportamento dos camundongos através do abdômen ainda era muito inovadora em 2011. Os camundongos com intestino incrementado dessa forma não apenas nadaram por mais tempo e com mais esperança, como também em seu sangue foram encontrados menos hormônios do estresse. Além disso, em relação a seus colegas da mesma espécie, saíram-se nitidamente melhor nos testes de memória e aprendizado. Porém, quando os cientistas cortaram o chamado nervo vago, já não havia diferença entre os grupos de camundongos. Esse nervo é o caminho mais importante e rápido do intestino ao cérebro. Ele percorre o diafragma, subindo ao esôfago por entre os pulmões e o coração, e passa pela garganta até chegar ao cérebro. Em uma experiência em humanos, pôde-se constatar que os participantes podiam se sentir bem ou ter medo, opcionalmente, se esse nervo fosse estimulado com determinadas frequências. Desde 2010 é até permitida na Europa uma terapia para casos de depressão que se baseia em estimular o nervo vago de forma que os pacientes se sintam melhor. Portanto, esse nervo funciona um pouco como uma linha telefônica, através da qual um colaborador externo transmite suas impressões à central, ou seja, à cabeça. O cérebro precisa dessas informações para poder fazer uma ideia da situação atual do corpo. Pois ele se encontra isolado e protegido como nenhum outro órgão. Residindo em um crânio ósseo, é envolvido por uma espessa meninge e filtra novamente cada gota de sangue antes que ela possa fluir pelas áreas cerebrais. Já o intestino se encontra em meio ao tumulto. Conhece todas as moléculas desde nossa última refeição, aborda com curiosidade os hormônios em circulação no sangue, pergunta às células imunocompetentes como foi seu dia ou então ouve concentrado o zumbido das bactérias intestinais. É capaz de contar ao cérebro coisas sobre nós das quais ele jamais suspeitaria. O intestino reúne todas essas informações não apenas com a ajuda de um sistema nervoso considerável, mas também em uma gigantesca superfície. Isso faz dele o maior órgão sensorial do corpo. Perto dele, olhos, orelhas, nariz ou pele não são nada. As informações desses órgãos chegam à consciência e são utilizadas para que eles possam reagir ao ambiente. Assim, quando se trata da nossa vida, agem como sensores de estacionamento. O intestino, por sua vez, é uma gigantesca matriz; sente nossa vida interna e trabalha na subconsciência. Há tempos que intestino e cérebro trabalham em conjunto. Ambos elaboram grande parte do nosso primeiro mundo sensorial quando somos bebês. Adoramos o conforto da saciedade, ficamos desesperados com a fome e, resmungando, nos atormentamos com os gases. Familiares nos alimentam, trocam nossas fraldas e nos põem para arrotar. Quando bebês, nosso “Eu” consiste manifestamente de intestino e cérebro. Quando crescemos, sentimos o mundo cada vez mais com todos os sentidos. Já não choramos a plenos pulmões quando a comida do restaurante é ruim. Contudo, a ligação do intestino com o cérebro não se desfaz de repente; apenas se aprimora com clareza. Nessa fase da vida, um intestino que não se sente bem poderia pressionar nosso ânimo de maneira mais sutil, enquanto outro saudável e mais bem-nutrido poderia melhorar discretamente nosso humor. O primeiro estudo sobre os efeitos de um intestino bem cuidado no cérebro humano saudável foi publicado em 2013, dois anos após o estudo realizado com o camundongo. Os coordenadores do experimento partiram do princípio de que não surgiria nenhum efeito visível em seres humanos. Seus resultados surpreenderam não apenas a eles próprios, como também o restante da comunidade científica. Após a quarta semana de ingestão de uma mistura de determinadas bactérias, algumas áreas do cérebro se alteraram claramente, sobretudo as responsáveis pela elaboração das sensações e da dor.

Sobre cólon irritável, estresse e depressão

Nem toda ervilha mal mastigada pode meter o nariz no cérebro. O intestino saudável não envia ao cérebro sinais digestivos sem importância através do nervo vago, e sim os trabalha com seu próprio cérebro – afinal, é para isso que ele tem um. Contudo, se lhe acontece algo importante, ele pode considerar necessário envolver o cérebro. Este tampouco retransmite de imediato toda informação à consciência. Quando o nervo vago quer levar informações a locais extremamente importantes da cabeça, ele precisa, por assim dizer, passar pelo leão de chácara do cérebro, o tálamo. Se os olhos lhe comunicam pela vigésima vez que as cortinas da sala ainda são as mesmas, o tálamo rejeita essa informação; afinal, ela não é muito importante para a consciência. Já a comunicação sobre cortinas novas, por exemplo, seria transmitida. Não por qualquer tálamo, mas pela maioria. Uma ervilha mal mastigada não consegue transpor o limiar do intestino e do cérebro. Com outros estímulos, é diferente. Mensagens do abdômen chegam à cabeça e nela conseguem, por exemplo, informar o “centro do vômito” sobre um teor alcoólico bastante elevado, relatar ao “centro da dor” a ocorrência de intensa flatulência ou anunciar aos especialistas em “mal-estar” o surgimento de patógenos nocivos. Esses estímulos são transmitidos porque o limiar próprio ao intestino e o leão de chácara do cérebro os consideram importantes. Isso vale não apenas para informações desagradáveis. Alguns sinais também podem nos fazer adormecer no sofá, satisfeitos e contentes, na noite de Natal. Podemos dizer com toda certeza que alguns vêm do abdômen; outros são trabalhados em áreas inconscientes do cérebro e, por isso, não podem ser classificados.

Em pessoas com intestino irritado, a conexão entre este órgão e o cérebro pode ser muito carregada. É o que se vê em imagens escaneadas do cérebro. Em um experimento, inflou-se um pequeno balão no intestino dos participantes enquanto imagens de sua atividade cerebral eram produzidas. Das pessoas que não sentiram nenhum incômodo obteve-se uma imagem cerebral normal, sem componentes sensoriais consideráveis. Por outro lado, nos pacientes com cólon irritável, a expansão do balão desencadeou uma clara atividade na área emocional do cérebro, na qual normalmente são trabalhadas sensações desagradáveis. Portanto, o mesmo estímulo conseguiu transpor os dois limiares nesses participantes. Os pacientes sentiram-se mal, embora não tenham feito nada de errado. Na síndrome do cólon irritável, com frequência se sente uma pressão ou um gorgolejar desagradável no abdômen, além de uma tendência à diarreia ou a constipações. As pessoas afetadas também costumam sofrer de ansiedade e depressão acima da média. Experimentos como o estudo realizado com o balão mostram que podem surgir mal-estar e sensações ruins através do eixo intestino-cérebro – quando o limiar do intestino se aprofunda ou o cérebro insiste em receber a informação.

Quando esse estado se estende por um período mais longo, suas possíveis causas podem ser minúsculas infecções, também chamadas de (micro)infecções permanentes, uma flora intestinal inadequada ou intolerâncias alimentares não descobertas. Apesar dos atuais resultados das pesquisas, alguns médicos ainda veem pacientes com cólon irritável como “hipocondríacos” ou pessoas que simulam a doença, porque em seus exames não foram encontrados sinais visíveis de danos no intestino. Em outras doenças intestinais, a situação é diferente. Em fases agudas, pessoas com uma infecção crônica no abdômen, como a doença de Crohn ou a colite ulcerativa, de fato apresentam verdadeiras feridas no intestino. Nesses pacientes, o problema não reside no fato de que pequenos estímulos cheguem ao cérebro, partindo do intestino. Neles, os limiares ainda impedem esse tipo de situação. É a mucosa intestinal doente que provoca as dores. Porém, assim como em pacientes com cólon irritável, entre as pessoas afetadas por esse problema também se registra um alto índice de depressão e ansiedade. No momento, existem poucas, mas muito boas equipes de pesquisa que investigam o fortalecimento dos limiares do intestino e do cérebro. Isso é importante não apenas para pacientes com problemas intestinais, mas também para todas as pessoas. Supõe-se que o estresse seja um dos estímulos mais importantes, sobre o qual cérebro e intestino se comunicam. Ao perceber um grande problema (como a pressa ou a irritação), nosso cérebro vai querer resolvê-lo. Para tanto, precisa de energia, que tomará emprestada sobretudo do intestino. Através das chamadas fibras nervosas simpáticas, o intestino é informado de que a situação predominante é emergencial e de que, excepcionalmente, terá de obedecer. De maneira colaborativa, poupa energia na digestão, produz menos mucilagem e reduz sua própria circulação sanguínea. Contudo, esse sistema não é feito para ser aplicado a longo prazo. Se o cérebro informa situações de emergência reiteradas vezes, acaba por explorar a generosidade do intestino. Em um momento como esse, o intestino também enviará sinais desagradáveis ao cérebro – do contrário, a situação não mudará. Desse modo, podemos nos sentir mais cansados ou sem apetite, ter mal-estar ou diarreia. Como acontece com o vômito emocional em uma situação estressante, neste caso o intestino também se livrará do alimento, a fim de lidar com a retirada de energia pelo cérebro. Com a diferença de que as verdadeiras fases de estresse podem durar muito mais. A exploração prolongada do intestino não é saudável para ele. A circulação sanguínea insuficiente e uma capa protetora mais fina, feita de mucosa, enfraquecem as paredes intestinais. Assim, as células imunocompetentes que nelas residem liberam uma boa quantidade de sinais químicos, que sensibilizam o cérebro intestinal com intensidade cada vez maior, enfraquecendo, assim, o primeiro limiar. Fases de estresse significam energia emprestada – o ideal é não contrair muitas dívidas, e sim tentar fazer o máximo de economia. Segundo outra teoria elaborada por pesquisadores de bactérias, o estresse não é nada higiênico. Em condições de vida alteradas, sobrevivem no intestino bactérias diferentes das existentes em períodos tranquilos. O estresse modifica, por assim dizer, o clima dentro no abdômen. Camaradas grosseiros, que tiram de letra situações turbulentas, multiplicam-se com bastante êxito e, depois do happy hour, não difundem necessariamente a melhor atmosfera. Com isso, seríamos não apenas vítimas de nossas bactérias intestinais e de seu efeito sobre nosso ânimo, mas também como que jardineiros do mundo em nosso próprio abdômen. Portanto, nosso intestino é capaz de nos fazer sentir indisposição além da fase aguda de estresse. As sensações vindas da parte inferior do corpo, e especialmente as que deixam um gosto ruim na boca, fazem com que, da próxima vez, o cérebro pense muito bem se quer mesmo dar uma palestra a um departamento que, apesar de tudo, ingere muita pimenta ardida. Assim, nas “decisões abdominais”, esta também poderia ser a função do intestino: em situação semelhante, suas sensações são memorizadas e consultadas em caso de emergência. Se boas lições também puderem ser reforçadas dessa forma, então, de fato, o amor passaria pelo estômago – e diretamente pelo intestino.

O fato de nosso abdômen poder imiscuir-se não apenas em sensações ou em certas decisões (abdominais), mas também, eventualmente, influenciar nosso comportamento, é uma hipótese interessante, em cujo embasamento trabalham diversos cientistas. A equipe de Stephen Collins mostra-se bastante avançada com seu experimento. Os participantes do teste foram camundongos de duas linhagens diferentes, cujo comportamento foi pesquisado com precisão. Animais da linhagem BALB/c são mais temerosos e se mostram mais intimidados do que seus companheiros da linhagem NIH-SWISS, que são mais curiosos e corajosos. Os cientistas deram aos camundongos uma mistura de três antibióticos diferentes que só agem no intestino, nele exterminando qualquer paisagem bacteriana. Em seguida, ministraram-lhes bactérias intestinais típicas da outra linhagem. No teste comportamental, de repente os papéis se inverteram. Os camundongos BALB/c ficaram mais corajosos, enquanto os NIHSWISS passaram a sentir mais medo. Isso prova que o intestino é capaz de, pelo menos, influenciar o comportamento de camundongos. A experiência ainda não pode ser transposta aos seres humanos. Para tanto, falta-nos muito conhecimento a respeito das diferentes bactérias, do cérebro intestinal e do eixo intestino-cérebro. Até o momento, podemos utilizar os conhecimentos que já reunimos, a começar pelas pequenas coisas, como nossas refeições diárias, que devem ser feitas sem agitação e sem pressa. As refeições devem ser zonas livres de estresse, sem repreensões nem frases do tipo: “Você vai ficar sentado à mesa até terminar de comer”; tampouco sem ficar zapeando na frente da televisão. Isso vale sobretudo para as crianças, nas quais o cérebro intestinal desenvolve-se paralelamente ao mental, mas também para os adultos – quanto mais cedo se começa, melhor. Todo estresse ativa nervos que bloqueiam nossa digestão, fazendo não apenas com que retiremos menos energia dos alimentos, mas também com que precisemos de mais tempo para digeri-los e, assim, sobrecarreguemos nosso intestino. Podemos brincar e fazer experiências com esse conhecimento. Existem chicletes e medicamentos contra enjoo que anestesiam os nervos no intestino. Muitas vezes, a ansiedade desaparece junto com o enjoo. Porém, se um mau humor inexplicável ou o medo forem gerados pelo intestino também em outras ocasiões (sem enjoo), será que poderíamos usar esses recursos para nos vermos livres dessas sensações? Ou seja, anestesiando por um breve período o intestino ansioso? O álcool chega primeiro ao intestino e somente depois à cabeça. Até que ponto o relaxamento causado por “uma taça de vinho” à noite vem do cérebro apaziguado no abdômen? Quais bactérias se encontram nos diversos tipos de iogurte vendidos no supermercado? Será que um Lactobacillus reuteri é melhor do que um Bifidobacterium animalis? Nesse meio-tempo, um grupo de pesquisadores da China conseguiu até mostrar em laboratório que o Lactobacillus reuteri é capaz de bloquear os sensores da dor no intestino. O Lactobacillus plantarum e o Bifidobacterium infantis já podem ser indicados para tratar a dor em casos de síndrome do cólon irritável. Atualmente, quem sofre de um limiar baixo de dor no intestino costuma tomar remédios contra diarreia ou constipação, ou substâncias anticonvulsivas. Desse modo, os agentes desencadeadores são atenuados, mas o verdadeiro problema não é eliminado. Quem não experimenta nenhuma melhora, mesmo deixando de comer alimentos aos quais eventualmente seja intolerante ou reconstituindo a própria flora intestinal, tem de atacar o mal pela raiz, ou seja, pelos limiares nervosos. Ainda são poucas as medidas que se demonstraram eficazes nos estudos a respeito, e a hipnoterapia é uma delas. Psicoterapias realmente boas funcionam como uma fisioterapia para nossos nervos. Elas desfazem as tensões e nos trazem alternativas saudáveis de exercício físico em nível neuronal. Como os nervos cerebrais são companheiros mais complicados do que os músculos, também é preciso treinar exercícios extraordinários. Os hipnoterapeutas costumam trabalhar com viagens através do pensamento ou com o poder da imaginação. Ambos atenuariam os sinais da dor e alterariam a percepção de determinados estímulos. Como no treinamento dos músculos, certos nervos também podem ser reforçados quando utilizados com maior frequência. Isso não nos hipnotiza como quando assistimos à televisão. Seria até contra as regras, pois nessa forma de terapia o próprio paciente deve manter o controle. Contudo, na busca por um terapeuta, deve-se tentar encontrar um profissional sério. A hipnoterapia trouxe bons resultados a pacientes com cólon irritável. Muitos deles passaram a utilizar visivelmente menos medicamentos; alguns até deixaram de usá-los. Essa forma de terapia mostrou-se muito mais bemsucedida sobretudo em crianças afetadas pela doença, reduzindo as dores em cerca de 90% em relação aos medicamentos, cuja eficácia alcança, em média, apenas 40%. Quem sofre de forte ansiedade ou depressão além de alguma doença intestinal muitas vezes recebe do médico a recomendação para tomar antidepressivos. Porém, raramente este lhe explica por quê. E a razão é simples: nenhum médico ou cientista conhece a explicação. Somente depois que se constatou em alguns estudos que esses medicamentos melhoram o humor, começou-se a investigar os mecanismos por trás desse efeito. Até hoje não temos uma resposta clara. Por muitas décadas supôs-se que o efeito se dá graças ao fortalecimento do “hormônio da felicidade”, ou seja, da serotonina. A pesquisa mais recente sobre a depressão também analisa outras considerações: com a ingestão desse tipo de medicamento, nossos nervos recuperariam sua plasticidade. Nos nervos, a plasticidade descreve a capacidade de alterar-se. Para um cérebro adolescente, a puberdade parece complicada porque, nessa fase, os nervos são extremamente plásticos – muita coisa não foi estabelecida, tudo é possível, nada é obrigatório, e há uma grande quantidade de interferências ao redor. Esse processo se encerra até mais ou menos os 25 anos. A partir dessa idade, determinados nervos reagem a padrões adquiridos. Mantemos o que assimilamos, e o que não parecia muito interessante deixamos de lado. Desse modo, desaparecem não apenas os inexplicáveis acessos de raiva e de risada, mas também os pôsteres da parede do quarto. As mudanças já não são repentinas, e a estabilidade é sentida de maneira mais agradável. Contudo, também se podem estabelecer padrões desagradáveis de pensamento, tais como “não valho nada” ou “tudo que faço dá errado”, e um elevado nível de interferências nervosas, produzidas por um intestino estressado, poderia estabelecer-se no cérebro. Se os antidepressivos aumentam a plasticidade, esses padrões poderiam ser novamente afrouxados. Na maioria das vezes, isso faz sentido quando elaborado em conjunto com uma boa psicoterapia, que pode diminuir o risco de recaída no velho hábito. Além disso, os efeitos colaterais dos antidepressivos mais comuns no mercado, como o Prozac, nos contam algo importante sobre o “hormônio da felicidade”, a serotonina. Uma em cada quatro pessoas experimenta efeitos típicos, como enjoo, uma fase com diarreia e, após consumo prolongado, constipações. Isso ocorre porque nosso cérebro intestinal possui os mesmos receptores nervosos do nosso cérebro mental. Portanto, antidepressivos tratam ambos de maneira sempre automática. O doutor Michael Gershon, pesquisador americano, vai um passo além. Ele se pergunta se, em algumas pessoas, esses antidepressivos poderiam agir apenas no intestino, sem chegar ao cérebro. A ideia não é de todo fora de propósito; afinal, 95% da serotonina própria a nosso corpo é produzida nas células intestinais, onde facilita em grande medida para os nervos os movimentos musculares e atua como importante molécula sinalizadora. Se nelas os efeitos forem alterados, mensagens totalmente diferentes podem ser enviadas ao cérebro. Isso seria interessante sobretudo quando as pessoas são afetadas por uma forte depressão, embora sua vida em si esteja totalmente normal. Talvez apenas seu abdômen precise ir para o divã – e a cabeça não teria nenhuma culpa no cartório? Todos que sofrem de ansiedade ou depressão devem se lembrar de que um abdômen atormentado também pode desencadear sentimentos ruins. Às vezes, com toda razão – seja após um estresse excessivo, seja devido a uma intolerância desconhecida a algum alimento. Não deveríamos buscar a culpa apenas em nosso cérebro ou em fatos que ocorrem em nossa vida, pois... somos mais do que isso.

Onde surge o Eu

Mau humor, alegria, insegurança, bem-estar ou preocupação não provêm isoladamente da cabeça. Somos pessoas com braços e pernas, órgãos sexuais, coração, pulmões e intestino. Por muito tempo, a intelectualização da nossa ciência não nos deixou enxergar que nosso Eu é mais do que o cérebro. Nos últimos tempos, a pesquisa sobre o intestino contribuiu para que se questionasse com cautela a máxima “Penso, logo existo”. Uma das áreas mais interessantes do cérebro, às quais informações vindas do intestino podem chegar, é a ínsula. Ela constitui o campo de pesquisa de uma das mentes mais geniais de nosso tempo: Bud Craig. Por mais de vinte anos, ele coloriu os nervos com paciência quase divina e observou seu comportamento no cérebro. Em dado momento, saiu do laboratório e deu uma palestra de uma hora sobre a seguinte hipótese: a ínsula é o local onde surge o Eu. Eis a primeira parte: a ínsula recebe informações sensoriais de todo o corpo. Cada informação é como um pixel – a ínsula compõe uma imagem a partir de muitos pixels. Essa imagem é importante, pois produz um mapa das sensações. Portanto, quando estamos sentados em uma cadeira, sentimos a pele comprimida do traseiro; talvez constatemos que estamos com frio ou fome. Tudo isso junto produz um ser humano faminto, com frio, que se encontra sentado em uma cadeira dura. Talvez a imagem completa dessas sensações não nos pareça maravilhosa; contudo, tampouco é terrível; é, antes, razoável. Segunda parte: de acordo com Daniel Wolpert, a tarefa do nosso cérebro é movimentar-se – pouco importa se como ascídia, que busca belas rochas submarinas, ou como ser humano, que busca uma vida possivelmente boa. Os movimentos têm a intenção de causar alguma coisa. Com o mapa da ínsula, o cérebro pode planejar movimentos equilibrados. Se o Eu estiver sentado com frio e fome, esta será uma boa motivação para outras áreas do cérebro mudarem alguma coisa na situação. Pode-se começar a tremer ou levantar-se e ir até a geladeira. Um dos maiores objetivos dos nossos movimentos é levar-nos sempre a um equilíbrio saudável – seja do frio para o calor, da tristeza para a alegria ou do cansaço para o estado de vigília. Terceira parte: também o cérebro é apenas um órgão. Portanto, se a ínsula produz uma imagem do corpo, esta inclui nossa cachola. Aqui existem alguns dispositivos a serem considerados, como áreas para a compaixão social, a moral e a lógica. Talvez as áreas sociais do cérebro não gostem quando se briga com o parceiro, e áreas relativas à lógica ficam desesperadas com um enigma difícil de ser resolvido. A fim de construir uma imagem significativa do “Eu”, supõe-se que percepções do ambiente ou experiências do passado também acabem influindo. Nesse caso, perceberíamos não apenas o frio, mas também seríamos capazes de ter essa sensação em determinado contexto: “Que estranho esse frio. Afinal, estou em um quarto aquecido. Hum... será que vou ficar doente?” Ou então: “Tudo bem, talvez com essa temperatura eu não devesse ficar saltitando nu pelo jardim de inverno.” Desse modo, conseguimos reagir com uma complexidade muito maior à primeira sensação de “frio” do que outros animais. Quanto mais informações conectarmos, mais movimentos inteligentes fazemos. Supõe-se que exista a esse respeito até mesmo uma hierarquia entre os órgãos. O que é especialmente importante para nosso equilíbrio recebe, então, um direito de participação maior na ínsula. Graças às suas múltiplas qualificações, o cérebro e o intestino teriam aqui bons lugares garantidos – para não dizer os melhores. Portanto, a ínsula cria uma pequena imagem de tudo que nosso corpo sente. Mais tarde, podemos enriquecer essa imagem com nosso cérebro complexo. Segundo Bud Craig, a cada quarenta segundos, aproximadamente, é produzida uma imagem elaborada como essa. Uma após a outra, essas imagens resultam em uma espécie de filme. O filme do nosso Eu, da nossa vida. É certo que o cérebro comanda boa parte dessa atividade, mas não tudo. Não seria má ideia completar a máxima de René Descartes da seguinte forma: “Sinto, em seguida penso, logo existo.”

3-O MUNDO DOS MICRÓBIOS


Olhando do universo para a Terra, não se veem os seres humanos. Mesmo assim, é possível reconhecer a Terra – ela é um ponto redondo e luminoso além de outros pontos redondos e luminosos sobre o fundo escuro. Aproximando-se, vê-se que nós, seres humanos, vivemos em lugares totalmente diferentes do planeta. À noite, nossas cidades se acendem como pontinhos claros. Alguns povos vivem em regiões com cidades grandes; outros, espalhados pelo campo. Vivemos em frias paisagens nórdicas, mas também em florestas pluviais ou às margens de desertos. Estamos por toda parte, mesmo não sendo vistos do universo. Vendo-se os seres humanos mais de perto, constata-se que cada um de nós é um mundo particular. A testa é um pequeno campo arejado; o cotovelo, uma terra inculta e seca; os olhos, mares salgados; e o intestino é a floresta mais extraordinária e gigantesca, com as criaturas mais incríveis. Assim como nós, seres humanos, habitamos o planeta, também somos habitados. Ao microscópio, é possível reconhecer muito bem nossos habitantes, as bactérias, que parecem pequenos pontos luminosos sobre o fundo escuro. Durante séculos, ocupamo-nos do grande mundo. Estabelecemos suas medidas com precisão, pesquisamos plantas e animais e filosofamos a respeito da vida. Construímos máquinas gigantescas e fomos à Lua. Hoje, quem quiser descobrir novos continentes e povos terá de investigar o pequeno mundo que se encontra dentro de nós mesmos. Nesse sentido, nosso intestino é o continente mais fascinante. Em nenhum lugar vivem tantas espécies e famílias como nele. A pesquisa está só começando. Surge uma espécie de nova “bolha” – comparável à decifração do genoma humano –, com muitas esperanças e novos conhecimentos. Essa bolha poderia estourar ou constituir um prenúncio para algo mais. Somente a partir de 2007 foi que se começou a mapear as bactérias. Para tanto, com cotonetes colheu-se material de todas as partes possíveis do corpo de inúmeras pessoas. Em três locais na boca, nas axilas, na testa... Foram analisadas amostras de fezes e avaliados materiais dos órgãos genitais. Locais que até então eram considerados livres de germes de repente se mostraram colonizados por eles – por exemplo, os pulmões. Em matéria de atlas de bactérias, o intestino é a disciplina mais importante. Das microbiotas – ou seja, do conjunto de todos os micro-organismos que circulam ao nosso redor –, 99% encontram-se no intestino. Não que apareçam poucas em outros locais, mas no intestino são inúmeras.

O ser humano como ecossistema

Conhecemos as bactérias como pequenos seres vivos, que consistem em uma única célula. Algumas vivem em fontes de água fervente na Islândia, outras, no focinho gelado dos cães. Outras ainda precisam de oxigênio para produzir energia e “respiram” como os seres humanos. Por sua vez, outras morrem ao ar livre; retiram sua energia não do oxigênio, mas dos átomos de metais ou de ácidos – o que pode ter um odor bastante interessante. Quase todos os odores perceptíveis no ser humano são bactérias. Do perfume agradável da pele de uma pessoa a quem se ama ao hálito frívolo do cachorro do vizinho. Tudo isso surge graças ao incansável mundo dos micróbios que vivem em nós. Assistimos com deleite a atletas surfando; porém, quando espirramos, não pensamos nem por um segundo nas incríveis cenas de surfe que ocorrem justamente em nossa flora nasal. Suamos muito quando praticamos esporte – mas ninguém percebe a alegria das bactérias com a mudança para um clima estivo em nossos tênis. Comemos clandestinamente um minúsculo pedaço de torta, pensando que ninguém nos viu, mas em nosso abdômen grita-se em alto e bom som: “TOOOORTAAAA!” Para reproduzir fielmente todas as novidades do reino dos micróbios em uma única pessoa, seria necessário um grande serviço internacional de notícias. Portanto, quando passamos o dia entediados, sobre nós e dentro de nós acontecem as coisas mais emocionantes. Aos poucos, cresce a consciência de que a maioria das bactérias é inofensiva e até mesmo útil. Alguns fatos já são conhecidos cientificamente. Nossa microbiota intestinal chega a pesar dois quilos e abriga cerca de cem trilhões de bactérias. Em um grama de fezes há mais bactérias do que pessoas na Terra. Além disso, sabe-se que a comunidade de micróbios presente no alimento não digerido se abre para nós, fornece energia para nosso intestino, produz vitaminas, decompõe toxinas ou medicamentos e treina nosso sistema imunológico. Diversas bactérias produzem diferentes substâncias: ácidos, gases, gorduras – as bactérias são pequenos produtores. Sabemos que nossos grupos sanguíneos surgem graças às bactérias presentes no intestino ou que ficamos com diarreia devido às más companhias. Por outro lado, não se sabe o que tudo isso significa para o indivíduo. Percebemos rapidamente se fomos infectados por bactérias que desencadeiam a diarreia. Mas será que também percebemos alguma coisa do trabalho diário de milhões, bilhões, trilhões de outros seres minúsculos em nosso corpo? Por acaso tem alguma importância saber quem exatamente está morando dentro de nós? Em caso de sobrepeso, má nutrição, doenças nervosas, depressão ou problemas intestinais crônicos, deparamos com condições alteradas das bactérias no intestino. Em outras palavras: quando alguma coisa sai errada com nossos micróbios, também não funcionamos direito. Talvez alguém tenha nervos melhores por possuir uma reserva considerável de bactérias que produzem vitamina B. Outra pessoa consegue tolerar melhor um pedaço de pão embolorado, mordiscado sem querer, ou ganhar peso com muito mais rapidez devido a bactérias engordativas que, com certo atrevimento, fornecem alimento em excesso. A pesquisa começa a compreender o ser humano como ecossistema. A pesquisa em microbiota ainda frequenta os primeiros anos da escola e é banguela.

Quando ainda não se conheciam bem as bactérias, elas eram classificadas como plantas – eis a razão para a expressão “flora intestinal”. Portanto, embora o termo flora não seja totalmente correto, ele é bastante ilustrativo. Tal como as plantas, as bactérias possuem diferentes características quando se trata de seu habitat, de seu alimento ou do seu grau de toxicidade. Do ponto de vista científico, o correto é chamar de microbiota (= pequena vida) ou microbioma o conjunto dos nossos micróbios e seus genes. De modo geral, pode-se dizer que nos trechos superiores do tubo digestivo e menos nos inferiores, como no intestino grosso e no reto, encontram-se inúmeras bactérias. Algumas preferem o intestino delgado, enquanto outras vivem exclusivamente no intestino grosso. Há grandes fãs do apêndice, bons habitués das mucosas e colegas um tanto atrevidos, que se estabelecem bem perto das nossas células intestinais. Nem sempre é fácil conhecer os micróbios do intestino em detalhes. Eles não deixam seu mundo de bom grado. No laboratório, quando colocados em um substrato nutritivo para serem observados, simplesmente não colaboram. Germes da pele comeriam, animados, a comida do laboratório e cresceriam até formar pequenas montanhas de bactérias; já com os germes do intestino isso não funciona. Mais da metade das bactérias do nosso tubo digestivo estão acostumadas demais ao nosso corpo para sobreviverem fora dele. Nosso intestino é seu mundo. Nele são protegidas do oxigênio, gostam do calor úmido e apreciam o alimento já experimentado antes. Há dez anos, possivelmente muitos cientistas teriam afirmado que existe uma reserva fixa de bactérias intestinais mais ou menos igual em todas as pessoas. Quando espalhavam o excremento em um substrato nutritivo, encontravam, por exemplo, sempre as mesmas bactérias E. coli. Simples assim. Atualmente, com a ajuda de aparelhos, conseguimos examinar as moléculas de um grama de excremento. Desse modo, descobrimos os resquícios genéticos de muitos bilhões de bactérias. Nesse meio-tempo, ficamos sabendo que a E. coli constitui menos de 1% da essência do intestino, no qual há mais de mil espécies diferentes de bactérias. Acrescentam-se a elas minorias do reino dos vírus e leveduras, tais como fungos e organismos unicelulares. Nosso sistema imunológico seria a primeira instância a ter algo a criticar nessa colônia maciça. No topo de sua agenda encontra-se o seguinte: defender o corpo de elementos estranhos. Às vezes, o sistema imunológico combate pequenos pólens, que acabam entrando sem querer em nosso nariz. Pessoas alérgicas sempre reagem a eles com um nariz que não para de escorrer e olhos vermelhos. Como é possível que, ao mesmo tempo, um Woodstock de bactérias seja festejado em nossas vísceras?

O sistema imunológico e nossas bactérias

Todos os dias, poderíamos morrer várias vezes. Ficamos com câncer, começamos a embolorar, somos mordiscados por bactérias ou infectados por vírus. Todos os dias, nossa vida é salva várias vezes. Células que raramente crescem são destruídas, esporos fúngicos são eliminados, bactérias são perfuradas e vírus são cortados. Nosso sistema imunológico cumpre esse agradável serviço com inúmeras células pequenas. Dispõe de especialistas para reconhecer elementos estranhos, matadores de aluguel, fabricantes de chapéus e apartadores de brigas. Trabalham de mãos dadas e fazem isso muito bem. A maior parte do nosso sistema imunológico (cerca de 80%) reside no intestino. E isso por uma boa razão. Nele se encontra o palco principal para esse Woodstock de bactérias, que deve ser visto, necessariamente, como sistema imunológico. As bactérias ficam em um reservatório demarcado – a mucosa intestinal – e aproximam-se de nossas células sem ameaçá-las. Aqui, o sistema imunológico pode brincar com as bactérias sem que elas se tornem perigosas para o corpo. Assim, nossas células de defesa podem conhecer muitas novas espécies. Se em um momento posterior uma célula imunocompetente encontrar fora do intestino uma bactéria conhecida, poderá reagir mais rapidamente a ela. Dentro do intestino, o sistema imunológico precisa ficar muito atento e reprimir a toda hora seu instinto de defesa, a fim de deixar viver o grande número de bactérias que ali reside. Ao mesmo tempo, tem de reconhecer e selecionar seres perigosos em meio à massa. Se disséssemos “olá” a cada uma de nossas bactérias intestinais, viveríamos muito bem por cerca de três milhões de anos. Nosso sistema imunológico não apenas diz “olá”, mas também: “Você é muito legal” ou “Prefiro vê-la morta”. Além disso – e talvez, em um primeiro momento, isso soe um tanto estranho –, ele precisa saber distinguir entre as células bacterianas e as humanas. Nem sempre isso é fácil. Na superfície de algumas bactérias encontram-se estruturas que se assemelham àquelas das pequenas células de nosso corpo. Por isso, com bactérias que causam escarlatina, não se deve adiar muito o uso de antibióticos. Se a doença não for combatida a tempo, o sistema imunológico, que se encontra confuso e desconfiado, poderá atacar inadvertidamente articulações ou outros órgãos. Tomará, por exemplo, nosso joelho por um maldito causador de dor de garganta, que se escondeu lá embaixo. Isso só acontece em raros casos – mas pode acontecer. Os cientistas observaram um efeito semelhante no diabetes que costuma aparecer na adolescência. Nesse caso, o sistema imunológico destrói a própria insulina das células produtoras. Uma possível causa poderia ser um problema de comunicação com nossas bactérias intestinais. Talvez elas se desenvolvam mal ou o sistema imunológico simplesmente as entenda da maneira errada. Na verdade, contra esse tipo de problema de comunicação e de confusão, o corpo instaura um sistema muito rigoroso. Antes que uma célula imunocompetente seja deixada no sangue, ela precisa passar pelo mais duro campo de treinamento que existe para as células. Entre outras coisas, tem de percorrer um longo caminho, no qual sempre lhe são apresentadas estruturas próprias ao corpo. Se a célula imunocompetente não estiver totalmente certa de que o material apresentado é próprio ou estranho ao corpo, interrompe sua caminhada e dá uma cutucada ao redor. Uma decisão errada, que impedirá para sempre esta célula imunocompetente de chegar ao sangue. Portanto, as células imunocompetentes são selecionadas já no campo de treinamento, quando atacam o próprio tecido. Em seu campo de treinamento dentro do intestino, aprendem a ser tolerantes em relação a elementos estranhos, ou melhor, a estar mais bem preparadas a tudo que for estranho. Esse sistema funciona bastante bem, e, na maioria das vezes, não ocorrem contratempos. Contudo, há um exercício que é muito complicado: o que fazer quando coisas estranhas fazem o sistema imunológico se lembrar das bactérias – embora não se trate de bactérias? Por exemplo, glóbulos vermelhos carregam em sua superfície proteínas semelhantes a bactérias. Na verdade, nosso sistema imunológico atacaria nosso sangue se não tivesse aprendido no campo de treinamento que não está autorizado a mexer com ele. Se nossos glóbulos tiverem características do grupo sanguíneo A em sua superfície, também toleraremos o sangue de outras pessoas do grupo A. No caso de um acidente de moto ou de um parto com muita perda de sangue, pode ser necessário fazer com que o sangue doado por outra pessoa corra nas nossas veias. Não podemos receber sangue de alguém que tenha outra característica desse grupo sanguíneo na superfície. Nosso sistema imunológico se lembraria imediatamente das bactérias, e como essas não têm nada a procurar em nosso sangue, ele aglutinaria os glóbulos sanguíneos estranhos com toda a hostilidade. Sem essa disposição para a luta – treinada com nossas bactérias intestinais –, não teríamos nenhum “grupo sanguíneo” e poderíamos distribuir prontamente sangue alheio a todo o mundo. Em recém-nascidos com poucos germes intestinais, isso ainda funciona dessa maneira. Teoricamente, podem receber sangue de qualquer grupo sem manifestarem reação. (Como os anticorpos da mãe chegam ao sangue do filho, por razões de segurança, no hospital se utiliza o grupo sanguíneo materno.) Assim que o sistema imunológico e a flora intestinal começam a se desenvolver , só poderão receber sangue do mesmo grupo sanguíneo.

O surgimento do grupo sanguíneo é apenas um dos muitos fenômenos imunológicos causados pelas bactérias. Supostamente, ainda não conhecemos a maioria deles. Muito do que as bactérias fazem tende para uma “afinação”. Para cada espécie de bactéria, existem efeitos totalmente diferentes no sistema imunológico. Em algumas delas foi possível constatar que tornam nosso sistema imunológico mais tolerante, por exemplo facilitando a formação de mais células imunocompetentes, que desempenham o papel de conciliadoras, ou cuidando do modo como a cortisona e outros medicamentos anti-inflamatórios atuam em nossas células. Assim, o sistema imunológico torna-se mais brando e menos combativo. Isso seria uma bela jogada de xadrez por parte desses microorganismos, pois, desse modo, também aumentam sua chance de serem tolerados no intestino. O fato de que justamente no intestino delgado de filhotes de animais vertebrados (inclusive dos seres humanos) foram encontradas bactérias que estimulam o sistema imunológico abre espaço para suposições. Poderíamos dizer que esses estimuladores nos ajudam a manter uma densidade inferior de bactérias no intestino delgado? Nesse caso, este órgão seria uma região de baixa tolerância às bactérias e só encontraria tranquilidade durante a digestão. Os próprios estimuladores não param quietos na mucosa, mas se prendem às vilosidades do intestino delgado. Preferência semelhante demonstram os patógenos, como as perigosas versões da E. coli. Quando querem se fixar no intestino delgado e seu lugar já está ocupado pelos estimuladores, querendo ou não precisam bater em retirada. Esse efeito recebe o nome de proteção contra colonização. A maior parte dos nossos micróbios intestinais só nos protege na medida em que não deixam espaço para bactérias maléficas. Aliás, os estimuladores do intestino delgado estão entre os candidatos que ainda não conseguimos cultivar fora do intestino. Podemos mesmo concluir que eles são incapazes de nos fazer mal? Não. Talvez façam mal a algumas pessoas estressando seu sistema imunológico. Há muitas perguntas nesse campo. Como primeiras respostas existem os camundongos livres de germes, dos laboratórios nova-iorquinos. São os seres vivos mais limpos do mundo. Nascem de cesariana asséptica, vivem em recintos limpos com desinfetantes e consomem alimento esterilizado a vapor. Animais desinfetados como eles não podem existir na natureza. Quem pretende trabalhar com esses camundongos precisa estar bem atento, pois no ar não filtrado podem pairar germes. Graças a esses camundongos, os pesquisadores puderam observar o que acontece quando um sistema imunológico é totalmente inativo. O que ocorre em um intestino sem micróbios? Como o sistema imunológico não treinado reage a patógenos? Onde é possível reconhecer a diferença a olho nu? Todos que já lidaram alguma vez com esses animais diriam: camundongos sem germes são peculiares. Costumam ser hiperativos e se comportam com surpreendente imprudência em comparação com outros camundongos. Alimentam-se mais do que seus colegas normalmente colonizados e precisam de mais tempo para a digestão. Possuem um apêndice gigantesco, um tubo digestivo atrofiado, sem vilosidades, com poucos vasos sanguíneos e menos células imunocompetentes. Patógenos relativamente inofensivos podem derrubá-los com facilidade. Ao injetar nesses animais o coquetel de bactérias intestinais de outros camundongos, pode-se observar algo surpreendente. Se receberem bactérias de diabéticos do tipo 2, pouco tempo depois desenvolvem os primeiros problemas com o metabolismo do açúcar. Se os camundongos sem germes receberem bactérias intestinais de pessoas acima do peso, eles próprios ganharão sobrepeso muito antes do que se recebessem o panorama de germes de alguém com peso normal. Mas também é possível aplicar-lhes bactérias isoladas e observar o que são capazes de fazer. Sozinhas, algumas bactérias conseguem anular a maioria dos efeitos da assepsia – elevam o sistema imunológico, reduzem o apêndice ao tamanho normal e normalizam o comportamento alimentar. Outras não fazem nada. Outras ainda manifestam seu efeito exclusivamente em colaboração com colegas de outras famílias de bactérias. Estudos realizados com esses camundongos nos fizeram dar um bom passo adiante. Nesse meio-tempo, pudemos supor o seguinte: assim como o macrocosmo em que vivemos exerce influência sobre nós, o microcosmo que vive em nós faz o mesmo. E o mais emocionante é que a situação se mostra diferente de pessoa para pessoa.

O desenvolvimento da flora intestinal

 De modo geral, enquanto bebês no útero, somos totalmente livres de germes. Durante nove meses, ninguém mais nos toca, a não ser nossa mãe. Nosso alimento é pré-digerido, e nosso oxigênio, pré-respirado. Assim, os pulmões e o intestino maternos filtram tudo antes que chegue a nós. Comemos e respiramos através de seu sangue, cuja assepsia é mantida por seu sistema imunológico. Somos envolvidos pela bolsa amniótica e cingidos por um útero muscular, que, por sua vez, é tampado por uma espessa rolha como um grande cântaro de barro. Assim, nenhum parasita, nenhum vírus, nenhuma bactéria, nenhum fungo e tampouco outro ser humano podem nos alcançar. Somos mais limpos do que uma mesa de operação após o banho com desinfetante. Esse estado é extraordinário. Nunca mais na vida estaremos tão protegidos e isolados. Se fora do útero fôssemos aptos a nos manter livres dos germes, nossa constituição seria diferente. No entanto, do modo como somos constituídos, todo ser vivo crescido contém pelo menos outro ser vivo que o ajuda e, como contrapartida, pode morar dentro dele. Por isso, temos células, cuja superfície é muito apropriada para o acoplamento de bactérias, e bactérias que se desenvolveram conosco por milhares de anos. Assim que a bolsa amniótica protetora se torna permeável em algum ponto, inicia-se a colonização. Se até então éramos seres feitos de células 100% humanas, logo seremos colonizados por tantos micro-organismos que, do ponto de vista celular, teremos uma constituição apenas 10% humana e 90% de micróbios. Como nossas células humanas são essencialmente maiores do que nossos novos coabitantes, essa composição não é visível. Antes de olharmos nossa mãe nos olhos pela primeira vez, os moradores das cavidades de seu corpo já viram nossos olhos. Em primeiro lugar, ficamos conhecendo a flora de proteção vaginal – um povo que é como um exército a postos para defender uma região muito importante. Para tanto, produz ácidos que afugentam outras bactérias e, assim, mantém o caminho para o útero cada vez mais limpo a cada centímetro.

Enquanto a flora das narinas oferece cerca de novecentas espécies diferentes de bactérias, no canal de parto a seleção é rigorosa. É poupada apenas a capa útil de bactérias, que envolve o corpo do bebê como proteção. Metade dessas bactérias é composta de uma única espécie: lactobacilos. Estes gostam de produzir sobretudo ácido lático. Logicamente, aqui também só consegue sobreviver o que passa pelos controles ácidos de segurança. Se tudo correr bem, ao nascer, a criança só precisa decidir para onde dirigir a cabeça. Existem duas possibilidades atraentes: para trás ou não. Em seguida, ocorre todo tipo de contato epidérmico, até o bebê ser pego por um estranho com luvas de borracha e ser embrulhado em alguma coisa, como é o caso na maioria das vezes. Nesse momento, os fundadores de nossa primeira colônia de micróbios se encontram em nós e sobre nós: sobretudo a flora vaginal e intestinal da mãe e, além delas, germes da pele e, opcionalmente, o que o hospital também contiver em seu repertório. Essa é uma boa mistura para o início. O exército de ácido protege contra intrusos nocivos; outros já começam a treinar o sistema imunológico, e os primeiros componentes não digeridos do leite materno são decompostos para nós por germes auxiliares. Algumas dessas bactérias precisam de pouco menos de vinte minutos para fundar a próxima geração. Aquilo que nós, humanos, levamos vinte anos ou mais para cumprir acontece aqui em uma fração de tempo – uma fração tão ínfima quanto os próprios habitantes. Enquanto nossa primeira bactéria intestinal vê seus tataranetos passar nadando por ela, passamos duas horas deitados nos braços dos nossos pais. Apesar desse desenvolvimento ultra-acelerado da população, ainda serão necessários cerca de três anos para que uma flora adequada mantenha um nível constante na paisagem intestinal. Até lá, ocorrem em nosso abdômen trocas dramáticas de poder e grandes batalhas bacterianas. Alguns povos, que de alguma forma recebemos na boca, espalham-se rapidamente em nosso abdômen e voltam a desaparecer com a mesma velocidade. Outros passarão uma vida inteira em nós. Quem se estabelece depende em parte de nós: ora mamamos em nossa mãe, ora mordiscamos a perna de uma cadeira e, entre uma coisa e outra, damos beijos calorosos e molhados no vidro do carro ou no cachorro do vizinho. Tudo que vai parar em nossa boca desse modo poderia, pouco tempo depois, construir um império em nosso mundo intestinal. Se esse império vai conseguir se firmar, não sabemos. Se terá boas ou más intenções, também não sabemos. De certo modo, acumulamos nosso destino com a boca – o exame de fezes mostra o que sai por trás. É um jogo com muitos desconhecidos. Entretanto, algumas coisas nos ajudam nesse processo; antes de tudo, nossa mãe. Não importa quantos beijos molhados damos nos vidros – quem tem a chance de dar beijocas frequentes na própria mãe ficará bem protegido por seus micróbios. A amamentação também estimula germes bem específicos da flora intestinal, por exemplo as bifidobactérias, que adoram o leite materno. Graças à sua colonização precoce, mais tarde essas bactérias formarão funções corporais como o sistema imunológico ou o metabolismo. Quando uma criança apresenta poucas bifidobactérias no intestino em seu primeiro ano de vida, posteriormente a probabilidade de se tornar obesa será maior do que se tivesse muitas delas. Entre os muitos e diferentes tipos de bactérias, existem as boas e as não tão boas. Com a amamentação, pode-se fazer a balança pender para o lado das boas e, assim, diminuir por exemplo o risco de intolerância ao glúten. As primeiras bactérias intestinais dos bebês preparam o intestino para suas bactérias “mais adultas”, na medida em que afastam oxigênio e elétrons do intestino. Assim que o ambiente fica livre de oxigênio, micróbios mais típicos podem instalar-se. O leite materno é capaz de tantas coisas que uma mãe relativamente bem nutrida pode ficar tranquila quanto à alimentação saudável do filho. Se quantificarmos os nutrientes contidos nele e os compararmos aos valores considerados necessários às crianças, o leite materno é o arrivista entre todos os suplementos alimentares. Tem tudo, sabe tudo, pode tudo. E, como se seu conteúdo nutricional não fosse suficiente, ele ainda recebe uma estrelinha extra porque a criança é adicionalmente suprida com parte do sistema imunológico materno. Na secreção do leite materno há anticorpos capazes de interceptar bactérias conhecidas e nocivas, que chegam à criança, por exemplo, através da lambida de um animal doméstico. Após a amamentação, o mundo bacteriano do bebê experimenta uma primeira revolução. Pois, de repente, altera-se toda a composição alimentar. Com inteligência, a natureza equipou os primeiros germes colonizadores típicos de maneira que aqueles que gostam do leite materno também tragam na bagagem os genes para carboidratos simples, como o arroz. Se ao lactente forem servidos vegetais complexos como a ervilha, sua flora não saberá lidar com eles sozinha. Serão necessários novos tipos de digestores coadjuvantes. Dependendo da alimentação, essas bactérias podem adquirir ou ceder propriedades. Crianças africanas têm bactérias capazes de produzir toda sorte de ferramentas para quebrar até mesmo o alimento mais fibroso e rico em vegetais. Já os micróbios de crianças europeias rejeitam esse trabalho duro; e podem fazer isso com a consciência tranquila, pois se alimentam sobretudo de papinhas e um pouco de carne. No entanto, as bactérias podem produzir determinadas ferramentas não apenas em caso de necessidade. Às vezes, também tomam algumas emprestadas: na população (intestinal) japonesa, as bactérias intestinais trocam impressões com as marítimas. Emprestam das colegas do mar um gene que as ajuda a quebrar as algas que, por exemplo, envolvem o sushi. Portanto, o modo como nossa população intestinal é composta pode depender em grande parte de quais ferramentas são necessárias para a quebra de nosso alimento. Podemos transmitir bactérias intestinais significativas por várias gerações. O europeu que já sofreu de constipação após uma refeição em um rodízio de sushi vai compreender que seria ótimo se em algum momento na história de sua família também tivessem existido bactérias japonesas que digerem algas. Porém, não é assim tão simples infundir em si mesmo e nos filhos alguns digestores coadjuvantes de sushi. As bactérias também precisam viver em seu local de trabalho. Quando um micro-organismo se adapta muito bem a nosso intestino, isso significa que ele gosta da arquitetura das células intestinais, se dá bem com o clima e a comida disponível lhe apetece. Esses três fatores variam de pessoa para pessoa. Nossos genes ajudam a esboçar nosso corpo – mas não são os arquitetos-chefes quando se trata da instalação dos micróbios. Embora gêmeos univitelinos tenham os mesmos genes, sua composição bacteriana não é idêntica. Basicamente, não possuem nem mesmo mais similaridades do que outros pares de gêmeos. Nosso estilo de vida, as amizades, as doenças ou os hobbies também contribuem para a aparência que o pequeno mundo em nosso próprio abdômen assumirá. Em nosso terceiro ano de vida, a caminho do amadurecimento relativamente pleno de nossa flora intestinal, colocamos de tudo na boca. Podemos mesmo precisar de algumas coisas, e essa experiência nos é conveniente. Desse modo, vamos adquirindo cada vez mais micro-organismos até sermos colonizados por algumas centenas de espécies diferentes de bactérias, que aos poucos montam a muitas centenas de tipos de habitantes intestinais. Para um zoológico seria uma bela oferta, que, diga-se de passagem, produzimos com os pés nas costas. Nesse meio-tempo, não é segredo para ninguém que as primeiras populações de nosso abdômen lançam as pedras fundamentais para o futuro de todo o nosso corpo. A esse respeito, estudos mostram como são importantes nossas primeiras semanas de vida para nosso sistema imunológico, pois é nelas que reunimos as bactérias. Três semanas depois de nosso nascimento, já é possível predizer, com base nos metabólitos de nossas bactérias intestinais, se corremos um risco elevado de ter alergias, asma ou neurodermite. Como é possível acumularmos tão cedo bactérias que podem ser mais nocivas do que úteis para nós? Um bom terço das crianças em nações ocidentais industrializadas é trazida ao mundo com elegância por meio da cesariana. Nada de passar aperto pelo canal de parto nem de efeitos colaterais desagradáveis como “laceração perineal” ou “expulsão da placenta” – na verdade, isso soa a um mundo refinado. No seu primeiro momento de vida, a maior parte das crianças nascidas por cesariana entra em contato com a pele de outras pessoas. Portanto, precisam dar um jeito de selecionar sua flora intestinal, pois não necessariamente ela resultará dos germes específicos da mãe. Poderá conter um pouco do polegar direito da enfermeira Susi, um pouco do vendedor da floricultura que pôs o ramalhete nas mãos do papai ou um pouco do cachorro do vovô. De repente, algumas coisas como a motivação dos faxineiros mal pagos do hospital podem ter relevância. Teriam eles limpado os telefones, as mesas e os metais do banheiro com carinho ou de má vontade? Nossa flora epidérmica não é regulada de maneira tão rigorosa quanto a região do canal de parto e é exposta ao mundo externo com muito mais intensidade. Em pouco tempo, o que quer que venha a se reunir nela poderia eventualmente ir parar no intestino do bebê. Patógenos, mas também figuras menos chamativas, que treinam o jovem sistema imunológico com métodos suspeitos. Crianças nascidas por cesariana podem levar meses ou mais tempo para ter bactérias intestinais normais. Três quartos dos recém-nascidos que contraem germes típicos de hospital são bebês de cesariana. Além disso, apresentam um risco elevado de desenvolver alergias ou asma. Segundo um estudo norte-americano, engolir determinados lactobacilos pode reduzir o risco de alergias nessas crianças. Já em lactentes nascidos por parto normal não se pode dizer o mesmo. Durante o nascimento, eles já caíram, por assim dizer, na poção mágica dos probióticos. A partir do sétimo ano de vida, quase não se consegue distinguir a flora intestinal de crianças nascidas por parto normal daquela de bebês nascidos por cesariana. As fases iniciais em que o sistema imunológico e o metabolismo são influenciados já passaram. O nascimento por cesariana não é o único a poder criar combinações iniciais desfavoráveis no intestino – alimentação ruim, uso desnecessário de antibióticos, excesso de limpeza ou contato frequente com germes nocivos também podem influir. Contudo, não se deve entrar em paranoia por causa disso. Nós, humanos, somos seres vivos gigantescos; não podemos controlar todo ínfimo micróbio.

Os habitantes do intestino de um adulto

Em matéria de microbiota, ter cerca de três anos de idade já é ser adulto. No intestino, ser adulto significa saber como se funciona e do que se gosta. A partir desse momento, determinados micróbios intestinais encontram-se em uma gigantesca expedição por nossa vida. Somos nós que damos a rota: com o que comemos, se estamos estressados, se chegamos à puberdade, se estamos doentes ou envelhecemos. Quem carrega no Facebook as fotos do próprio jantar e se surpreende porque os amigos não comentaram a imagem incrível apenas se dirigiu ao público errado. Se houvesse um Facebook dos micróbios, um público de milhões aplaudiria ou vibraria entusiasmado ao ver a foto. Diariamente, várias possibilidades se oferecem: ora são digestores do leite no pão com queijo, ora um monte de salmonelas no delicioso tiramisu. Às vezes, alteramos nossa flora intestinal; outras, é ela que nos altera. Somos seu clima e suas estações do ano. Elas podem cuidar de nós ou nos intoxicar. Nos adultos, sabemos apenas de maneira incipiente o que a barriguda comunidade de bactérias é capaz de fazer. Nas abelhas, a pesquisa é melhor. Abelhas com bactérias intestinais mais versáteis conseguiram se impor na evolução. A partir das vespas, seus antepassados que consumiam carne, só conseguiram se desenvolver porque pegaram novos micróbios intestinais, que retiravam energia do pólen. Assim, esses animais se tornaram vegetarianos. Na escassez de alimento, boas bactérias cuidam da segurança: em situação de emergência, uma abelha também é capaz de digerir o néctar estranho de regiões bem distantes. Usuários unilaterais não vão muito longe em uma circunstância como essa. Em situações de crise é que se revela quem possui um bom exército de micróbios. Abelhas com uma flora intestinal bem equipada resistem melhor do que outras a alguns tormentos causados por parasitas. Nesse caso, as bactérias intestinais são um fator extremamente importante quando se trata da sobrevivência. Infelizmente, não podemos transferir esses resultados para os humanos. As pessoas são animais vertebrados e têm Facebook. Com elas, é preciso começar desde o princípio. Cientistas que se ocupam de nossas bactérias intestinais ainda precisam compreender um mundo novo, quase desconhecido, e relacioná-lo ao macrocosmo. Precisam saber quem mora em nosso intestino e como. Portanto, mais uma vez, e agora de maneira mais exata: quem são esses moradores? A biologia gosta de organização. Isso funciona tão bem na própria mesa de trabalho quanto no nosso planeta. Em primeiro lugar, tudo é guardado em duas grandes gavetas: os seres vivos vão para uma, os não vivos, para outra. E a subdivisão prossegue. Tudo que é vivo é dividido em três grupos: eucariontes, arqueas e bactérias. Encontram-se representantes dos três também no intestino. Não prometo muito quando digo que cada um dos três tem certo charme. Os eucariontes consistem nas células maiores e mais complexas. Podem ser pluricelulares e crescer bastante. Uma baleia é um eucarionte. Seres humanos são eucariontes. Aliás, formigas também, embora sejam bem menores. Segundo a biologia moderna, os eucariontes podem ser divididos em seis subgrupos: seres que rastejam como amebas, seres “pseudópodes” (ou seja, sem pés de verdade), similares de vegetais, unicelulares com vestíbulo, algas e opistocontes. Caso o termo opistocontes (designação grega para “flagelo posterior”) não seja conhecido: são todos os animais, incluídos os seres humanos, mas também os fungos. Portanto, quando se encontra uma formiga na rua, é biologicamente correto acenar para sua colega opistoconte. Os eucariontes mais frequentes no intestino são leveduras que, de resto, também pertencem aos opistocontes. Nós os conhecemos, por exemplo, da massa fermentada, mas ainda existem muitos outros tipos. As arqueas são, por assim dizer, algo intermediário. Não são exatamente eucariontes, mas tampouco são bactérias. Suas células são pequenas e complexas. Para oferecer um contraste à sua imagem um tanto vaga, poderíamos dizer que as arqueas são realmente o máximo. Estão no extremo da vida. Há hipertermófilos que se sentem bem acima de 100°C e, muitas vezes, vivem em vulcões. Acidófilos, que navegam em ácidos de alta concentração. Barófilos, que gostam de forte pressão nas paredes de suas células, como a sentida no fundo do mar. E halófilos, que se dão bem de preferência em águas muito salgadas (adoram o Mar Morto). As poucas que respondem a uma vida relativamente não extremada no laboratório costumam ser as arqueas amantes do frio. Gostam de freezers a – 80°C. Em nosso intestino, muitas vezes aparece um tipo de arquea que vive do resíduo de outras bactérias e que pode brilhar. Com isso, voltamos ao tema principal. As bactérias constituem mais de 90% do intestino. Em sua classificação, são subdivididas em pouco mais de vinte grupos. Às vezes, esses grupos têm tantas semelhanças quanto um ser humano e um organismo unicelular com vestíbulo, ou seja, poucas. A maioria dos habitantes do intestino provém em grande parte de cinco filos: os principais são bacteroidetes e firmicutes; além deles, existem os filos actinobactérias, proteobactérias e verrucomicrobia. Dentro desses filos há diferentes classificações superiores e inferiores até chegar a uma família de bactérias. Dentro dessa família há uma relativa semelhança. Comem-se as mesmas coisas, a aparência é mais ou menos igual, os amigos e as capacidades se assemelham. Cada membro da família tem nomes impressionantes, como Bacteroides uniformis, Lactobacillus acidophilus ou Heicobacter pylori. O reino das bactérias é gigantesco.

Quando se procuram bactérias isoladas nos seres humanos, sempre se descobrem tipos totalmente desconhecidos. Ou também tipos conhecidos em locais inesperados. Por diversão, alguns pesquisadores dos Estados Unidos analisaram em 2011 a flora do umbigo. No umbigo de um dos participantes, encontraram bactérias que, até então, só se sabia que existiam no Mar do Japão. No entanto, a pessoa em questão nunca estivera na Ásia. A globalização acontece não apenas quando uma pequena mercearia vira McDonald’s, mas também quando avança até nosso umbigo. Diariamente, bilhões e bilhões de micro-organismos estrangeiros dão a volta ao mundo sem pagar nem um centavo sequer. Todo ser humano tem sua própria coleção de bactérias. Seria até possível tirar de nós uma impressão digital bacteriana. Se alguém passar um chumaço de algodão em um cachorro e analisar os genes de suas bactérias, é bem provável que encontre o dono certo. O mesmo funciona com teclados de computador. Tudo que costumamos tocar carrega nossa caligrafia microbiana. Todo o mundo tem algumas peças extraordinárias de coleção, que dificilmente outra pessoa terá. É claro que essa excepcionalidade também aparece em nosso intestino! Como os médicos sabem o que é bom ou ruim? Para a pesquisa, essas particularidades são problemáticas. Quando se pergunta: qual a influência das bactérias intestinais sobre a saúde? Não queremos ouvir como resposta: “Bem, o senhor Mayer tem um tipo de bactéria intestinal extraordinária, proveniente da Ásia, e que é muito incomum.” Queremos reconhecer um padrão e dele deduzir um conhecimento. Depois de observarem mais de mil famílias diferentes de bactérias intestinais, os cientistas se veem diante da seguinte questão: é suficiente definir filos de modo genérico ou é necessário analisar isoladamente cada bactéria bacteroide uniformizada? A E. coli e a EHEC, sua irmã gêmea malévola, por exemplo, pertencem à mesma família. As diferenças são bem sutis, mas perceptíveis: a E. coli é um morador inofensivo do intestino, enquanto a EHEC causa sangramentos e forte diarreia. Nem sempre faz sentido pesquisar filos ou famílias quando o objetivo é saber quais danos as bactérias podem provocar no indivíduo.

Os genes das nossas bactérias

Genes são possibilidades. Genes são informações. Genes podem impor algo a alguém de forma dominante ou oferecer uma capacidade. Acima de tudo, genes são projetos. Nada podem enquanto não são lidos e utilizados. Alguns desses projetos são incontornáveis: eles é que decidem se o indivíduo será um ser humano ou uma bactéria. Outros podem ser protelados (como as manchas senis), e outros ainda podem existir, mas não se tornar realidade (por exemplo, seios grandes). Para alguns, isso é bom; para outros, ruim. Juntas, todas as nossas bactérias intestinais somam 150 vezes mais genes do que um ser humano. Essa enorme coleção de genes é chamada de microbioma. Se pudéssemos selecionar 150 seres vivos diferentes, cujos projetos genéticos de construção gostaríamos de ter, o que escolheríamos? Alguns pensariam na força de um leão, nas asas dos pássaros, na capacidade auditiva dos morcegos ou nas práticas casas de camping dos caramujos. É mais prático apropriar-se dos genes de bactérias, e as razões para tanto são não apenas de ordem óptica. Eles são confortavelmente recebidos através da boca, desenvolvem suas capacidades no intestino e, ao mesmo tempo, adaptamse à nossa vida. A longo prazo, ninguém precisa de uma casa de camping como o caramujo, tampouco do auxílio digestivo do leite materno, que, aliás, desaparece aos poucos com o fim da amamentação. Ainda não é possível observar todos os genes das bactérias intestinais ao mesmo tempo. Em contrapartida, é possível procurar genes isolados de maneira bastante específica quando são conhecidos. E podemos demonstrá-lo: nos bebês, há mais genes ativos para a digestão do leite materno do que nos adultos. No intestino de pessoas acima do peso, geralmente se encontram mais genes bacterianos destinados à fragmentação dos carboidratos; em pessoas mais velhas, menos genes bacterianos que combatem o estresse; em Tóquio, são capazes de quebrar algas marinhas, mas em Pforzheim, na Alemanha, não. As bactérias de nosso intestino dão informações genéricas sobre quem somos: jovens, gordos ou asiáticos. Os genes das nossas bactérias intestinais também informam sobre o que somos capazes de fazer. Para algumas pessoas, o analgésico Paracetamol pode ser mais nocivo do que para outras: algumas bactérias intestinais produzem uma substância que influencia o fígado em seu trabalho de desintoxicação do analgésico. É no abdômen que se decide se podemos tomar comprimido para dor de cabeça sem hesitar. Cuidado semelhante nos é oferecido pelas dicas gerais de alimentação: o efeito protetor da soja contra câncer de próstata, angiopatias ou problemas nos ossos já está comprovado. Mais de 50% dos asiáticos se beneficiam dele. Entre as populações ocidentais, esse efeito se encontra apenas em 25% a 30%. A explicação para isso não está nas diferenças genéticas, e sim em determinadas bactérias, que predominam em intestinos asiáticos e conseguem arrancar de tofu e companhia as essências mais saudáveis. Para a ciência, é ótimo encontrar genes isolados de bactérias, responsáveis por esse efeito de proteção. Nesse caso específico, já foi respondida a pergunta: “Como as bactérias intestinais influenciam nossa saúde?” No entanto, queremos mais. Queremos entender o macrocosmo. Se observarmos ao mesmo tempo todos os genes de bactérias conhecidos até o momento, pequenos grupos isolados de genes, responsáveis pelo processamento de analgésicos ou produtos à base de soja, caem para segundo plano. Ao final, predominam as semelhanças: todo microbioma contém muitos genes para a fragmentação de carboidratos e proteínas ou para a produção de vitaminas. Em geral, uma bactéria possui alguns milhares de genes; cada intestino contém até cem trilhões de bactérias. As primeiras avaliações das coleções de nossos genes bacterianos não podem ser representadas em diagramas circulares ou em forma de barras. Os primeiros diagramas feitos pelos pesquisadores de microbiomas parecem arte moderna. Com o microbioma, a ciência tem um problema que é justamente o mesmo da geração Google. Fazemos perguntas, e seis milhões de fontes nos respondem simultaneamente. E, nesse caso, não dá para dizer: “Por favor, um de cada vez.” Temos de fazer uma seleção inteligente, substanciosa, e reconhecer padrões importantes. Um primeiro passo nessa direção foi a descoberta de três enterotipos, em 2011. Na época, pesquisadores de Heidelberg examinaram a paisagem bacteriana com a técnica mais moderna. Esperava-se o quadro habitual: misturas caóticas de todas as bactérias possíveis e um grande torrão de espécies desconhecidas. O resultado foi surpreendente. Apesar da multiplicidade, havia certa ordem. Uma das três famílias de bactérias formava sempre a maioria no reino das bactérias. Portanto, a gigantesca confusão, composta de mais de mil famílias, pareceu repentinamente mais ordenada.

Os três tipos de intestino

 O tipo de intestino a que cada um de nós pertence depende da família de bactérias em maior quantidade em sua população. À nossa escolha estão famílias com belos nomes: bacteroides, prevotella ou ruminococcus. Pesquisadores encontraram esses chamados enterotipos entre asiáticos, americanos e europeus, independentemente de idade e sexo. Dependendo do tipo de intestino que se tenha, talvez no futuro seja possível chegar a uma série de características, como o aproveitamento da soja, nervos fortes ou a presença de determinadas doenças. Na época da pesquisa, representantes da medicina tradicional chinesa visitaram o instituto em Heidelberg. Viram uma possibilidade de unir suas teorias antigas à medicina moderna. Na medicina chinesa clássica, o ser humano é desde sempre dividido em três grupos, conforme responda a determinadas plantas oficinais, como o gengibre. As famílias de bactérias do nosso corpo têm características diferentes. Partem o alimento de modo diferente, produzem substâncias diversas e desintoxicam determinadas toxinas. Além disso, poderiam agir sobre a flora intestinal estimulando ou combatendo outras bactérias.

Bacteroides

Os bacteroides são a família mais conhecida no intestino e costumam formar a fração maior. São mestres em quebrar carboidratos e possuem uma enorme coleção de projetos genéticos de construção, com os quais, em caso de necessidade, podem produzir toda sorte de enzima de clivagem. Quer comamos um bife ou uma salada grande, ou mastiguemos um tapete de ráfia depois de encher a cara, os bacteroides vão verificar de imediato quais enzimas são necessárias. Pouco importa o que venha; elas estarão armadas para produzir energia com o que receberem. Graças à sua capacidade de retirar o máximo de tudo e transmiti-lo a nós, suspeita-se que, mais do que outras bactérias, nos façam ganhar peso com mais facilidade. De fato, os bacteroides parecem gostar de carne e gorduras saturadas. No intestino de pessoas que comem muita salsicha e companhia, aparecem com mais frequência. Será que engordam ou chegam a nós através da gordura? Essa pergunta ainda não foi respondida. Supõe-se que quem abriga bacteroides tenha uma quedinha por seus colegas, os parabacteroides, que também são muito hábeis em nos transmitir muitas calorias. Esse enterotipo também chama atenção pelo fato de produzir muita biotina. Outros conceitos para a biotina são a vitamina B7 ou a vitamina H, que nos anos 1930 foi responsável pela cura de uma doença de pele causada pelo consumo excessivo de clara de ovo crua. A vitamina H neutraliza uma toxina encontrada em ovos crus: a avidina. A doença de pele só ocorre devido à insuficiência de vitamina H. Por sua vez, essa insuficiência ocorre porque o indivíduo está ocupado em neutralizar a avidina. Portanto, o consumo de clara de ovo crua causa a falta de vitamina H, que pode levar a uma doença de pele. Não sei quem, no passado, comia tantos ovos crus para conseguir chegar a essa conclusão. No futuro, quem seria capaz de ingerir tanta avidina a ponto de apresentar insuficiência de vitamina H? A resposta já pode ser dada: porcos que venham a se perder em uma plantação de milho geneticamente modificado. Para tornar o milho menos suscetível a pragas, foram aplicados nele genes que o ajudam a produzir avidina. Se pragas ou porcos ingênuos ingerirem o milho, vão se intoxicar. Contudo, tão logo esse milho seja cozido, no quesito avidina passa a ser tão aproveitável quanto um ovo cozido no café da manhã. O fato de nossos micróbios intestinais serem capazes de produzir um pouco de vitamina H é sabido porque algumas pessoas a eliminam mais do que a consumiram. Como nenhuma célula humana a produz, restam apenas nossas bactérias como fabricantes clandestinos. Precisamos dessa vitamina não apenas para ter “pele bonita, cabelos sedosos e unhas firmes”, conforme recomendado na embalagem de alguns comprimidos vendidos nas drogarias. A biotina participa de um processo metabólico de importância elementar: com ela, produzimos carboidratos e gorduras para nosso corpo e decompomos proteínas. Além de problemas de pele, cabelos e unhas, a falta de biotina também pode, por exemplo, provocar depressão, sonolência, suscetibilidade a infecções, distúrbios nervosos e aumento dos níveis de colesterol. Vale aqui chamar a ATENÇÃO em letras garrafais: toda vitamina, quando insuficiente, apresenta uma lista de sintomas impressionante. É bem provável que nos sintamos sempre afetados ao ler essa lista. Contudo, é importante saber que também podemos pegar um resfriado ou nos sentirmos um tanto letárgicos sem sofrermos de carência de biotina. E, naturalmente, é mais fácil ter um nível alto de colesterol depois de ingerir uma boa porção de bacon do que após comer um ovo não muito bem cozido no café da manhã, contendo avidina. Contudo, quem se encaixa em um grupo de risco pode pensar em falta de biotina. É o caso de quem toma antibióticos por muito tempo, de quem bebe muito álcool, de quem teve parte do intestino delgado retirada, de quem precisa fazer hemodiálise ou tomar determinados medicamentos. Essas pessoas precisam de mais biotina do que conseguem absorver através da alimentação. Um grupo de risco “saudável” são as grávidas: os bebês puxam sua biotina como uma geladeira velha puxa energia. Ainda não se pesquisou a fundo em nenhum estudo em que medida nossas bactérias intestinais nos disponibilizam biotina. Sabemos que elas a produzem e que substâncias bactericidas, como os antibióticos, podem levar à sua carência. Seria um projeto de pesquisa muito interessante investigar se alguém com o enterotipo prevotella tende a sofrer uma carência maior de biotina do que alguém povoado por bacteroides. Como só conhecemos os enterotipos desde 2011, certamente ainda há perguntas a serem respondidas antes. Os bacteroides são bem-sucedidos não apenas pelo fato de terem um bom “output”, mas também porque colaboram com outros colegas. Há espécies que só se mantêm no intestino porque removem o lixo produzido pelos bacteroides. Estes conseguem trabalhar melhor em um ambiente organizado, e os responsáveis pela remoção do lixo têm uma fonte de renda garantida. Um nível adiante vêm os composteiros, que não apenas reaproveitam o lixo, mas também produzem elementos a partir dele, que os bacteroides poderão reutilizar. Porém, em algumas vias do metabolismo, os próprios bacteroides também fazem as vezes de composteiros: quando precisam de um átomo de carbono para alterar alguma coisa, simplesmente o apanham no ar dentro do intestino. Desse modo, sempre encontram alguma coisa. Em nosso metabolismo, o carbono surge como resíduo.

Prevotella

A família prevotella costuma ser o contrário dos bacteroides. De acordo com alguns estudos, ela aparece com maior frequência em vegetarianos, mas também em pessoas que não exageram no consumo de carne ou em amantes desse alimento. O que comemos não é o único fator a desempenhar um papel na colonização de nosso intestino. Em breve falaremos mais a respeito. As prevotella também têm colegas bacterianos com os quais gostam de trabalhar: os desulfovibrionales, muitas vezes providos de longos cílios propulsores, com os quais conseguem se movimentar. Tal como a prevotella, são bons em esquadrinhar nossa mucosa à procura de proteínas úteis, que posteriormente poderão lhe servir de alimento ou material para construírem sabe-se lá o quê. Do trabalho das prevotella resultam compostos de enxofre. Conhecemos seu odor graças aos ovos cozidos. Se os desulfovibrionales não circulassem e reunissem rapidamente o que é produzido, as prevotella logo ficariam confusas em seu próprio pântano de enxofre. Aliás, esse gás não é nocivo à saúde. Nosso nariz não gosta dele por precaução, pois, em uma concentração mil vezes maior, aos poucos se tornaria perigoso... Também contendo enxofre e acompanhada de um odor interessante é a típica vitamina desse enterotipo: a tiamina ou vitamina B1, uma das mais conhecidas e importantes. Nosso cérebro precisa dela não apenas para alimentar bem as células nervosas, mas também para envolvê-las externamente com uma capa de gordura que atua como isolante elétrico. Por isso, a falta de tiamina é uma das possíveis causas para músculos trêmulos e esquecimento. Indivíduos com uma forte carência de vitamina B1 contraem a doença beribéri, descrita no território asiático já em 500 d.C. Traduzido, o termo beribéri significa “não consigo, não consigo”, ou seja, as pessoas afetadas por essa enfermidade já não conseguem caminhar eretas devido aos nervos danificados e à atrofia muscular. Nesse meio-tempo, descobriu-se que o arroz polido não contém vitamina B1. Em uma alimentação irregular, a falta de vitamina B1 pode levar aos primeiros sintomas em poucas semanas. Além dos distúrbios nervosos e de memória, uma carência menos grave pode estimular levemente cefaleias frequentes ou problemas de concentração; em casos avançados, tende-se a edemas e insuficiência cardíaca. Mas aqui também vale a seguinte observação: esses problemas podem ter muitas causas. São mais preocupantes quando ocorrem com uma frequência ou uma intensidade considerável, e é raro que se baseiem exclusivamente na falta de vitamina. Os sintomas da carência ajudam a entender sobretudo do que as vitaminas participam de maneira geral. Quem não se alimenta exclusivamente de arroz polido ou álcool está bem suprido na maioria dos casos. O fato de nossas bactérias intestinais nos ajudarem em nossa manutenção faz delas muito mais do que um monte de peidos propulsores de enxofre – e isso é que é emocionante.

Ruminococcus

Nessa família, as opiniões se dividem, pelo menos as dos cientistas. Alguns, que verificaram por si próprios a existência dos enterotipos, conseguiram encontrar apenas prevotella e bacteroides, mas nenhum grupo de ruminococcus. Outros juram que encontraram o terceiro, e outros ainda acham que haveria um quarto, quinto grupo etc., composto de outras famílias de bactérias. Esse tipo de discussão pode muito bem acabar com a pausa do café de alguém em meio a um congresso. Entremos em acordo: talvez esse grupo exista. Sugestão de seu prato preferido: parede celular de vegetais. Eventuais colegas: bactérias akkermansia, que decompõem a mucosa e absorvem o açúcar com bastante rapidez. Como substância, as bactérias da família ruminococcus geram heme, necessária no corpo, por exemplo, quando se produz sangue. Supostamente, quem teve problemas com a produção de heme foi o conde Drácula. Na Romênia, sua terra natal, é conhecido um defeito genético com os seguintes sintomas: intolerância ao alho e à luz solar e produção de urina vermelha. A urina vermelha ocorre porque a produção de sangue não funciona e a pessoa afetada elimina através dela produtos intermediários inacabados. Contudo, a conclusão na época foi a seguinte: quem urina vermelho é porque bebeu sangue. Atualmente, pessoas com essa doença são tratadas e não se tornam os atores principais de uma história de terror. Mesmo que não haja nenhum grupo de ruminococcus, essas bactérias aparecem em nosso intestino. Por isso, mal não faz se agora soubermos um pouco mais a respeito delas, bem como sobre o Drácula e as nuanças da urina. Camundongos sem nenhuma bactéria intestinal apresentam, por exemplo, problemas na formação de heme. Portanto, o fato de as bactérias serem importantes a esse respeito não é loucura. Agora já conhecemos melhor o pequeno mundo dos micróbios intestinais. Seus genes são um banco gigantesco de capacidades emprestadas. Ajudam-nos na digestão, produzem vitaminas e outras substâncias úteis. Começamos a selecionar enterotipos e a procurar padrões. Fazemos isso por uma razão: cem trilhões de pequenos seres vivos residem em nosso abdômen, e é evidente que não passam por nós sem deixar rastros. Vale a pena dar um passo adiante rumo aos efeitos perceptíveis e observar melhor como essas bactérias intestinais interferem em nosso metabolismo, quais nos fazem bem e quais causam danos.

O papel da flora intestinal

Às vezes, contamos grandes mentiras aos nossos filhos. Como a do homem barbudo que dá presentes uma vez por ano a todas as crianças que se comportaram direitinho e sai voando pelos ares, puxado por suas renas turbinadas. Ou a do coelhinho da Páscoa, que esconde ovos no jardim. Às vezes nem sequer nos damos conta quando não dizemos a verdade. Como no caso do típico ritual da refeição: “Uma colher para a titia. Uma colher para o titio. Outra para a mamãe, outra para a vovó...” Do ponto de vista científico, quem quiser distrair seu bebê corretamente durante as refeições deveria dizer: “Uma colher para você, meu bebê. Outra pequena parte da próxima colher vai para suas bactérias bacteroides. Outra parte igualmente pequena, para as bactérias prevotella. E depois mais outra minúscula para alguns micro-organismos que estão morando na sua barriga e esperando pela comida.” Também se poderia dar um alô amigável para os microcolegas que, dentro do abdômen, ajudam na refeição. De fato, bacteroides e companhia ajudam a alimentar nosso bebê com diligência. E isso não apenas quando são lactentes. Também o indivíduo adulto é alimentado, bocado por bocado, por suas bactérias intestinais. Elas trabalham o alimento, que, do contrário, não seríamos capazes de decompor, e dividem o que sobra conosco. Já faz alguns anos que se questiona se as bactérias intestinais influem em nosso metabolismo de modo geral, contribuindo, assim, para regular também nosso peso. Em primeiro lugar, vale considerar o conceito básico: se as bactérias se alimentam conosco, dentro de nosso corpo, não estão roubando nada de nós. As bactérias intestinais mal permanecem no intestino delgado, onde nós próprios decompomos e absorvemos o alimento. As maiores concentrações de bactérias estão onde a digestão já terminou e para onde somente o que ainda não foi digerido será transportado. Quanto mais próximo do ânus se chega, partindo do intestino delgado, mais bactérias se encontrarão por centímetro quadrado na mucosa intestinal. E nosso intestino faz com que essa distribuição permaneça assim. Se o equilíbrio é perturbado e as bactérias passeiam pelo intestino delgado, animadas e em grande número, tem-se o que chamamos de bacterial overgrowth, ou seja, um supercrescimento bacteriano. Sintomas e consequências dessa síndrome ainda relativamente inexplorada podem ser flatulência intensa, dores abdominais, dores nas articulações, inflamações intestinais ou ainda deficiência nutricional e anemia. Em ruminantes como as vacas, a organização é exatamente oposta. Embora sejam de grande porte, esses animais se mantêm muito bem comendo apenas capim e outros vegetais. Nenhum outro animal faria piadinhas veganas sobre eles. Seu segredo? As bactérias das vacas residem lá em cima, no topo do tubo digestivo. As próprias vacas nem tentam digerir seu alimento; apenas transferem rapidamente os complicados carboidratos dos vegetais que ingeriram para os bacteroides e companhia. Com o que recebem, estes preparam um banquete de fácil digestão. É prático ter as próprias bactérias no topo do tubo digestivo. Bactérias são ricas em proteínas – portanto, tecnicamente falando, são como bifes pequenos. Depois de perderem a utilidade no estômago da vaca, deslizam para baixo, onde são digeridas. Assim, a vaca conta com uma incrível fonte de proteína: minúsculos bifes microbianos, de criação própria. Para esse prático steakservice, nossas bactérias intestinais encontram-se muito longe no intestino, e as eliminamos sem que elas sejam digeridas.

Como nós, os roedores também trazem seus micróbios na outra ponta do intestino, mas apenas a contragosto deixam as proteínas das bactérias escaparem. Por isso, comem o próprio excremento. Não fazemos isso, mas vamos ao supermercado e compramos carne ou tofu – para compensar o fato de não sermos capazes de aproveitar no intestino grosso as bactérias ricas em proteínas. Contudo, não deixamos de nos beneficiar de seu trabalho, mesmo quando não as digerimos: as bactérias produzem nutrientes tão pequenos que podemos absorvê-los através de nossas células intestinais. De resto, também conseguem fazer isso fora do intestino. O iogurte nada mais é do que o leite pré-digerido por bactérias. O açúcar do leite (lactose) é quebrado em partes grandes e convertido em ácido lático (lactato) e moléculas menores de açúcar. De modo geral, isso torna o iogurte mais ácido e doce do que o leite. O ácido recém-formado também tem outro efeito: através dele, a proteína do leite coagula, deixando o leite mais sólido. Por isso, o iogurte tem outra consistência. O leite pré-digerido (iogurte) poupa trabalho a nosso corpo – só temos de continuar a digeri-lo. Ao mesmo tempo, é inteligente deixar a pré-digestão por conta dessas bactérias, que fabricam produtos finais bastante saudáveis. Por isso, produtores de iogurte menos rigorosos costumam utilizar mais ácidos láticos “dextrogiros” do que “levogiros”. O ácido lático levogiro é uma molécula exatamente contrária à dextrogira. Para as enzimas digestivas do ser humano, seria como dar uma tesoura de canhoto para alguém acostumado a usar a mão direita, e o resultado é que a digestão é dificultada. Por isso, no supermercado, é mais recomendável comprar iogurtes que apresentem em sua lista de ingredientes algo como: “... predominância de ácido lático dextrogiro”. As bactérias não apenas decompõem nossa comida; elas também produzem novas substâncias. O repolho branco, por exemplo, tem menos vitaminas do que o chucrute em que é transformado posteriormente – as bactérias produzem as vitaminas adicionais. No queijo, as bactérias e os fungos são responsáveis pelo sabor, pela consistência cremosa e pelos buracos. E no salsichão lionês ou no salame com frequência são acrescentadas culturas starters, expressão que significa: “Mal ousamos dizer, mas apenas as bactérias (sobretudo as do gênero estafilococo) deixam esses alimentos deliciosos.” No vinho ou na vodca, apreciamos um produto final do metabolismo da levedura, chamado álcool. Porém, nem de longe o trabalho dos micro-organismos termina no barril. Quase tudo que um degustador de vinhos lhes conta não está na garrafa. Sabores prolongados, como o “declive do vinho”, recebem essa descrição porque as bactérias precisam de tempo para seu trabalho. Encontram-se na região posterior da nossa língua, onde alteram a comida e a bebida. Aquilo que liberam nesse processo já produz um retrogosto. Cada gourmet conhecedor de vinhos sentirá um gosto ligeiramente diferente, dependendo das bactérias que tiver na língua. Mesmo assim, é gentil de sua parte falar-nos de seus micróbios. Afinal, quem é que faz isso hoje em dia, e com tanto orgulho? Em nossa boca vivem cerca de dez milésimos das bactérias existentes no intestino, e apesar disso já sentimos o gosto do seu trabalho. Nosso tubo digestivo pode ficar muito grato por possuir uma população tão grande com as mais diferentes capacidades. Enquanto a simples glicose ou o açúcar da fruta são de fácil digestão, alguns intestinos já se cansam com a digestão da lactose, ou seja, do açúcar do leite. Seus proprietários sofrem, então, de intolerância à lactose. Com carboidratos vegetais complicados, o intestino poderia se ver em maus lençóis e, para cada um deles, precisaria ter à disposição a enzima adequada para decompô-los. Nossos micróbios são especialistas nessas substâncias. Damos a eles abrigo e resto de comida, e eles se ocupam de toda a tralha, que é complicada demais para nós. Noventa por cento da alimentação ocidental consiste em alimentos ingeridos; os outros 10% vêm do que nossas bactérias nos fornecem diariamente. Após nove almoços, o próximo prato principal sai, por assim dizer, por conta da casa. A nutrição dos adultos é uma das principais ocupações de algumas de nossas bactérias. Nesse processo, pouco importa o que comemos – tampouco quais bactérias nos nutrem. Em outros termos: quando se trata de peso, deve-se pensar não apenas em gordura calórica, mas também no mundo bacteriano, que sempre está sentado à mesa de refeição.

Como as bactérias podem nos fazer engordar? Três hipóteses

1-

A flora intestinal contém muitas bactérias engordativas, que são eficientes na quebra dos carboidratos. Quando elas se multiplicam em demasia, temos um problema. Camundongos esguios eliminam uma parte determinada de calorias indigeríveis; já seus colegas gordos o fazem claramente menos. Sua flora intestinal engordativa tira o último fiapinho da mesma comida e, toda feliz, alimenta o senhor/a senhora camundongo. No caso dos seres humanos, isso pode significar que alguns ganhem incômodos pneuzinhos, mesmo não tendo comido mais do que outros. Isso porque, eventualmente, sua flora intestinal tira mais do alimento. Como isso é possível? A partir de carboidratos indigeríveis, as bactérias podem produzir diversos ácidos graxos: as que gostam de legumes produzem mais ácidos graxos para o intestino e o fígado; outras produzem ácidos graxos que também ajudam a nutrir o restante do nosso corpo. Por isso, uma banana pode engordar menos do que uma barra de chocolate com a mesma quantidade de calorias – carboidratos vegetais ativam mais a atenção dos provedores locais do que os alimentadores do corpo inteiro. Em estudos com pessoas acima do peso, constatou-se que, de modo geral, sua flora intestinal apresenta menos variedade e uma prevalência de determinados grupos de bactérias, que metabolizam sobretudo os carboidratos. No entanto, para chegar ao sobrepeso com êxito, é preciso que haja outros fatores. Em experimentos com camundongos de laboratório, alguns animais passaram a pesar 60% mais do que no início. “Alimentadores” não conseguem fazer isso sozinhos. Por esse motivo, empregou-se outro marcador para o sobrepeso elevado: a inflamação.

2-

 Em problemas com o metabolismo, como sobrepeso, diabetes e níveis altos de gordura no sangue, na maioria das vezes podem-se encontrar marcadores ligeiramente elevados de inflamação no sangue. Os valores não são tão altos a ponto de requererem tratamento, como no caso de uma ferida grande ou de uma intoxicação sanguínea. Por isso, esse fenômeno é chamado de “inflamação subclínica”. Se existem especialistas em inflamações são as bactérias. Em sua superfície encontra-se um sinal químico que diz ao corpo: “Inflame-se!” Em feridas, esse mecanismo é útil: através da inflamação, as bactérias são lavadas e combatidas. Enquanto houver bactérias na mucosa intestinal, o sinal químico não desperta interesse em ninguém. Quando as combinações de bactérias são ruins e os alimentos, muito gordurosos, os sinais químicos no sangue são muitos. Nosso corpo entra em um ligeiro modo de inflamação. Nesse caso, algumas reservas de gordura para períodos difíceis não farão mal. Os sinais químicos das bactérias também podem acoplar-se a outros órgãos e influir no metabolismo: em roedores e seres humanos, prendem-se ao fígado ou ao tecido adiposo, neles estimulando o armazenamento de gordura. Igualmente interessante é o efeito na tiroide – substâncias bacterianas e inflamatórias dificultam seu trabalho, de modo que menos hormônios podem ser produzidos. Por isso, a queima de gordura é mais lenta. Em vez de fortes infecções, que enfraquecem o corpo e o emagrecem, a inflamação subclínica o engorda. Vale lembrar que não apenas as bactérias podem causar inflamação subclínica. Descompensação hormonal, excesso de estrogênio, falta de vitamina D ou alimentação com excesso de glúten também foram observados como possíveis causas.

3-

Atenção: é extraordinário! Segundo uma hipótese postulada em 2013, bactérias intestinais são capazes de influir no apetite de seus proprietários. Para dizer em termos genéricos: nem sempre aquela vontade louca de comer, às dez da noite, bala de caramelo coberta de chocolate e depois mais um pacote de pretzel salgado surge no mesmo órgão que calcula nossa declaração do imposto de renda. Não é no cérebro, e sim no abdômen que reside uma fração de bactérias que pede hambúrguer depois de passar os últimos três dias sob uma dieta forçada. De certo modo, ela age com tanto charme que dificilmente conseguimos lhe recusar um desejo. Para entender essa hipótese, é preciso familiarizar-se com o tema “comida”. Quando podemos escolher entre diversos pratos, geralmente optamos conforme nossa vontade. O quanto comemos depois é determinado pela sensação de saciedade. Teoricamente, as bactérias têm meios de influenciar ambas: a vontade e a saciedade. Como já dito, no momento, apenas se supõe que elas também possam dar um palpite quando se trata do nosso apetite. No entanto, essa suposição não seria totalmente despropositada – afinal, no mundo delas, o que e quanto comemos podem significar vida ou morte. Em três milhões de anos de coevolução, bactérias simples também tiveram tempo para se adaptar da melhor maneira ao mundo humano. Para produzir vontade de determinada comida, é preciso chegar ao cérebro. E isso é difícil. O cérebro é embrulhado em uma meninge firme. Mais impermeáveis do que essa meninge são as capas que envolvem todos os vasos que percorrem o cérebro. Por esse emaranhado passam apenas açúcar puro, minerais e tudo que for tão pequeno e lipossolúvel quanto um sinal químico neuronal. A nicotina, por exemplo, pode entrar e desencadear sensações de compensação ou um estado relaxado de vigília. Bactérias são capazes de produzir essas pequenas coisas que chegam ao cérebro apesar do envoltório dos vasos sanguíneos. Por exemplo, a tirosina e o triptofano. Nas células do cérebro, esses dois aminoácidos são convertidos em dopamina e serotonina. Dopamina? Bom, é daí que surge a palavra-chave centro de compensação. Serotonina? Também já ouvimos falar dela. Quando insuficiente, leva à depressão. Pode causar satisfação e sono. Agora, por favor, pensem no último grande prato da ceia de Natal. Não é para ficar deitado no sofá, satisfeito, com preguiça e sono? Portanto, a teoria é a seguinte: nossas bactérias nos compensam quando recebem uma boa carga de comida. Isso é agradável e dá vontade de comer determinadas coisas. Não apenas por suas substâncias, mas também porque elas impulsionam nossos próprios transmissores. Esse princípio vale igualmente para a saciedade. Em vários estudos foi possível demonstrar que nossos sinais químicos de saciedade se elevam com visível intensidade quando comemos de maneira conveniente às bactérias, ou seja, quando ingerimos alimentos que chegam indigeridos ao intestino grosso e nele podem ser consumidos por elas. Por incrível que pareça, macarrão e torrada não estão entre esses alimentos ;-) Mais a respeito na página 263 (na seção Prebióticos). De modo geral, a saciedade é sinalizada por dois lados: pelo cérebro e pelo restante do corpo. A esse respeito, muita coisa pode dar errado: genes responsáveis pela saciedade podem ser defeituosos em pessoas acima do peso; eles simplesmente não conseguem evocar a sensação de saciedade. Segundo a teoria do “cérebro egoísta”, o cérebro não recebe uma parte suficiente do alimento e, por isso, decide que ainda não está satisfeito. Mas não apenas os tecidos do corpo e o órgão responsável pelo raciocínio dependem da nossa comida – nossos micróbios também querem ser alimentados. Parecem relativamente pequenos e insignificantes – são dois quilos de bactérias no intestino. O que têm a reclamar? Quando pensamos em quantas funções tem nossa flora intestinal, parece evidente que ela também possa manifestar seus desejos. Afinal, suas bactérias são os treinadores mais importantes do sistema imunológico, ajudam na digestão, produzem vitaminas e são mestres na desintoxicação de bolor de pão e medicamentos. Obviamente, a lista é muito mais longa, mas a mensagem aqui é clara: quando o assunto é saciedade, deveriam ter direito à palavra. Ainda não se sabe se determinadas bactérias manifestam desejos diferentes. Quem passa muito tempo sem comer doces já não sente tanta falta deles em algum momento. Será que o lobby dos chocolates e balas de goma morreria de fome por causa disso? A esse respeito, só podemos tecer suposições. Sobretudo, não se deve imaginar o corpo como uma figura de efeito bidimensional. O cérebro, o restante do corpo, as bactérias e os componentes do alimento interagem em quatro dimensões. Em geral, entender melhor todos os eixos certamente nos leva adiante. Contudo, é mais fácil ajustar as bactérias do que nosso cérebro ou nossos genes – e é isso que as torna tão emocionantes. O alimento que elas nos dão é interessante não apenas para o pneuzinho da barriga e o culote na coxa; elas também têm sua participação, por exemplo, quando se trata dos níveis de gordura no sangue, como o colesterol e companhia. Esse reconhecimento comporta um tema explosivo da atualidade: sobrepeso e nível elevado de colesterol estão ligados aos grandes problemas de saúde de nosso tempo, que são pressão alta, arteriosclerose e diabetes.

Colesterol e bactérias intestinais

A relação entre bactérias e colesterol foi descoberta nos anos 1970. Pesquisadores americanos examinaram guerreiros africanos da tribo massai e se espantaram com seus baixos níveis de colesterol, pois eles praticamente se alimentavam apenas de carne e bebiam leite como se fosse água. No entanto, esse excesso de gordura animal não levou a valores elevados de gordura no sangue. Os cientistas imaginavam que uma misteriosa substância no leite fosse a responsável por manter baixos os níveis de colesterol. No período subsequente, fizeram de tudo para encontrar essa substância. Além do leite das vacas, foram testados o de camelos e ratos. Às vezes dava certo baixar o nível de colesterol; outras vezes não. Com esse resultado, os pesquisadores não conseguiram chegar a nenhuma conclusão. Em outra tentativa, em vez do leite, ofereceu-se aos massais um substituto vegetal (Coffeemate) com elevada adição de colesterol; porém, o nível de colesterol dos participantes não aumentou. Os cientistas consideraram esse resultado uma refutação de sua hipótese do leite. Ao mesmo tempo, registraram com esmero que os massais bebiam seu leite “coalhado”. Mas ninguém pensou no fato de que são necessárias determinadas bactérias para coalhar o leite. Esta seria também uma explicação lógica para a tentativa feita com o Coffeemate. Afinal, bactérias pré-instaladas também podem continuar vivendo no intestino quando se passa a consumir um substituto vegetal do leite com colesterol. Mesmo que o nível de colesterol dos massais se reduzisse 18% quando eles bebiam leite “coalhado” em vez de leite normal, os pesquisadores continuaram a buscar a misteriosa substância láctea. Esforço cego sem sucesso. Esses estudos com os massais já não satisfariam as exigências atuais. Os grupos testados eram muito pequenos. Os massais caminham diariamente cerca de treze horas e todos os anos jejuam por meses – não se pode compará-los com europeus consumidores de carne. Contudo, décadas depois, os resultados desses estudos foram redescobertos por pesquisadores que, nesse meio-tempo, haviam adquirido uma consciência bacteriana. Bactérias que reduzem o colesterol? Por que não testá-las em laboratório? Basta um alambique com um caldo de nutrientes à agradável temperatura de 37°C, mais colesterol e bactérias – et voilà. A bactéria utilizada foi a Lactobacillus fermentus, e o colesterol adicionado... sumiu. Pelo menos uma parte considerável dele. Experimentos podem terminar de maneira bem diferente, conforme tenham sido realizados em um alambique de vidro ou em opistocontes. Sinto-me em uma montanha-russa quando leio em artigos científicos frases como: “A bactéria L. plantarum Lp91 pode reduzir visivelmente níveis elevados de colesterol e outros valores de gordura no sangue, aumenta o bom HDL e leva a taxas baixas de arteriosclerose, como foi possível demonstrar com êxito em 112 hamsters sírios.” Eu nunca tinha ficado tão decepcionada com os hamsters sírios. Experimentos em animais são o primeiro caminho para testar o sistema vivo. Se no artigo estivesse escrito: “Como foi possível demonstrar com êxito em 112 americanos acima do peso”, o efeito seria bem mais impressionante. Apesar disso, esse tipo de resultado é muito valioso. Estudos em camundongos, ratos e porcos mostraram resultados tão bons no que se refere a alguns tipos de bactérias que se achou pertinente realizá-los em seres humanos. Neles se injetaram regularmente bactérias e, após certo tempo, seu nível de colesterol foi medido. Com frequência, os tipos de bactérias utilizados nesse teste, a quantidade, a duração e o tipo de ingestão eram completamente diferentes. Ora os estudos tinham êxito, ora não. Além disso, ninguém sabia de fato se as bactérias oferecidas sobreviveriam ao ácido gástrico para conseguir influir no nível de colesterol. Estudos realmente bons existem há poucos anos. Para um estudo realizado em 2011, 114 canadenses ingeriram duas vezes por dia um iogurte preparado especialmente para eles. A bactéria acrescentada era a Lactobacillus reuteri, em uma forma bastante resistente à digestão. Em seis semanas, o colesterol ruim LDL baixou em média 8,91%. Isso representa cerca da metade do efeito alcançado com a ingestão de um medicamento leve contra o colesterol – porém, sem os efeitos colaterais. Em outros estudos, os valores do colesterol chegaram a cair de 11% a 30% com outras cepas de bactérias. Ainda faltam estudos subsequentes para verificar os resultados bem-sucedidos. Há várias centenas de bactérias candidatas que poderiam ser testadas no futuro. Para selecioná-las, é preciso perguntar-se: quais capacidades deve ter esse tipo de bactéria? Ou melhor: quais genes? O principal candidato no momento são os genes BSH, cuja sigla significa “Bile Salt Hydroxylase”. Traduzindo: as bactérias com esses genes podem alterar sais biliares. O que eles têm a ver com o colesterol? A resposta está no nome. O termo colesterol consiste nos componentes “col(e)”, para fígado, e “stereos”, para sólido. Quando se descobriu o colesterol, encontraram-se pedras biliares. Em nosso corpo, a bile é o meio de transporte para gorduras e colesterol. Através do BSH, as bactérias podem trabalhar a bile de forma que ela piore seu funcionamento. Na digestão, o colesterol dissolvido e a gordura na bile já não são absorvidos e, para dizer de modo grosseiro, vão parar na privada. Para as bactérias, esse mecanismo é útil. Com ele, elas enfraquecem a bile, que pode atacar a membrana de suas células, protegendo-se, assim, até finalmente chegarem ao intestino grosso. Mas ainda há uma porção de outros mecanismos utilizados pelas bactérias para lidar com o colesterol: elas podem absorvê-lo diretamente e integrá-lo às suas próprias paredes celulares; podem convertê-lo em uma nova substância ou manipular órgãos que produzem o colesterol. A maior parte dele é produzida no fígado e no intestino: neste, pequenas substâncias mensageiras das bactérias podem colaborar na regulação do trabalho. Agora é preciso ter um pouco de cautela e perguntar: será que o corpo quer mesmo sempre eliminar seu colesterol? Ele próprio produz de 70% a 95% de nosso colesterol – e isso é muito trabalho! Graças à sua presença unilateral na mídia, poderíamos imaginar que o colesterol é ruim por si só. Mas isso não é verdade. Colesterol demais não é algo maravilhoso, mas de menos também não. Sem colesterol, não teríamos nenhum hormônio sexual, nossas células seriam instáveis e sofreríamos de falta de vitamina D. Gordura e colesterol são assuntos não apenas para a vovó que gosta de beliscar tortas e salsichas. Interessa a todos nós. Em alguns estudos, colesterol de menos é associado a problemas de memória, depressão e comportamento agressivo. O colesterol é uma matéria-prima fabulosa, com a qual podem ser construídas coisas importantes. De fato, quando em excesso, é prejudicial – depende justamente do correto equilíbrio. Nossas bactérias não seriam nossas se não pudessem nos ajudar nesse trabalho. Algumas delas produzem mais do chamado propionato, que bloqueia a formação do colesterol. Outras produzem mais acetato, que estimula sua formação. Teríamos imaginado uma coisa dessas? Que em um capítulo que começa com pequenos e luminosos pontos de bactérias chegaríamos, a certa altura, a palavras como “vontade e saciedade” ou “colesterol”? Vou resumir: as bactérias ajudam a nos alimentar, tornam algumas substâncias mais digeríveis e produzem substâncias próprias. Com o tempo, alguns cientistas passaram a defender a teoria de que nossa microbiota intestinal pode ser vista como um órgão. Exatamente como os outros órgãos do nosso corpo, ela tem uma origem, desenvolve-se conosco, consiste em um acúmulo de células e está sempre ligada a seus companheiros de órgão.

Malfeitores – bactérias ruins e parasitas

 Há coisas boas e ruins no mundo – o mesmo se dá em nossos micróbios. As coisas ruins geralmente têm algo em comum: só querem o melhor... para si mesmas.

Salmonelas de chapéu

Ao quebrar ovos, às vezes o corajoso pioneiro da cozinha é acometido por um medo primitivo de uma ameaça crua: as salmonelas! Todo o mundo conhece uma ou duas pessoas que, depois de terem consumido um franguinho não muito bem passado ou beliscado massa crua, ganharam de presente árias infinitas de diarreia e vômito. As salmonelas podem chegar à nossa comida por caminhos inesperados. Algumas a alcançam, por exemplo, através da globalização da carne de galinha e dos ovos. Na Alemanha, funciona assim: raramente se conseguem os grãos que compõem a ração das galinhas por um preço tão bom como na África. Desse modo, eles acabam sendo importados. Porém, na África existem mais tartarugas e lagartos soltos do que na Alemanha. Por isso, as salmonelas viajam até a Europa junto com os grãos. Por quê? Essas bactérias são componentes normais da flora intestinal dos répteis. Portanto, depois que as tartarugas depositam tranquilamente seus excrementos no grão terceirizado que vai para a Alemanha, o lavrador africano faz a colheita. E após uma emocionante viagem de avião, com uma vista de tirar o fôlego, os grãos, acompanhados das bactérias presentes no excremento dos animais encouraçados, chegam às granjas alemãs, onde serão comidos por galinhas famintas. As salmonelas não são componentes naturais da flora intestinal das galinhas; ao contrário, costumam ser patogênicas nelas. Tendo chegado ao intestino desses animais, as salmonelas podem então se multiplicar e depois ser excretadas. Como as galinhas possuem apenas um orifício para eliminar o artigo de exportação de seu corpo, é inevitável que o ovo acabe entrando em contato com as salmonelas presentes no excremento. Por isso, inicialmente as salmonelas se encontram apenas na casca dos ovos; só penetram no ovo quando a casca é quebrada em algum ponto. Mas como as salmonelas passam do intestino para a carne das galinhas? É uma situação nada agradável. Normalmente, galinhas alimentadas com ração barata são levadas a grandes matadouros, onde passam por grandes tanques depois de terem sido mortas e degoladas. Esses tanques são, por assim dizer, territórios de bem-estar para as salmonelas, onde também se faz a lavagem intestinal das galinhas. Em um estabelecimento onde diariamente são abatidas duzentas mil galinhas, basta um carregamento de animais alimentados com ração barata para presentear o restante dos colegas com salmonela. Mais tarde, essas galinhas chegarão como mercadoria congelada e barata aos supermercados populares. Em galinhas assadas ou cozidas, as salmonelas não sobrevivem e não farão mal ao consumidor. Na maioria dos casos, a carne bem cozida não desencadeia uma infecção por salmonela. Só se torna um problema quando o franguinho congelado é confortavelmente posto para descongelar em pias ou escorredores. As bactérias podem muito bem ser congeladas e depois descongeladas. A gigantesca biblioteca de bactérias em nosso laboratório consiste em uma coleção de curiosos germes de pacientes que suportaram tranquilamente temperaturas de – 80°C e, depois do descongelamento, continuaram a viver na maior alegria. Só morrem com o calor – dez minutos a 75°C são suficientes para nocautear todas as salmonelas. Por isso, não é o franguinho cuidadosamente bem passado que vai se transformar na desgraça de alguém, e sim a alface rapidamente colocada na mesma pia. Só percebemos que entramos regularmente em contato com a flora intestinal dos animais que consumimos quando neles há bactérias muito estranhas e que causam diarreia. Todo o restante é, por assim dizer, rotina; afinal, de algum lugar devem vir nossas bactérias. Se nos comportarmos direitinho, consumindo ovos orgânicos e galinhas alimentadas com ração de cultivo próprio, estaremos mais protegidos contra bactérias perigosas – a não ser que o próprio granjeiro consuma galinha barata de supermercado. Se a galinha realmente não tiver sido preparada às pressas, além de suas células musculares ingeriremos algumas células de salmonela. São necessários entre dez mil e um milhão desses organismos unicelulares para sermos postos fora de combate. Um milhão dessas bactérias tem o tamanho de um quinto de grão de sal. Como esse exército minúsculo consegue nos mover ao vaso sanitário, nós, que somos um colosso gigantesco com um volume de cerca de seiscentos milhões de grãos de sal? É como se um único fio de cabelo do Obama governasse todos os americanos. A salmonela se duplica com muito mais rapidez do que os cabelos – este é o ponto número um. Assim que a temperatura ultrapassa 10°C, ela desperta de sua hibernação e cresce com diligência. Possui nadadeiras delicadas, com as quais se movimenta até se acoplar ao revestimento intestinal, onde se fixa. A partir dele, penetra nossas células, que se inflamam e conduzem uma boa quantidade de fluido das células para o intestino, a fim de se livrarem o mais rápido possível desse patógeno. Da ingestão ocasional até a saída de boa quantidade de fluido passam-se de poucas horas a alguns dias. Se o indivíduo não for criança nem muito velho, tampouco estiver muito debilitado, esse tipo de autolavagem funciona bem, e antibióticos seriam mais prejudiciais do que benéficos. Contudo, é preciso ajudar o próprio intestino e fazer de tudo para rejeitar as salmonelas. Depois de ir ao banheiro ou vomitar em um saco plástico, não se deve dar a mão a elas nem mostrar-lhes a vida lá fora. É preciso livrar-se delas com sabão e água quentefria e deixar uma coisa clara: o problema não está em vocês, mas em mim, pois simplesmente não sei lidar com esse seu apego. Na maioria das vezes, quando adoecemos depois de termos comido alguma coisa, as salmonelas são os malfeitores responsáveis. Aparecem não apenas em produtos derivados de galinha, mas é nelas onde se sentem mais à vontade. Há diferentes tipos de salmonelas. No laboratório, quando recebemos exames de fezes de pacientes, podemos testá-las com diferentes anticorpos. Se um anticorpo liga as salmonelas, elas se aglutinam formando grandes fragmentos. É possível ver esse processo a olho nu. Quando isso acontece, pode-se até mesmo dizer: o anticorpo contra a salmonela XY que causa vômito reage com muita intensidade; portanto, trata-se mesmo de uma salmonela XY que causa vômito. O mesmo mecanismo se dá em nosso corpo. Nosso sistema imunológico fica conhecendo algumas salmonelas novas e diz para si próprio: “Ei, talvez você tenha em algum lugar um chapéu que sirva para isso aí.” Em seguida, vasculha seus armários em busca do chapéu adequado, faz alguns ajustes e incumbe um chapeleiro de fazer os chapéus certos para um milhão de salmonelas. Quando todas estiverem de chapéu, já não vão parecer tão perigosas, mas ridículas. Ficarão muito pesadas para conseguirem circular com destreza e já não enxergarão o suficiente para atacar alguma coisa com precisão. Os anticorpos no laboratório são, por assim dizer, uma pequena seleção de diferentes chapéus. Se um deles servir, as bactérias, agora severamente vigiadas, afundam em torrões, e, dependendo do chapéu, pode-se dizer qual tipo de salmonela aparece no exame de fezes.


 Quem não quiser mandar seu sistema imunológico buscar um chapéu e tampouco for um fã incondicional de diarreia seguida de vômito pode seguir algumas regras simples.

Regra número um: para cortar alimentos, utilize tábuas de plástico, pois são mais fáceis de lavar e em seus sulcos as bactérias não sobrevivem tão bem como na madeira.

 Regra número dois: tudo que entrar em contato com carne crua ou casca de ovo deve ser bem lavado em água quente: tábuas, mãos, talheres, esponjas ou escorredores.

Regra número três:

se possível, aquecer bem a carne ou qualquer alimento à base de ovo. Levantar no meio de um jantar romântico para colocar o tiramisu novamente no micro-ondas, por uma questão de segurança, seria uma ação um tanto drástica. Para esse tipo de prato, basta comprar ovos frescos e de boa qualidade e conservá-lo sempre a menos de 10°C. Regra número quatro: pense fora da cozinha. Quem já alimentou seu iguana, pouco depois se alimentou e, logo em seguida, correu para o vaso sanitário talvez vá se lembrar das minhas palavras: as salmonelas são bactérias normalmente presentes na flora intestinal dos répteis.

Helicobacter – o “animal doméstico” mais antigo da humanidade

Thor Heyerdahl era um homem tranquilo, com opiniões claras. Observava as correntes marítimas e os ventos, interessava-se por anzóis antigos ou roupas feitas de cortiça. Tudo isso junto o levou à convicção de que a Polinésia havia sido colonizada por navegadores da América do Sul e do Sudeste Asiático. Segundo sua tese, teriam conseguido chegar lá de jangada, levados pelas correntes. Na época, ninguém considerou possível que uma simples jangada tivesse conseguido resistir a oito mil quilômetros no Pacífico. Thor Heyderhahl não se deteve em passar horas tentando convencer os outros com argumentos. Foi para a América do Sul, construiu uma jangada à moda antiga, feita de árvores, abasteceu-se de alguns cocos e abacaxis em lata e partiu para a Polinésia. Quatro meses mais tarde, pôde dizer com a consciência tranquila: “Aha! Então é possível!” Trinta anos depois, outro cientista iniciou uma expedição igualmente emocionante. Contudo, não foi para os mares do mundo, e sim para um pequeno laboratório com tubos de luz néon no teto. Nele, Barry Marshall pegou um recipiente com um pouco de líquido, levou-o à boca e bebeu corajosamente seu conteúdo, enquanto seu colega John Warren o observava, tenso. Após alguns dias, Barry Marshall teve gastrite e disse, cheio de orgulho: “Aha! Então é possível!” Novamente, trinta anos depois, cientistas de Berlim e da Irlanda associaram as áreas de pesquisa dos dois homens. O germe gástrico de Marshall deveria fornecer informações sobre a primeira colonização da Polinésia. Desta vez, ninguém iria navegar nem beber nada. O que se fez foi pedir a alguns habitantes primitivos do deserto e a outros das montanhas da Nova Guiné um pouco de seu conteúdo gástrico. Trata-se de uma história sobre a quebra de paradigmas, a dedicação à própria pesquisa, uma coisinha com propulsor e um gato grande e faminto. A bactéria Helicobacter pylori vive no estômago de metade da humanidade. Esse conhecimento é relativamente novo e, no início, foi motivo de risada. Por que um ser vivo viveria em um local tão hostil? Em uma cavidade cheia de ácido e enzimas corrosivas? A Helicobacter pylori não se deixa impressionar por isso. A bactéria desenvolveu duas estratégias para conseguir se dar muito bem nesse ambiente nada amigável. Em primeiro lugar, um de seus produtos metabólicos é tão básico que consegue neutralizar o ácido em proximidade imediata. Em segundo, ela simplesmente se infiltra sob a mucosa, com a qual a própria parede do estômago se protege do seu ácido. A Helicobacter consegue tornar mais fluida essa mucosa, que normalmente tem uma consistência gelatinosa, e mover-se nela com mais flexibilidade. Possui longos fios de proteína, que fazem as vezes de propulsores. Marshall e Warren achavam que a Helicobacter causasse gastrite e úlcera gástrica. Até então, o consenso científico reconhecido era que esse tipo de problema no estômago tivesse uma causa psicossomática (como o estresse) ou fosse originado por uma secreção deficiente do ácido gástrico. Portanto, Marshall e Warren não apenas tiveram de acabar com o preconceito de que nada consegue viver em meio à acidez do estômago, como também provar que uma bactéria minúscula era capaz de desencadear doenças fora das infecções normais. Até esse momento, as bactérias eram conhecidas somente como causadoras de feridas infeccionadas, febre ou resfriados. Depois que Marshall, completamente saudável, pegou uma gastrite após ingerir de maneira consciente bactérias Helicobacter, das quais conseguiu se ver livre com antibióticos, foram necessários quase dez anos até sua descoberta ser aceita pela comunidade científica. Hoje, faz parte do exame-padrão submeter pacientes com problemas gástricos a um teste que leva em conta esse germe. Para tanto, ele deve beber determinado líquido, e, se houver Helicobacter em seu estômago, essas bactérias romperão os ingredientes desse líquido, fazendo com que o indivíduo expire um gás inodoro, detectado por uma máquina. Beber, esperar, respirar. Um exame relativamente simples. O que os dois pesquisadores não podiam imaginar é que tinham descoberto não apenas a causa de uma doença, mas também um dos mais antigos “animais domésticos da humanidade”. As bactérias Helicobacter vivem há mais de cinquenta mil anos nos seres humanos e se desenvolveram paralelamente a nós. Quando nossos antepassados começaram a migrar, seus germes de Helicobacter viajaram junto com eles e formaram igualmente novas populações. Assim, nesse meio-tempo surgiram três tipos africanos, dois asiáticos e um europeu dessas bactérias. Quanto mais esses grupos populacionais se distanciavam uns dos outros e quanto mais tempo durava seu distanciamento, maior era a diferença também entre seus germes gástricos. Com a deportação de escravos, o tipo africano chegou à América. No norte da Índia, budistas e muçulmanos abrigavam duas cepas diferentes. Famílias em países industrializados costumam ter Helicobacter próprios, enquanto comunidades com menos contato entre si – por exemplo, em países da África – também possuem Helicobacter comunitários. Nem todos que têm Helicobacter no estômago sofrem por causa dela (se fosse assim, na Alemanha praticamente uma a cada três pessoas apresentaria algum problema). Porém, a maioria dos problemas gástricos vem da Helicobacter. Isso porque essas bactérias podem representar diversos perigos. Há duas características conhecidas que são responsáveis pelas variantes agressivas: uma se chama “cagA” e é uma espécie de injeção minúscula, através da qual a bactéria consegue injetar determinadas substâncias em nossas células. A outra é chamada de “VacA”, estimula permanentemente as células do estômago e faz com que elas se danifiquem com mais rapidez. A probabilidade de ter problemas gástricos é muito maior quando a Helicobacter tem a injeção minúscula ou o gene da estimulação. Se não os tem, fica circulando pelo ambiente de maneira bastante inofensiva. Apesar de tantas coisas em comum, todo germe de Helicobacter é tão particular quanto o ser humano que o carrega. A bactéria sempre se adapta a seu hospedeiro e se modifica com ele. Essa capacidade da Helicobacter pode ser aproveitada quando se quer descobrir quem infectou quem com ela. Felinos de grande porte possuem uma Helicobacter própria, chamada de Helicobacter acinonychis. Como se assemelha em muitos aspectos à Helicobacter humana, logo nos perguntamos quem comeu quem no passado. Teria sido o homem primitivo a comer o tigre ou o tigre a comer o homem primitivo? Com base nos genes, foi possível verificar que, no patógeno do felino, estavam inativos sobretudo os genes que, do contrário, o teriam ajudado a se manter em boas condições no estômago humano – e não em outro lugar. Na época, ao se alimentar do homem primitivo, o felino também ingeriu seu germe gástrico. Como este não é triturado pelos dentes e consegue se adaptar bem, o felino e seus descendentes adquiriram uma Helicobacter. Pelo menos, a justiça foi feita. Mas, afinal, a Helicobacter é boa ou ruim?

 A Helicobacter é ruim

Como o germe se aninha em nossa mucosa e nela circula de maneira caótica, ele acaba enfraquecendo essa barreira de proteção. Dessa maneira, o ácido gástrico agressivo digere não apenas o que comemos, mas também parte das próprias células. Além disso, quando dispõe das minúsculas injeções ou do gene de estimulação, ele dá o tiro de misericórdia em nossas células gástricas. Cerca de uma em cada cinco pessoas que possui essa bactéria acaba sofrendo pequenas lesões na parede do estômago. Três quartos das úlceras gástricas e quase todos os casos de úlcera no intestino delgado surgem após uma infecção por Helicobacter pylori. Quando se consegue eliminar o germe com antibióticos, os problemas gástricos também desaparecem. Logo, uma alternativa aos antibióticos poderia ser um extrato concentrado de brócolis, o sulforano. Essa substância consegue bloquear a enzima com a qual a Helicobacter neutraliza o ácido gástrico. Quem quiser testá-la em vez de tomar antibióticos deve buscar uma de boa qualidade e ser examinado pelo médico após duas semanas de ingestão, para verificar se a Helicobacter realmente desapareceu. Uma irritação duradoura nunca é boa. É o que experimentamos quando somos picados por algum inseto. O prurido contínuo nos faz perder a paciência e arranhar a própria pele, na tentativa de interrompê-lo. Algo semelhante ocorre nas células do estômago: com uma inflamação crônica, as células sofrem uma irritação contínua, até se fragmentarem. Em pessoas mais velhas, isso também pode levar a um apetite cada vez mais reduzido. No estômago há células-tronco que, com diligência, produzem reforços a fim de substituir rapidamente as perdas. Quando essas produtoras de reforços estão sobrecarregadas, acabam cometendo mais erros e, assim, podem em algum momento se transformar em células cancerosas. À primeira vista, não parece tão dramático quando se observam os números: cerca de 1% dos portadores de Helicobacter desenvolvem câncer de estômago. No entanto, se lembrarmos que metade de todos os seres humanos carrega esse germe, essa porcentagem se torna um número bem alto. A chance de desenvolver câncer de estômago sem a Helicobacter é quarenta vezes menor do que com ela. Pela descoberta da relação entre a Helicobacter pylori e inflamações, úlceras e câncer, Marshall e Warren receberam o prêmio Nobel em 2005. Do coquetel de bactérias àquele em comemoração da vitória passaram-se vinte anos. Passou ainda mais tempo até a Helicobacter e o Parkinson serem associados. Embora nos anos 1960 os médicos tenham constatado reiterados problemas gástricos em seus pacientes com Parkinson, ainda não estava claro para eles o que poderia ligar o estômago a mãos trêmulas. Somente uma análise de diversos grupos populacionais na ilha de Guam trouxe luz à escuridão. Em algumas áreas de Guam há um espantoso crescimento de sintomas semelhantes ao Parkinson na população. Os afetados têm as mãos trêmulas, expressão facial e corporal debilitadas e movem-se com mais lentidão. Descobriu-se que os índices da doença eram mais elevados onde as pessoas comiam sementes de sagu-de-jardim. Essas sementes contêm substâncias tóxicas para as células nervosas. A Helicobacter pylori pode produzir uma substância quase idêntica. Quando foi dado a camundongos um extrato da bactéria – sem infectá-los com bactérias vivas –, eles apresentaram sintomas semelhantes aos dos habitantes de Guam que haviam ingerido sagu-de-jardim. Nesse caso, também vale a seguinte consideração: nem toda bactéria Helicobacter produz essa toxina, mas certamente não é nada bom quando ela o faz. No fim das contas, além de manipular nossas barreiras de proteção, a Helicobacter pode irritar e destruir nossas células, produzir toxinas e, assim, prejudicar nosso corpo como um todo. Como nosso corpo, relativamente desarmado, conseguiu resistir a esse germe por tantos milênios? Por que essas bactérias são toleradas por nosso sistema imunológico por tanto tempo e de maneira tão copiosa?

 A Helicobacter é boa

Em um dos maiores estudos sobre a Helicobacter e seus efeitos, chegou-se à seguinte conclusão: sobretudo a cepa considerada perigosa por conter a minúscula injeção interage com nosso corpo também de maneira muito vantajosa. Após mais de doze anos de observação com mais de dez mil participantes, pode-se dizer que, embora os portadores desse tipo de Helicobacter tivessem uma probabilidade elevada de contrair câncer de estômago, o risco de morrer de câncer de pulmão ou de derrame era visivelmente reduzido pela metade em comparação com os outros participantes. Mesmo antes desse estudo já se suspeitava que um germe tolerado por tanto tempo não poderia ser apenas ruim. Em experimentos com camundongos, conseguiu-se demonstrar que, na infância desses animais, a Helicobacter providenciava uma proteção confiável contra a asma. Quando se ministrava um antibiótico aos filhotes de camundongo, a proteção desaparecia e eles podiam voltar a desenvolver asma. Ao se injetar a bactéria nos camundongos adultos, a proteção permanecia, porém, menos marcada. Portanto, pode-se dizer que, embora camundongos não sejam seres humanos, essa observação cabe muito bem às tendências gerais que podem ser vistas sobretudo nos países industrializados: doenças como asma, alergias, diabetes ou neurodermite estão crescendo, enquanto as taxas de Helicobacter estão caindo. Essa observação não é, nem de longe, uma prova de que a Helicobacter é a única barreira redentora contra a asma; no entanto, poderia dar sua contribuição. Por essa razão, formulou-se a seguinte tese: essa bactéria transmite a nosso sistema imunológico uma tranquilidade importante. A Helicobacter se acopla a nosso estômago e faz com que muitas das chamadas células T reguladoras sejam produzidas. Estas células são imunocompetentes, e, em meio à atmosfera repentinamente agressiva do night club, põem a mão no ombro do seu amigo embriagado, o sistema imunológico, e dizem: “Deixa comigo.” Supõe-se que não seja por isso que recebam o nome de “reguladoras”, mas, no fundo, sua função é essa. Enquanto o sistema imunológico, furioso, ainda grita: “Desapareça dos meus pulmões, seu polenzinho de uma figa!” e declara guerra com nariz escorrendo, olhos vermelhos e inchados, a célula T reguladora diz: “Ô, sistema imunológico, agora você pegou pesado demais! O polenzinho só está procurando a flor que vai polinizá-lo. Veio parar nestas bandas sem querer. Este é um lugar bem sem graça para um grão de pólen; afinal, ele não vai encontrar nenhuma flor aqui.” Quanto mais se tem dessas células corretas, mais o sistema imunológico consegue esfriar a cabeça.

Se em um camundongo for produzido um grande número dessas células reguladoras por meio da Helicobacter, a asma de outro camundongo poderá sofrer melhora apenas com o transplante dessas células. Com certeza, um procedimento mais simples do que querer familiarizar os camundongos com o uso de um minúsculo spray de asma. Eczemas também são mais raros em um terço das pessoas com Helicobacter pylori. Doenças inflamatórias no intestino, processos autoimunes ou inflamações crônicas podem, entre outras coisas, ser uma tendência do nosso tempo, pois, sem saber, extinguimos o que nos protegeu durante milênios.

A Helicobacter é ambas as coisas

Helicobacter pylori são bactérias com muitas capacidades. Não se pode simplesmente classificá-las como boas ou ruins. Sempre depende do que exatamente o germe estimula em nós. Produz toxinas perigosas ou interage com nosso corpo de maneira protetora? Como reagimos a ele? Nossas células são constantemente irritadas ou produzimos mucosa gástrica suficiente para a bactéria e para nós mesmos? Que papel desempenham os agentes que irritam nossa mucosa gástrica, como os analgésicos, o fumo, o álcool, o café ou o estresse prolongado? Seria a combinação que, no fundo, só desencadeia dor de estômago porque nosso animal de estimação não gosta dessas coisas? Segundo a Organização Mundial da Saúde, em caso de problemas gástricos, é recomendável livrar-se do potencial causador. Se na família surgirem casos de câncer no estômago, determinados linfomas ou Parkinson, também será bom despachar a Helicobacter. Thor Heyerdahl morreu em 2003, aos 88 anos, na Itália. Alguns anos mais tarde, ele teria visto como sua teoria da colonização na Polinésia se confirmou com uma análise das cepas de Helicobacter: em duas ondas, duas cepas asiáticas da Helicobacter conquistaram o Novo Mundo – e, de fato, através da rota do Sudeste Asiático. Mas quem sabe qual bactéria ainda vamos conhecer até a teoria de Thor Heyerdahl ser esgotada em passeios marítimos microbiológicos?

 Toxoplasmas – intrépidos passageiros de gatos

Uma mulher de 32 anos está raspando na parte interna do pulso uma lâmina de barbear, comprada em um supermercado de descontos. É esse estímulo que a leva a fazer isso. Um fanático por automobilismo de quinze anos bate o carro com tudo contra uma árvore e morre. Um rato deita na cozinha, bem ao lado da tigela de comida do gato, dispondo-se como uma deliciosa refeição. O que esses três casos têm em comum? Eles não apenas ouvem seus sinais internos, que, no interesse da nossa grande associação celular, no fundo só querem nosso bem. Nesses três casos, há ainda outros interesses além daqueles de seu próprio corpo, que em algum momento poderiam ter saído do intestino de um gato. O intestino dos gatos é a pátria do Toxoplasma gondii. Esse minúsculo ser consiste em uma única célula, mas já é classificado entre os animais. Em comparação com as bactérias, chama a atenção o fato de que a informação genética dessas criaturas possui uma estrutura essencialmente mais complexa. Além disso, tem outras paredes celulares e supõe-se que uma vida um pouco mais emocionante. Os toxoplasmas se multiplicam no intestino dos gatos, que são seus “hospedeiros”. Todos os outros animais que por um breve período servem aos toxoplasmas como táxis para o próximo gato são chamados de “hospedeiros intermediários”. O gato só pode receber toxoplasmas uma vez na vida e somente nesse período é perigoso para nós. Geralmente, gatos mais velhos já superaram sua infecção por toxoplasmas e já não nos fazem mal. Em uma infecção recente, os toxoplasmas amadurecem nas fezes dos animais e, depois de cerca de dois dias na caixa de areia, estão prontos para infectar o próximo gato. Se em vez de outro gato passar por ali um mamífero proprietário de gatos, que, consciente de suas obrigações, remove a areia da caixa com uma pá, as minúsculas criaturinhas primitivas o infectarão. Essas criaturas presentes nas fezes do gato podem esperar até cinco anos por um novo hospedeiro. Portanto, não precisam encontrar, necessariamente, um proprietário de gatos – felinos e outros animais circulam por jardins, hortas ou, de vez em quando, são mortos. Uma das principais fontes de toxoplasmas é o alimento cru. Em porcentagem, a probabilidade de um indivíduo conter toxoplasmas é aproximadamente tão elevada quanto sua própria idade. Cerca de um terço de todos os seres humanos no mundo os abriga. Os Toxoplasma gondii são considerados parasitas porque não vivem em um pequeno pedaço de terra de um lugar qualquer, podendo se aproveitar de águas e plantas, e sim em pequenos fragmentos de seres vivos. Nós, humanos, os chamamos de parasitas porque deles não recebemos nada em troca. Pelo menos, nada positivo no sentido de aluguel ou afeto. Ao contrário: eles podem nos prejudicar parcialmente, na medida em que promovem uma espécie de “poluição ambiental do ser humano”. Em humanos adultos e saudáveis, não mostram efeitos muito importantes. Algumas pessoas sentem sintomas semelhantes aos da gripe, mas a maioria não percebe nada. Após a infecção aguda, os toxoplasmas mudam-se para apartamentos minúsculos em nossos tecidos, onde se entregam a uma espécie de hibernação. Embora nos façam companhia pelo resto de nossa vida, são inquilinos tranquilos. Depois de participarmos desse processo, nunca mais nos contaminaremos com uma infecção recente. De certo modo, já estamos alugados. No entanto, uma infecção como essa pode ser dramática durante a gravidez. Os parasitas podem chegar ao feto através do sangue. O sistema imunológico ainda não os conhece e não é rápido o suficiente para interceptá-los. Nem sempre é assim que acontece, mas quando acontece pode provocar graves danos e até aborto. Quando se detecta a infecção bem cedo, podem-se tomar medicamentos. Mas, como a minoria das pessoas os recebe, as perspectivas de tratamento não são nada boas. Se no início da gravidez o ginecologista perguntar à gestante coisas curiosas, como: “Você tem gato?”, ela não precisa se preocupar, pois tem um especialista bem formado ao seu lado. Os toxoplasmas são a razão pela qual a caixa de areia dos gatos deve ser limpa diariamente no local onde mora uma gestante (mas não por ela própria!), pois carne crua é um tabu e é recomendável lavar bem frutas e verduras. Outras pessoas com toxoplasmose não podem nos contaminar. Somente os pupilos do intestino recém-infectado do gato têm condições para tanto. E, como já vimos, podem durar por muito tempo – inclusive nas mãos dos proprietários de gatos. Nesse caso, a boa e velha recomendação de lavar as mãos vale ouro. Até aqui, tudo bem. No fim das contas, os toxoplasmas parecem sujeitinhos irrelevantes e até antipáticos, desde que não se esteja grávida. Por muitos anos, não se deu muita atenção a eles, até os ratos intrépidos de Joanne Webster mudarem tudo. Nos anos 1990, Joanne Webster desenvolveu sua pesquisa na Universidade de Oxford. Realizou um experimento simples, mas genial: colocou quatro caixas em um pequeno recinto. Em um canto de cada uma dessas caixas havia uma pequena vasilha com determinado fluido: urina de rato, água, urina de coelho ou de gato. Mesmo que os ratos nunca tivessem visto um gato na vida, evitavam a urina dele. Trata-se de um programa biológico, que lhes diz: “Se alguém que está a fim de te comer urinou ali, não vá até o local.” Além disso, entre os roedores corre outro lembrete, que soa mais ou menos assim: “Se alguém te colocar em um recinto esquisito com caixas contendo urina, desconfie.” Normalmente, todos os ratos se comportam da mesma maneira: sondam rapidamente o ambiente estranho e retiram-se para uma caixa com a urina menos nociva. Contudo, no experimento de Webster houve exceções, ou seja, ratos que, de repente, se comportaram de maneira totalmente diferente. Prontos a correr riscos, sondaram todo o recinto. Contra todo instinto inato, entraram na caixa que continha urina de gato e até se demoraram um pouco nela. Por um período maior de observação, Webster pôde constatar que preferiam essa caixa às outras. Nada parecia interessar-lhes mais do que xixi de gato remexido. De repente, um odor que estava gravado como perigo de morte passou a ser sentido como atraente e interessante. Os animais se tornaram fãs desinibidos da própria ruína. Webster conhecia a única diferença para os ratos normais: os roedores que se destacavam estavam infectados com toxoplasmas. Um golpe bastante inteligente por parte dos parasitas, que levavam os ratos praticamente a correr para a boca de seu principal hospedeiro. Esse experimento chamou tanto a atenção entre os cientistas que alguns laboratórios internacionais o refizeram. Queriam saber se os procedimentos haviam sido realizados corretamente, e, após infectados, seus próprios ratos apresentaram comportamento semelhante. A partir de então, o experimento passou a ser considerado perfeito. Além disso, descobriu-se que os ratos só haviam perdido o medo dos gatos – a urina de cães continuava a apavorar os ratos curiosos do experimento. Os resultados desencadearam intensas discussões: como parasitas minúsculos podiam influenciar o comportamento de pequenos mamíferos em proporções tão drásticas? Morrer ou não morrer – eis uma grande questão que um organismo moderno e possivelmente sem parasita seria capaz de responder em um comitê de decisões. Ou será que não? Do pequeno ao grande mamífero (= ser humano), a distância já não era tão grande. Entre nós, também poderiam ser encontrados candidatos que acabariam caindo em situações desfavoráveis devido a falsos reflexos, falsas reações ou falta de medo, obedecendo a uma espécie de “impulso a se tornar ração de gato”. Inicialmente, examinou-se o sangue de pessoas que se haviam envolvido em acidentes de trânsito. A intenção era saber se entre os infelizes condutores haveria mais portadores de toxoplasma do que no restante da sociedade que não havia sofrido nenhum acidente. E a resposta foi: sim. A probabilidade de se envolver em um acidente de trânsito aumenta quando se é portador de toxoplasmas, sobretudo quando a infecção está bastante ativa, e não cochilando sem ser notada. Esse resultado foi comprovado não apenas por três estudos menores, mas também por uma pesquisa bastante ampla, na qual se examinou o sangue de 3.890 recrutas na República Tcheca, para saber se tinham toxoplasmas. Nos anos seguintes, todos os acidentes de trânsito sofridos pelos recrutas foram avaliados. Graves infecções por toxoplasmas, combinadas a determinado grupo sanguíneo (Rh negativo), foram os principais fatores de risco. Na presença de parasitas, certos grupos sanguíneos de fato desempenham um papel. Alguns grupos são mais bem protegidos dos efeitos de uma infecção do que outros. Mas e o que a mulher com a lâmina de barbear tem a ver com tudo isso? Por que não se assusta ao ver o próprio sangue? Por que não sente dor ao romper a pele, os tecidos e os nervos, mas, ao contrário, se sente revigorada? Como a dor poderia se transformar na pimenta que tempera a panela do cotidiano, em geral tão insossa? Há diferentes explicações para essas perguntas. Uma delas são os toxoplasmas. Quando somos infectados por eles, nosso sistema imunológico ativa uma enzima (IDO) para nos proteger dos parasitas. Essa enzima decompõe progressivamente uma substância que o invasor gosta de ingerir e a transfere para uma fase inativa de sono. Infelizmente, essa substância também é um ingrediente usado na produção de serotonina. (Vale lembrar: a falta de serotonina pode levar à depressão ou a distúrbios de ansiedade.) Se falta serotonina ao cérebro porque a IDO arrebanhou do parasita, nosso humor pode piorar. Além disso, substâncias precursoras da serotonina que tiverem sido mordiscadas podem se adaptar ao cérebro e nele desencadear, por exemplo, falta de motivação. Esses receptores são os mesmos localizados com analgésicos, e o resultado é a sedação apática. Caso se queira sair desse estado e voltar a sentir alguma coisa, talvez sejam necessárias medidas drásticas. Nosso corpo é inteligente. Sopesa as vantagens e os riscos. Quando um parasita tem de ser combatido no cérebro, nosso humor dá uma piorada. Geralmente, a ativação da IDO é um acordo. De vez em quando, o corpo também utiliza essa enzima para tirar a comida das próprias células. Durante a gestação, a IDO é ativada com mais intensidade – mas apenas no ponto de contato direto com o feto. Nesse local, o alimento é tirado das células imunocompetentes, que, portanto, perdem força e tornam-se mais amenas em relação ao feto semidesconhecido. Poderia a falta de motivação desencadeada pela IDO ser suficiente para alguém cometer suicídio? Ou, em outros termos: o que é necessário para alguém pensar em suicídio? Onde o parasita teria de se estabelecer para que se desligasse o medo natural do ser humano de fazer mal a si próprio? O medo é atribuído a uma parte do cérebro chamada de amígdala. Há fibras que correm dos olhos diretamente para ela. Assim, quando deparamos com uma aranha, podemos sentir medo de imediato. Até mesmo quando o centro de visão no cérebro é destruído por um ferimento na parte posterior da cabeça e o indivíduo fica cego. Ele já não “vê” a aranha, mas ainda a “sente”. Portanto, nossa amígdala tem uma participação essencial no surgimento do medo. Quando danificada, as pessoas o perdem. Quando se pesquisam hospedeiros intermediários dos toxoplasmas, constatase que, na maioria das vezes, os apartamentos com as criaturinhas sonolentas encontram-se em músculos e no cérebro. Com menor frequência, elas podem ser encontradas em três locais do cérebro: na amígdala, no centro olfativo e na região logo atrás da testa. Como já foi dito, a amígdala é responsável pela percepção do medo; o centro olfativo também poderia fazer com que, nos ratos, a urina de gato fosse apreciada. A terceira região cerebral é um pouco mais complexa. Essa parte do cérebro cria possibilidades a cada segundo. Se ao participante de um estudo, ligado aos devidos receptores, fizéssemos perguntas sobre fé, personalidade e moral, ou ainda se lhe apresentássemos desafios cognitivos, veríamos na ressonância cerebral uma intensa atividade nessa região. Segundo uma teoria da pesquisa cerebral, nessa área são traçados muitos esboços por segundo. “Eu poderia acreditar na religião que meus pais me transmitiram. Durante a conferência, eu poderia lamber a mesa à minha frente. Eu poderia ler um livro e tomar chá. Eu poderia vestir esse cachorro com uma roupa engraçada. Eu poderia cantar uma canção diante da câmera ligada. Eu poderia dirigir agora a 150 km/h. Eu poderia pegar esta lâmina de barbear.” A cada segundo, centenas de possibilidades – independentemente da que vencer, ela será executada. Faz todo sentido estabelecer-se aqui como parasita engajado. A partir desse ponto, talvez seja possível apoiar tendências autodestrutivas, de maneira que esses impulsos acabam sendo menos reprimidos na escolha da ação. A pesquisa não seria “a pesquisa” se não tivesse repetido o belo experimento de Joanne Webster em seres humanos. Portanto, desta vez em pessoas que deveriam sentir o cheiro da urina de diversos animais. Homens e mulheres infectados com toxoplasmose avaliaram o xixi de gato de maneira diferente dos participantes sem parasitas. A apreciação positiva dos homens foi visivelmente maior do que a das mulheres. O olfato é um dos sentidos mais fundamentais. Diferentemente do paladar, da audição ou da visão, as impressões olfativas não são controladas a caminho da consciência. Curiosamente, é possível sonhar com todas as impressões sensoriais, menos com o olfato. Os sonhos são sempre inodoros. Além dos toxoplasmas, porcos farejadores de trufas sabem muito bem que os sentimentos podem surgir dos odores. Com efeito, as trufas têm o mesmo odor de um porco macho, prontíssimo para o acasalamento – e quando esse odor está escondido debaixo da terra as fêmeas farejadoras começam a remexê-la, inebriadas de amor, até... entregarem a seu dono ou dona o decepcionante e nada erótico cogumelo. Quando se pensa como deve ser frustrante esse tipo de busca para uma porca, o preço da trufa parece mais do que justo. Seja como for, o fato é que o odor pode provocar atração. Algumas lojas também apostam nesse efeito. No jargão técnico, fala-se em “marketing olfativo”. Uma marca americana de roupas chega a utilizar feromônios sexuais. Em Frankfurt veem-se regularmente filas de adolescentes diante da loja escurecida, que pulveriza no ar um perfume sedutor. Se a rua comercial fosse próxima de uma área com porcos soltos, daria para imaginar algumas cenas engraçadas. Portanto, se outro ser nos faz perceber os odores de maneira diversa, não poderia também produzir impressões sensoriais totalmente diferentes? Existe uma doença cujo principal sintoma são impressões sensoriais produzidas erroneamente: a esquizofrenia. As pessoas afetadas têm, por exemplo, a sensação de que formigas estão subindo por suas costas, embora em parte alguma se vejam os bichinhos rastejadores. Ouvem vozes, obedecem às suas ordens e, além disso, podem mostrar-se bastante apáticas. De 0,5% a 1% da humanidade é esquizofrênica. A síndrome não é clara em muitos pontos. A maioria dos medicamentos que de certo modo funcionam aposta em desintegrar no cérebro determinado sinal químico, presente em abundância: a dopamina. Os toxoplasmas possuem genes que intervêm na produção de dopamina no cérebro. Nem todos os que sofrem de esquizofrenia são portadores do parasita – portanto, ele não pode ser a única causa –, mas entre os esquizofrênicos há duas vezes mais portadores de toxoplasmas do que no grupo de comparação sem a doença. Portanto, teoricamente, o Toxoplasma gondii poderia exercer alguma influência no cérebro através dos centros responsáveis pelo medo, pelo olfato e pelo comportamento. Probabilidades mais elevadas de acidentes, tentativas de homicídio ou esquizofrenia indicam que a infecção não passa despercebida em todos nós. Ainda levará tempo até que essas descobertas tenham alguma consequência em nosso cotidiano médico. Suposições precisam ser comprovadas, e possibilidades terapêuticas, mais bem pesquisadas. Essa demorada salvaguarda da ciência pode custar vidas – os antibióticos só chegaram às farmácias décadas depois de sua descoberta. Mas também pode salvar vidas – o medicamento Contergan ou o amianto bem que poderiam ter sido testados por mais tempo. Os toxoplasmas podem nos influenciar mais do que acreditávamos alguns anos atrás. Por isso, anunciaram uma nova era, em que até mesmo um fragmento tosco de excremento de gato pode mostrar tudo que contribui para determinar nossa vida. Um tempo em que compreendemos lentamente como somos ligados à nossa comida, aos nossos animais e ao minúsculo mundo que vive em nós. De arrepiar? Talvez um pouco. Mas não seria também emocionante o fato de aos poucos decifrarmos processos que, até então, só aceitávamos como destino? Assim, podemos agarrar com as duas mãos os riscos que surgem em nossa vida. Às vezes, uma pá de areia da caixa sanitária do gato, carne bem passada e frutas e verduras lavadas já são suficientes para afastar esses riscos.

Oxiúros

Existem pequenos vermes brancos que gostam de morar em nosso intestino. Durante séculos, adaptaram seu comportamento a nós. A cada duas pessoas, uma já teve pelo menos uma vez na vida esses vermes como hóspedes. Algumas nem percebem; em outras, ele é um verdadeiro tormento, sobre o qual pouco se fala. Se olharmos no momento certo, poderemos vê-los acenar para nós ao saírem pelo ânus. Têm de um a um centímetro e meio, são brancos e possuem uma extremidade relativamente pontiaguda. De certo modo, lembram um pouco as trilhas de condensação que os aviões deixam no céu, só que, ao contrário delas, não se alongam cada vez mais. Quem tiver boca e dedos poderá pegar oxiúros. Nesse caso, quem não tem boca nem dedos sai ganhando. Comecemos por descrever a situação do verme pelo final. A senhora oxiúro em estado “interessante” quer oferecer aos seus ovos um futuro seguro. E isso não é nada fácil. O ovo precisa ser engolido por um ser humano, depois infiltrarse no intestino delgado para que chegue ao intestino grosso já como oxiúro adulto. Neste momento, uma senhora oxiúro adulta encontra-se nos fundos do intestino – em uma direção completamente contrária à da digestão – e se pergunta como voltar à boca. E aqui entra a inteligência que supomos ser a única em um ser como esse: a inteligência da adaptação. As fêmeas dos oxiúros sabem quando ficamos tranquilos, nos deitamos e estamos sem vontade de levantar. É nesse momento que partem para o ânus, em cujas inúmeras pregas depositam seus ovos e rastejam como loucas, até sentirmos coceira. Então, voltam correndo para o intestino, pois, por experiência, sabem que agora virá uma mão para fazer o resto. Debaixo da coberta, ela é empurrada no traseiro, bem na mira do ataque de coceira. As mesmas vias nervosas que transmitiram a coceira anunciam: “Favor coçar!” Atendemos a esse pedido e fazemos com que os descendentes dos oxiúros sejam transportados por via expressa a regiões próximas à boca. Qual é o momento em que estamos menos interessados em lavar as mãos depois de coçar o traseiro? Quando não estamos pensando em nada porque estamos dormindo ou cansados demais para levantar. Justamente o momento em que o oxiúro deposita seus ovos. Alguma dúvida sobre o que significa sonhar, logo em seguida, que se está enfiando o dedo na torta de chocolate? Ovos a caminho de casa. Quem fez “eca!” talvez tenha esquecido que também engolimos ovos de galinha. Só que estes são bem maiores, e geralmente os cozinhamos antes. Temos uma posição crítica em relação a seres vivos que se mudam para nosso intestino sem ser convidados e, a partir dele, põem em prática seu planejamento familiar. Não temos muita coragem para conversar a respeito disso com outras pessoas. Quase como se fôssemos um anfitrião ruim, que não é capaz de exercer sua autoridade e, justamente por isso, acolhe todo tipo de gente estranha sem questionar. Contudo, com os oxiúros é um pouco diferente: são hóspedes que nos acordam cedo para o esporte matinal e, em seguida, fazem em seu anfitrião uma massagem que estimula o sistema imunológico. Além disso, dificilmente comem tudo, sem deixar nada para nós. Não é bom tê-los sempre, mas uma vez na vida não é problema. Os cientistas supõem que “a oxiuríase em crianças” pode protegê-las de asma intensa ou de diabetes na vida futura. Nesse sentido, “welcome Mr. & Mrs. Oxiúro”. Mas, por favor, não abusem da hospitalidade! Pois três coisas podem acontecer em caso de oxiuríase descontrolada e que não são nada divertidas: 1. Quando não se consegue dormir direito, perde-se a concentração durante o dia, fica-se mais inquieto e sensível do que de costume. 2. O que os oxiúros não querem – e nós também não – é que se percam. Se não permanecerem em seu devido lugar, que vão embora. Afinal, quem vai querer um oxiúro com senso de orientação tão ruim? 3. Intestinos sensíveis ou oxiúros extremamente agitados tendem à irritação. As reações a isso são as mais diversas: não conseguir ir ao banheiro, ir demais ao banheiro, dor de barriga, dor de cabeça, enjoo ou até mesmo nenhuma das alternativas anteriores. Se o hospedeiro do oxiúro se sentir acometido por um dos pontos mencionados acima, deve ir ao médico! No consultório, será usada uma fita adesiva que não se encontra em livros de artesanato. Dependendo do charme do médico, a instrução poderá ser formulada da seguinte forma: “Abra as nádegas, cole a fita adesiva no ânus e ao redor dele e depois puxe-a. Leve-a ao consultório e entregue-a para a Janine. Tchau.” Os ovos do oxiúro são pequenas esferas que se grudam bem à fita adesiva. Se na Páscoa tivéssemos um ímã que atraísse todos os ovos escondidos no jardim, ganharíamos um bom tempo. Como os ovos do oxiúro são bem menores do que os de Páscoa, faz sentido abreviar um pouco essa busca. O importante é que toda a ação aconteça pela manhã, pois é nesse período que a maioria dos ovos é depositada. Não é nem um pouco recomendável lavar ou limpar todo o jardim de oxiúros antes da busca dos ovos. Portanto, a primeira coisa a tocar essa zona pela manhã deve ser a fita adesiva. Ao microscópio, o médico verá os ovos. Se já tiverem se desenvolvido em larvas, terão uma faixa em seu centro. Em seguida, será prescrito um medicamento, e a farmacêutica ajudará na guerra contra os hóspedes incômodos. O princípio ativo típico desse medicamento é chamado de Mebendazol e tem uma segunda intenção que todos nós conhecemos desde o jardim de infância: se o oxiúro está perturbando meu intestino, então vou perturbar o dele também. O medicamento percorre o caminho da nossa boca até o nosso intestino, atingindo nossos ocupantes que se tornaram desleais. Como eles também possuem boca e intestino, neles o medicamento toma o mesmo caminho, ou seja, da boca para o intestino. No intestino do oxiúro, o Mebendazol age de maneira bem mais nociva do que no nosso, submetendo os vermes a uma dieta drástica, de maneira que deixam de receber açúcar. No entanto, os vermes precisam de açúcar para viver; portanto, essa dieta deve ser a última de sua vida. Funciona um pouco como quando cortamos a comida de hóspedes não convidados e que demoram para ir embora. Os ovos dos oxiúros têm vida longa. Quando se está com vermes e não se consegue deixar a mão longe da boca, é preciso ao menos tentar manter o menor número possível de ovos no ambiente. Devem-se trocar a roupa de cama e a roupa íntima diariamente, lavando-as, no mínimo, a 60°C. Também é importante lavar as mãos e aliviar a coceira intensa com pomadas, e não com o ataque dos dedos. Minha mãe jura que os oxiúros desaparecem quando se ingere diariamente um dente de alho. A esse respeito não encontrei nenhum estudo, mas tampouco existem estudos sobre a temperatura certa para vestir o casaco, e, nesse sentido, minha mãe tem sempre razão. Quando nada der certo, não se desespere. É hora de passar novamente no consultório médico e ficar feliz por ter um intestino tão amado.

Sobre limpeza e bactérias boas

Queremos nos proteger de coisas ruins. Dificilmente alguém pegaria salmonela ou uma Helicobacter ruim por vontade própria. Mesmo que não as conheçamos todas, não queremos nenhuma bactéria que engorde, que desencadeie diabetes nem micróbios que nos deixem tristes. Nossa principal proteção é a limpeza. Somos cuidadosos ao comer comida crua, não beijamos desconhecidos e nos livramos dos patógenos com água quente. Mas nem sempre a limpeza é o que consideramos. Em um intestino, ela pode ser imaginada como se fosse realizada em uma floresta. Nem mesmo a pessoa mais fanática por limpeza testaria um esfregão nesse local. Uma floresta é limpa quando nela predomina um equilíbrio das plantas úteis. O que se pode fazer para ajudá-la é acrescentar a ela novos vegetais e torcer para que vinguem. Além disso, podem-se selecionar as plantas preferidas e cuidar delas para que se multipliquem e cresçam. Às vezes, aparecem parasitas repugnantes. Nesse caso, é preciso ponderar corretamente. Se nada mais funcionar, apela-se para os agrotóxicos. Pesticidas operam verdadeiros milagres contra parasitas, mas não se pode usá-los como se fossem desodorantes. Uma limpeza inteligente já começa no dia a dia. O que devemos realmente levar em conta e o que é higiene exagerada? Existem sobretudo três instrumentos que limpam o meio do nosso corpo: com os antibióticos podemos afastar patógenos agudos; com produtos como prebióticos e probióticos, estimulamos o que é bom. “Pro bios” significa “a favor da vida”. Probióticos são bactérias vivas, que ingerimos e que podem nos tornar mais saudáveis. Traduzindo, “pre bios” significa “antes da vida”. Prebióticos são alimentos que chegam ao intestino grosso e nele nutrem bactérias boas, fazendo com que elas cresçam mais do que as ruins. “Anti bios” significa “contra a vida”. Antibióticos exterminam as bactérias e podem nos salvar quando contraímos as ruins.

Limpeza no dia a dia

A limpeza é fascinante, pois em sua maior parte se realiza na cabeça. Uma bala de hortelã tem um sabor fresco, janelas limpas são claras, e ir deitar em uma cama com lençóis limpos após tomar banho causa uma sensação divina. Gostamos de sentir o cheiro de limpeza. Gostamos de passar a mão em superfícies lisas e brilhantes. Quando usamos desinfetantes, ficamos tranquilos ao pensar que estamos protegidos por um mundo invisível de germes. Há 130 anos, descobriu-se na Europa que bactérias causam a tuberculose. Foi a primeira vez que se tomou conhecimento público das bactérias, que foram apresentadas como ruins, perigosas e, sobretudo, invisíveis. Logo foram introduzidas na Europa novas regras: os doentes passaram a ser isolados para que não retransmitissem seus germes; nas escolas, era proibido cuspir; o contato físico estreito foi rejeitado; e o “compartilhamento da toalha” tinha de ser evitado. Além disso, devia-se restringir o “beijo às situações eroticamente inevitáveis”. Embora esses mandamentos soem engraçados, eles acabaram por se ancorar profundamente na organização da sociedade europeia. Desde essa época, cuspir é visto como falta de educação, compartilhar toalhas não é frequente e evita-se o contato físico. Escapar de uma doença fatal por deixar de cuspir no chão da escola pareceu uma atitude louvável. Tornou-se uma regra que se gravou no cérebro. Passou-se a condenar quem não a seguia e, assim, punha todos os outros em risco. Essa condenação foi ensinada aos filhos, e o ato de cuspir ganhou uma imagem negativa. Cuidar da limpeza tornou-se um ato reconhecido, as pessoas se esforçaram para manter a ordem em uma vida repleta de caos. No início do século XX na Alemanha dermatologistas pediam: “Que todo alemão tome um banho por semana!” Na época, grandes empresas faziam campanhas de saúde, construíam instalações sanitárias para seus empregados e lhes forneciam gratuitamente sabonete e toalha. Somente em 1950 o banho semanal se impôs aos poucos. A família de classe média tomava banho todo sábado – uma pessoa após a outra na mesma água –, e em algumas famílias o papai que trabalhava duro podia ser o primeiro a entrar na banheira. Antigamente, a limpeza corporal significava eliminar o mau cheiro ou a sujeira visível. Com o tempo, essa ideia foi ficando cada vez mais abstrata. Hoje, já não conseguimos imaginar um banho semanal da família. Compramos até desinfetantes para limpar o que nem sequer conseguimos enxergar. Depois de usá-los, a aparência é a mesma de antes. Mesmo assim, valem a pena. Jornais e noticiários nos relatam a respeito de perigosos vírus da gripe, germes multirresistentes ou escândalos com a bactéria EHEC. Todos perigos invisíveis, dos quais queremos nos proteger. As pessoas lidam com o medo de maneiras diferentes. Julgá-las seria um tanto simples – deve-se, antes, entender de onde vem esse medo. Na higiene do medo, trata-se de limpar ou exterminar tudo. Não sabemos ao certo o quê, mas pensamos no pior. De fato, desse modo, limpamos tudo: o que é ruim e o que é bom. Esse tipo de limpeza não pode ser a correta. Quanto mais elevado o padrão de higiene em um país, mais alergias e doenças autoimunes ele terá. Quanto mais estéril for uma casa, mais alergias e doenças autoimunes terão seus moradores. Há trinta anos, cerca de um a cada dez alemães era alérgico a alguma coisa – hoje é um a cada três. Ao mesmo tempo, desde então, o número de infecções não se reduziu visivelmente. Uma higiene inteligente parece ser outra coisa. A pesquisa com as bactérias deste mundo anuncia uma nova compreensão da limpeza. Já não se trata apenas de exterminar o que é perigoso. Mais de 95% de todas as bactérias do mundo não nos fazem nada. Muitas nos ajudam em grande medida. Em uma casa normal, não há o que desinfetar, a menos que alguém na família esteja doente ou que o cão tenha evacuado no chão da sala. Se ainda por cima o cão estiver doente, não há limite para a criatividade: limpadores a vapor, inundação de desinfetante, pequenos lançachamas... algo assim pode até ser divertido. Porém, quando o chão está repleto de pisadas de sapato, bastam água e algumas gotas de desinfetante. Ambos já reduzem as bactérias do chão em até 90%. Assim, a população normal que habita o solo tem a chance de voltar – quanto à parte ruim, não restam muitas possibilidades. Na limpeza deve-se tentar reduzir o número de bactérias, não exterminá-las por completo. Mesmo bactérias ruins podem ser boas para nós, desde que nosso corpo possa usá-las para treino. Alguns milhares de salmonelas em nossa pia são um passeio turístico para nosso sistema imunológico. Somente quando as salmonelas crescem em excesso é que se tornam perigosas. As bactérias se multiplicam em demasia quando encontram condições perfeitas para tanto: ambiente protegido, calor úmido e, vez por outra, comida saborosa. Para mantê-las sob controle, há quatro técnicas caseiras importantes: diluição, secagem, temperatura e limpeza.

A diluição

Também utilizamos a técnica da diluição no laboratório. Diluímos bactérias com fluidos e damos a larvas de mariposas gotas de bactérias em concentrações diferentes. Quando adoecem, as larvas de mariposas mudam de cor. Assim, é fácil perceber quando determinadas bactérias causam doenças – algumas já a partir de mil, outras somente a partir de dez milhões por gota. Dentro de casa, a diluição também se dá, por exemplo, na lavagem de verduras e frutas. Desse modo, a maioria das bactérias do solo é diluída até já não serem prejudiciais a nós. Na Coreia, acrescenta-se à água um pouco de vinagre, a fim de tornar o ambiente desconfortável para as bactérias através do ácido. O arejamento de cômodos também pertence à técnica de diluição. Louças, talheres ou tábuas bem lavados com esponja e depois guardados poderiam até ser lambidos. Esponjas de cozinha são quentes, úmidas e repletas de alimento – perfeitas para todo micróbio que passar por elas. Quem olhar uma esponja dessas ao microscópio vai se contorcer por meia hora no chão, balançando de um lado para o outro. As esponjas de cozinha servem apenas para a sujeira pesada – depois de usálas, devem-se enxaguar rapidamente talheres ou pratos sob água corrente. Isso também vale para os panos de prato que ficam úmidos por muito tempo. Nessa condição, acabam servindo mais para distribuir as bactérias de forma regular do que para secar. Esponjas e panos precisam ser bem torcidos e secos entre um uso e outro; do contrário, tornam-se perfeitas hospedarias com nutrientes e umidade para as bactérias.

 A secagem

As bactérias não conseguem se multiplicar em superfícies secas; algumas até chegam a morrer. Um chão esfregado fica ainda mais limpo depois de seco. Axilas secas através de desodorantes são locais desconfortáveis para bactérias, e isso diminui os odores. A secagem é uma coisa boa. Quando enxugamos os alimentos corretamente, eles duram mais tempo sem estragar. É o que se vê em muitos produtos feitos de grãos, como macarrão, müsli ou torradas, em frutas (como uvas-passas), feijões ou lentilhas e na carne.

 A temperatura

Na natureza, uma vez por ano a temperatura cai de verdade: do ponto de vista das bactérias, o inverno é uma espécie de programa de limpeza. Para nosso dia a dia, o resfriamento de alimentos é muito importante. Uma geladeira contém tanta comida que, mesmo a baixas temperaturas, é um paraíso para as bactérias. A melhor coisa a fazer é mantê-la, no máximo, a 5°C. Na maioria dos ciclos de lavagem, o princípio da diluição é suficiente. Com panos de prato úmidos, cuecas ou roupas de pessoas doentes, +60°C já bastam. Temperaturas acima de 40°C exterminam a maioria das bactérias E. coli; a 70°C conseguimos nos livrar até das salmonelas mais persistentes.

A limpeza

 “Limpar” significa tirar uma película de gordura e proteína das superfícies. Todas as bactérias que as envolveram por dentro ou por baixo são igualmente eliminadas nesse processo. Geralmente se utilizam água e desinfetantes. A limpeza é a melhor solução em todas as salas, cozinhas e banheiros. É possível levar esse processo ao extremo. Faz sentido quando se trata da produção de medicamentos que vão correr diretamente nas veias de pacientes (como soluções para infusão) – nesse caso, nem uma única bactéria pode estar presente. Os laboratórios farmacológicos utilizam, por exemplo, o iodo, que é capaz de sublimar. Sublimar significa que, no calor, um cristal sólido de iodo transforma-se em vapor, sem antes passar pelo estado líquido. Portanto, o iodo é aquecido, de maneira que todo o ambiente desapareça em um vapor azul. Até agora, esse tipo de limpeza ainda soa como o princípio do aspirador de pó a vapor, mas não é só isso: o iodo também é capaz de ressublimar. Para tanto, resfria-se o ambiente, e todo o vapor se cristaliza de imediato. Em todas as superfícies e até mesmo em meio ao ar formam-se milhões de pequenos cristais, que englobam todos os micróbios e caem fechados no chão. Os funcionários passam por diversas comportas de ar e desinfecção, vestem macacões estéreis que cobrem o corpo inteiro e, assim, podem varrer os cristais de iodo. Em princípio, utilizamos o mesmo sistema quando passamos creme nas mãos: fechamos os micróbios em uma película de gordura e o mantemos nela. Quando lavamos essa película, as bactérias também se libertam. Com o invólucro natural de gordura produzido pela pele, muitas vezes água sem sabão já é suficiente. A película de gordura não é totalmente destruída e, após a lavagem, pode retomar seu trabalho com mais rapidez. Lavagens muito frequentes são bobagem – isso vale tanto para as mãos quanto para o corpo. Se a toda hora eliminarmos a película de gordura, vamos expor nossa pele indefesa ao ambiente. E, se bactérias responsáveis pelo mau odor encontrarem entrada, ao suarmos nosso cheiro será ainda mais forte. Um círculo vicioso.

Novos métodos

Atualmente, uma equipe de Gent, na Bélgica, tenta um novo método. Os pesquisadores combatem o odor do suor com bactérias. Desinfetam as axilas passando nelas bactérias inodoras e observam o relógio. Após alguns minutos, o participante da experiência pode vestir sua camisa e voltar para casa. Depois, os participantes são convidados a visitar sempre o laboratório para os especialistas sentirem seu cheiro. Os primeiros resultados mostram-se bastante bons – em muitos, as bactérias de odor neutro conseguem expulsar as de odor ruim. O mesmo método também vem sendo utilizado em banheiros públicos malcheirosos de Düren, na Alemanha. Uma empresa possui uma mistura de bactérias que pode ser utilizada para a limpeza como um desinfetante. Essa mistura de odor neutro pode espalhar-se e tomar o lugar das bactérias de cheiro ruim. A ideia de limpar instalações sanitárias com bactérias é genial, mas, infelizmente, os produtores não revelam a composição do produto, o que dificulta sua avaliação científica. De todo modo, a cidade de Düren parece ter tido êxito com esse experimento. Esses novos conceitos de bactérias mostram um aspecto muito bom: limpeza não significa exterminar tudo que contém bactérias. A limpeza é um equilíbrio saudável entre um número suficiente de bactérias boas e outro de poucas ruins. Isso significa uma proteção inteligente contra o que é perigoso e, às vezes, a difusão específica do que é bom. Tendo isso em vista, também se pode concordar com antigas sabedorias, como a da autora norte-americana Suellen Hoy: “From the perspective of a middleclass American woman (also a seasoned traveler) who has weighed the evidence, it is certainly better to be clean than dirty” [Segundo a perspectiva de uma mulher norte-americana de classe média (igualmente uma viajante experiente), que ponderou sobre essa evidência, certamente é melhor estar limpa do que suja.]

 Antibióticos

Os antibióticos exterminam patógenos perigosos de maneira muito confiável. Exterminam também a família desses patógenos. E seus amigos. E seus conhecidos. E conhecidos distantes desses conhecidos. Isso faz deles as melhores armas contra bactérias perigosas – e as armas mais perigosas contra as melhores bactérias. Quem produz a maioria dos antibióticos? As bactérias. Hein? Os antibióticos são as armas com as quais fungos e bactérias hostis se combatem mutuamente. Desde que pesquisadores descobriram esse fato, nas empresas farmacêuticas são cultivadas bactérias em massa. Em enormes recipientes para líquidos (com até cem mil litros de capacidade) crescem tantas bactérias que é impossível exprimir em números. Elas produzem antibióticos, que posteriormente são limpos e cuja substância é compactada em forma de comprimidos. O produto tem boa saída, sobretudo nos Estados Unidos: em um estudo sobre os efeitos dos antibióticos na flora intestinal, em todo o distrito de São Francisco e nas localidades circunvizinhas foram encontradas apenas duas pessoas que não fizeram uso de antibióticos nos últimos dois anos. Um em cada quatro alemães consome em média um antibiótico por ano. A razão mais frequente são os “resfriados”. Essa declaração é uma punhalada no coração de todo microbiologista. Geralmente, os resfriados não são causados por bactérias, e sim por vírus. Os antibióticos possuem três funcionalidades: destruir bactérias, envenenar bactérias e tornar as bactérias incapazes de procriar. Para acabar com os vírus, esses medicamentos não têm nenhuma competência. Portanto, em muitos resfriados, os antibióticos não ajudam em nada. A melhora de algumas pessoas após ingeri-los deve-se ao efeito placebo ou ao trabalho de nosso próprio sistema imunológico. Contudo, ao tomá-los sem razão, matamos muitas bactérias úteis e, portanto, nos prejudicamos. Para evitar esse dano em caso de infecção desconhecida, pode-se pedir ao médico um teste de procalcitonina. Esse teste mostra se são bactérias ou vírus os responsáveis por nosso resfriado. Sobretudo quando são crianças pequenas a sofrer de alguma infecção desconhecida, seria recomendável levar essa opção em conta. Quando é oportuno fazer uso de antibióticos, então eles devem ser tomados. Por certo, as desvantagens serão compensadas pelas vantagens – por exemplo, em pacientes com forte pneumonia ou crianças que precisam superar uma infecção muito complicada sem sequelas. Nesses casos, um pequeno comprimido pode salvar vidas. Os antibióticos impedem a multiplicação das bactérias. O sistema imunológico extermina todos os patógenos restantes, e logo melhoramos. Embora paguemos um preço por isso, no fim das contas é um ótimo negócio. O efeito colateral mais comum é a diarreia. Quem não é acometido por ela, talvez ao usar o banheiro pela manhã perceba que as fezes saem em porções visivelmente maiores. Falando sem rodeios nem elegância: trata-se de uma grande porção de bactérias intestinais mortas. O comprimido de antibiótico não viaja da boca para o nariz com resfriado, e sim desliza diretamente para o estômago e dele para o intestino. Antes que deste último chegue ao sangue e depois – entre outros – também vá para o nariz, a reunião de micróbios no intestino primeiro é metralhada, depois envenenada e, por fim, esterilizada. O resultado é um impressionante campo de batalha, que pode ser visto na próxima ida ao banheiro. Os antibióticos podem alterar visivelmente nossa flora intestinal. Reduzem a multiplicidade dos nossos micróbios intestinais e podem alterar sua capacidade. Por exemplo, quanto colesterol pode ser absorvido, se vitaminas (como a H, amiga da pele) serão produzidas ou qual alimento será aproveitado. Nos primeiros estudos de Harvard e Nova York, os antibióticos metronidazol e gentamicina demonstraram alterações muito grandes da flora intestinal. Complicados são os antibióticos para crianças pequenas e pacientes mais velhos. Sua flora intestinal é muito instável e tem mais dificuldade para recuperar-se depois do tratamento. Estudos da Suécia conseguiram mostrar que dois meses após o uso de antibióticos em crianças ainda se constatavam alterações visíveis na flora intestinal: havia mais bactérias potencialmente ruins e menos boas, como as bifidobactérias ou os lactobacilos. Os antibióticos utilizados foram a ampicilina e a gentamicina. Examinaram-se apenas nove crianças, o que não torna o resultado total muito expressivo; contudo, esse é o único em seu gênero. Portanto, é preciso considerá-lo com cautela. Um novo estudo com aposentados da Irlanda mostrou uma divisão nítida: algumas paisagens intestinais se recuperam muito bem após a ingestão de antibióticos; outras permanecem alteradas por um bom tempo. Ainda não se conhecem as causas dessa dicotomia. Tanto em matéria de intestino quanto em psicologia, chama-se de “resiliência” essa capacidade de se restabelecer de maneira estável após fortes experiências. Praticamente ainda se contam nos dedos de uma mão as pesquisas realizadas sobre as consequências a longo prazo – e isso apesar de utilizarmos os antibióticos há mais de cinquenta anos. A razão para tanto é a técnica: os aparelhos necessários para esse tipo de estudo têm poucos anos de vida. O único efeito comprovado nesse meio-tempo é a formação da resistência. Mesmo dois anos após a ingestão de antibióticos ainda se encontram bactérias ruins no intestino, que contam a seus tatara... tataranetos suas histórias de guerra. Enfrentaram os antibióticos e sobreviveram a eles. E isso por uma boa razão. Na ocasião, desenvolveram técnicas de resistência, construindo, por exemplo, pequenas bombas nas paredes de suas células. Desse modo, bombeavam o antibiótico para fora de si, como o corpo de bombeiros faz ao bombear a água para fora de um porão inundado. Algumas bactérias se camuflam, de maneira que os antibióticos não reconhecem suas paredes e, portanto, não conseguem perfurá-las. Outras usam sua capacidade de desintegrar coisas e constroem ferramentas para também conseguirem fragmentar os antibióticos. A questão é: raramente os antibióticos matam todas as bactérias. Exterminam certas comunidades, dependendo do veneno que utilizam. Sempre há bactérias que sobrevivem ou se tornam combatentes experientes. Quando ficamos muito doentes, justamente esses combatentes podem nos causar problemas: quanto mais resistências tiverem desenvolvido, mais difícil será dominá-los com antibióticos.

 Todos os anos morrem na Europa milhares de pessoas em decorrência de bactérias tão resistentes que nenhum medicamento faz efeito contra elas. Se o sistema imunológico se debilita após uma cirurgia ou se os germes resistentes se tornam maioria absoluta após longas terapias à base de antibióticos, corre-se perigo. Poucos medicamentos novos são desenvolvidos, pois essa área comercial simplesmente não traz grandes lucros para as empresas farmacêuticas.

 Quem quiser se manter longe das desnecessárias guerras de antibióticos travadas no intestino estará bem aconselhado seguindo estes quatro pontos:

1. Não tomar antibióticos desnecessariamente. Quando tiver de tomá-los, que seja por um período suficiente. Isso porque, em algum momento, hábeis combatentes da resistência podem desistir e ser destruídos. Assim, no final, permanecem apenas as bactérias que ficariam de todo modo. Pelo menos no restante se deu o golpe de misericórdia.

 2. Carne orgânica. As resistências variam de um país para outro. Muitas vezes, estão escandalosamente em estreita relação com os antibióticos da criação de animais de grandes matadouros. Em países como a Índia ou a Espanha, quase não se controla quanto antibiótico os animais recebem. Assim, criam-se gigantescos zoológicos de resistência nos intestinos. Nesses países, também é visível entre as pessoas um número maior de infecções não tratáveis do que em outras regiões. Na Alemanha, existem regras, mas mesmo estas são ridiculamente imprecisas. Assim, muitos veterinários ganham seu dinheiro com o “comércio” semilegal “de antibióticos”. Somente em 2006 a União Europeia proibiu misturar à ração de animais antibióticos como potencializadores de rendimento. Entre outras coisas, potencializar o rendimento significa impedir a perda de rendimento do animal por infecção em um estábulo superlotado e sujo. Esse rendimento é primorosamente elevado com antibióticos. Animais provenientes de estábulos orgânicos só podem receber quantidades estabelecidas de antibióticos – se estas forem ultrapassadas, a mercadoria é vendida como carne “normal”, sem o selo de qualidade orgânica. Se possível, é melhor gastar um pouco mais para evitar zoológicos de resistência e promover a paz no intestino. Não se perceberá a diferença de imediato, mas se estará investindo em um futuro mais seguro.

 3. Lavar bem frutas e verduras. Isso também tem a ver com a criação de animais, pois seus excrementos costumam ser utilizados como adubo. O chorume chega ao campo. Portanto, é melhor lavar mais do que menos. Poucas quantidades de antibióticos já são capazes de estimular a resistência em bactérias.

4. Atenção durante as férias. Uma em cada quatro pessoas que saem de férias traz germes altamente resistentes para casa. A maioria desaparece após alguns meses, mas alguns também se demoram por mais tempo em nós. Deve-se ter um cuidado especial em países problemáticos do ponto de vista bacteriano, como a Índia. Na Ásia e no Oriente Médio, deve-se lembrar de lavar constantemente as mãos, higienizar bem frutas e verduras e, se necessário, com água fervida – o sul da Europa também não fica atrás. “Cook it, peel it or leave it” [Cozinhe, descasque ou então esqueça] – a recomendação vale não apenas como proteção contra a diarreia, mas também como proteção contra souvenirs indesejados de resistência para si mesmo e para a família.

Existem alternativas aos antibióticos?

Vegetais (fungos como a penicilina não são vegetais, mas contam como seres vivos) produzem antibióticos que há séculos funcionam sem causar resistências. Quando os vegetais se quebram ou ficam porosos, nos locais afetados é necessário que se produzam substâncias hostis aos micróbios; do contrário, em um piscar de olhos, o vegetal se tornaria um banquete para as bactérias de seu ambiente. Para resfriados e infecções urinárias incipientes ou inflamações na boca ou na faringe, podem-se comprar na farmácia antibióticos vegetais em forma concentrada. Por exemplo, há produtos à base de óleo de mostarda ou de rábano, extratos de camomila ou sálvia. Em parte, são capazes de reduzir não apenas as bactérias, mas também os vírus. Assim, nosso sistema imunológico tem menos trabalho e uma chance maior de expulsar os malfeitores. Em caso de doença grave ou que avança sem melhora sensível, esses medicamentos fitoterápicos não são a solução. Podem até causar danos quando se demora muito para aceitar a utilização de antibióticos fortes. Nos últimos anos, os danos cardíacos e auditivos em crianças cresceram visivelmente em consequência de infecções. É frequente acontecer isso quando os pais apenas querem proteger os filhos do excesso de antibióticos. No entanto, essa decisão também pode ter consequências fatais. Um médico experiente não passa antibiótico para qualquer problema – mas também diz claramente quando ele é necessário. Com os antibióticos são travados pequenos jogos de poder: com eles, nos armamos em grande estilo contra bactérias perigosas, que, por sua vez, se armam com resistências ainda mais perigosas. Na verdade, nossos pesquisadores de medicamentos teriam então de se reequipar. Ao engolir esses medicamentos, cada um de nós estabelece uma relação comercial. Sacrificamos nossas bactérias boas na esperança de combater as ruins. Às vezes, com um leve resfriado, essa troca não é boa, mas com doenças graves é um negócio que vale a pena. Ainda não existe nenhuma proteção específica para bactérias intestinais ameaçadas de extinção. Podemos dizer, com segurança, que desde a descoberta dos antibióticos aniquilamos muitas heranças de família. O espaço recém-criado no intestino deveria, se possível, receber uma ocupação adequada. Para tanto, existem os probióticos, que ajudam o intestino a recuperar o equilíbrio depois de um perigo real ser afastado.

Probióticos

Todos os dias, engolimos muitos bilhões de bactérias vivas. Elas estão nos alimentos crus, algumas sobrevivem até ao cozimento; chupamos o dedo inconscientemente, engolimos as bactérias de nossa boca ou, através dos beijos, as da paisagem bacteriana alheia. Uma pequena parte delas sobrevive até mesmo ao forte ácido gástrico e ao procedimento de ataque da digestão, aterrissando com vida no intestino grosso. A maior parte das bactérias é desconhecida – supõe-se que sejam inócuas ou façam algo bom que ainda não descobrimos. Algumas poucas são patogênicas, mas normalmente não nos fazem mal por serem em número muito reduzido. Apenas uma fração dessas bactérias é completamente examinada por nós e oficialmente declarada como “boa”. Essas bactérias podem ser chamadas de probióticas. Estamos diante das prateleiras refrigeradas dos supermercados e lemos a palavra “probiótico” em uma embalagem de iogurte. Não sabemos muito bem o que se esconde por trás disso ou quais são seus efeitos, mas muitos de nós ainda temos o spot publicitário na cabeça: o sistema imunológico é fortalecido, e a tia com prisão de ventre volta rapidinho ao banheiro, razão pela qual recomenda o produto às amigas. Isso é legal. Por ele, eu também gasto com prazer um pouco mais. E vupt! Lá estão os probióticos nos carrinhos de compras, depois na geladeira e, por fim, na boca. Os seres humanos se alimentam de bactérias probióticas desde sempre. Sem elas, não existiríamos. É o que alguns sul-americanos também acabaram constatando ao levarem mulheres grávidas ao Polo Sul, onde dariam à luz. A ideia por trás disso era receber a autorização jurídica graças aos “nascidos no local” e, assim, poder extrair petróleo legitimamente das reservas. Resultado: os bebês morreram, no mais tardar no caminho de volta à América do Sul. O Polo Sul é tão frio e asséptico que os bebês simplesmente não adquiriram bactérias suficientes. Só as condições normais de calor e os germes presentes na viagem de retorno já mataram os recém-nascidos. Bactérias auxiliares são partes importantes da nossa vida e estão sempre ao nosso redor e sobre nós. Nossos antepassados não sabiam disso, mas acertavam muito por intuição: protegiam os alimentos das bactérias ruins do apodrecimento confiando-os às boas. Por exemplo, servindo-se de sua ajuda para conservar os alimentos. Em todas as culturas há pratos tradicionais que surgiram a partir de micróbios úteis. Na Alemanha, por exemplo, esses pratos são o chucrute, os pepinos em conserva ou o pão de fermentação ácida. Crème fraîche, da França, queijo esburacado, da Suíça, salames e azeitonas da Itália, ayran, da Turquia – nada disso existiria sem os micróbios. Da Ásia vêm inúmeros pratos do gênero: molho de soja, kombucha, sopa de missô, kimchi coreano, lassi da Índia, fufu da África... a lista poderia ser infindável. Esses alimentos são trabalhados por bactérias e, portanto, são “fermentados”. Nesse processo, muitas vezes são produzidos ácidos que dão ao iogurte ou à verdura um gosto azedo. Graças ao ácido e às muitas bactérias boas, o alimento é protegido das bactérias perigosas. A fermentação é a técnica mais antiga e saudável para conservar os alimentos. Antigamente, tão diferentes quanto os numerosos pratos eram as culturas de bactérias responsáveis por eles. Na coalhada de uma família do Palatinado encontraram-se culturas diferentes das presentes no ayran de uma família da Anatólia. Em países meridionais utilizavam-se bactérias que trabalhavam bem a temperaturas elevadas; já nas regiões nórdicas, bactérias propensas à temperatura ambiente. Iogurte, coalhada ou outros produtos fermentados surgiram por acaso. Alguém deixou o leite do lado de fora, bactérias chegaram ao recipiente (diretamente da vaca ou pelo ar, durante a ordenha), o leite engrossou, e o novo alimento estava pronto. Se um germe especialmente saboroso do iogurte ia parar no leite, acrescentava-se uma colherada do iogurte recém-surgido à próxima porção de leite, permitindo, assim, que as bactérias produzissem ainda mais iogurte. Ao contrário da produção atual de iogurte, antigamente uma grande equipe de bactérias diferentes punha mãos à obra, e não apenas alguns tipos selecionados. A multiplicidade das bactérias nos alimentos fermentados reduziu-se intensamente. Com a industrialização, os processos de produção também foram normatizados, com bactérias selecionadas isoladamente em laboratório. Hoje, após a ordenha, o leite é rapidamente aquecido, a fim de se exterminarem eventuais patógenos. Contudo, desse modo, também se exterminam potenciais bactérias de iogurte. Por isso, hoje também não se deve deixar nosso leite comprado no supermercado fora da geladeira, esperando que em algum momento ele se transforme em iogurte. Atualmente, muitos dos antigos alimentos ricos em bactérias já não são conservados com bactérias, e sim com vinagre – por exemplo, a maioria dos pepinos azedos. Alguns são fermentados com bactérias, mas depois são aquecidos de forma asséptica, como a maioria do chucrute vendido em supermercado. Com frequência, só se consegue comprar chucrute fresco em lojas de produtos orgânicos. Desde o início do século XX, o mundo científico já imaginava a importância das bactérias boas para nós. Na época, Ilya Metchnikoff também subiu ao palco do iogurte. Ganhador do prêmio Nobel, ele observou os camponeses das montanhas búlgaras, que muitas vezes ultrapassavam os cem anos de idade, e isso com um bom humor notável. Metchnikoff supunha que o segredo desses camponeses estivesse em suas sacolas de couro, nas quais transportavam o leite de suas vacas. Os camponeses percorriam um longo caminho de volta, de maneira que o leite se transformava em coalhada ou iogurte até chegarem às suas casas. Ele estava convencido de que a ingestão regular desses produtos com bactérias era responsável por sua longevidade. Em seu livro The Prolongation of Life [O prolongamento da vida], defendeu a ideia de que, graças às boas bactérias, podemos viver mais e melhor. A partir de então, as bactérias deixaram de ser apenas componentes anônimos do iogurte e passaram a ser também importantes causadores de saúde. Contudo, seu conhecimento chegou em um momento desfavorável. Pouco antes, as bactérias haviam sido descobertas como causadoras de doenças. Embora o microbiologista Stamen Grigorov tenha encontrado em 1905 o Lactobacillus bulgaricus, bactéria do iogurte descrita por Metchnikoff, logo em seguida ocupou-se do combate à tuberculose. Com o efeito útil dos antibióticos, desde cerca de 1940 a maioria não tem dúvida: quanto menos bactérias, melhor. Devemos aos bebês o fato de a reflexão de Ilya Metchnikoff e a bactéria de Grigorov terem entrado em nossos supermercados. Muitas vezes, as mães que não podiam amamentar seus bebês tinham um problema com o leite em pó: seus filhos ficavam com diarreia. A indústria do leite em pó ficou muito surpresa, pois os ingredientes eram os mesmos do autêntico leite materno. O que poderia estar faltando? Bactérias! Aquelas que costumam ficar nos mamilos banhados em leite e as que aparecem com especial abundância no intestino de lactentes: bifidobactérias e lactobacilos. Elas quebram o açúcar do leite (lactose) e produzem o ácido láctico (lactato); por isso, estão entre as bactérias do ácido láctico. Um pesquisador japonês produziu um iogurte com as bactérias chamadas de Lactobacillus casei Shirota, que inicialmente as mães só encontravam à venda em farmácias. Dando diariamente um pouco dessas bactérias aos bebês, eles tinham menos diarreia. Na pesquisa industrial, encontrou-se o caminho de volta à perspectiva de Metchnikoff – com as bactérias dos bebês e ambições mais modestas. Em geral, o iogurte normal contém o Lactobacillus bulgaricus. Contudo, não se trata necessária e exatamente do mesmo tipo de iogurte dos camponeses búlgaros. Hoje, a espécie descoberta por Stamen Grigorov é nomeada com mais precisão de Lactobacillus helveticus spp. bulgaricus. As bactérias não são muito resistentes à digestão, e apenas uma pequena parte delas chega viva ao intestino. Para alguns efeitos sobre o sistema imunológico, isso não é muito importante. Geralmente, para as células imunocompetentes, já é suficiente perceber a presença de alguns envoltórios vazios de bactérias para que se sintam motivadas a trabalhar. O iogurte probiótico contém bactérias inspiradas pela pesquisa sobre a diarreia dos bebês: na medida do possível, devem chegar vivas ao intestino grosso. As bactérias capazes de resistir à digestão são, por exemplo, o Lactobacillus rhamnosus, o Lactobacillus acidophilus ou o já mencionado Lactobacillus casei Shirota. Teoricamente, uma bactéria viva consegue ter mais êxito lá embaixo, no intestino. Também há estudos que comprovam sua eficácia, mas que não são suficientes para os órgãos europeus responsáveis pela segurança alimentar. Desde então, slogans feitos para apresentar orgulhosamente um produto, como os já utilizados para anunciar o Yakult ou o Actimel e companhia, não podem mais ser empregados. Além disso, nem sempre se pode ter 100% de certeza de que ao intestino chegará um número suficiente de bactérias probióticas. Uma lacuna na cadeia fria, uma pessoa com muita acidez ou de digestão lenta podem fazer com que as bactérias pareçam precocemente envelhecidas. Obviamente, isso não é ruim, mas, nessas condições, talvez um probiótico já não seja melhor do que um iogurte normal. Para provocar alguma coisa no gigantesco ecossistema intestinal, cerca de um bilhão de bactérias (109) bem-dispostas deve pôr-se a caminho. Moral da história: todo iogurte pode ser bom, mas nem todas as pessoas toleram a proteína do leite ou muita gordura animal. A boa notícia: há um mundo de probióticos fora do iogurte. A esse respeito, os pesquisadores fazem experiências em seus laboratórios com bactérias selecionadas. Eles as colocam diretamente em células intestinais, dispostas em placas de Petri, alimentam camundongos com coquetéis de micróbios ou fazem as pessoas engolirem cápsulas repletas de micro-organismos vivos. Nesse meio-tempo, na pesquisa sobre probióticos, observamos de maneira aproximada três campos de trabalho, nos quais nossas boas bactérias revelaram capacidades fascinantes.

1. Massagem e bálsamo
 Muitas bactérias probióticas cuidam bem do nosso intestino. Elas possuem genes para produzir pequenos ácidos graxos, como o butirato. Assim, conseguem embalsamar as vilosidades intestinais e cuidar delas. Vilosidades intestinais bem cuidadas são muito mais estáveis e crescem mais do que as não tratadas. Quanto maiores elas são, mais conseguimos absorver alimentos, minerais ou vitaminas. Quanto mais estáveis são, menos detritos deixam passar. Resultado: nosso corpo recebe muitos nutrientes e menos substâncias nocivas.

2. Serviço de segurança 
Boas bactérias defendem nosso intestino – afinal, ele é sua pátria, e elas não entregam seu território espontaneamente a bactérias ruins. Por isso, às vezes residem justamente nos locais onde os patógenos gostam de nos infectar. Quando chega uma bactéria ruim, as boas já estão gordas, com um sorriso irônico no rosto e sentadas em seu lugar preferido. Colocam a bolsa no banco do passageiro e deixam vago um espaço estreito e desconfortável. Se esse sinal não é claro o suficiente, não há problema: as bactérias do serviço de segurança conhecem ainda mais truques. Por exemplo, produzem pequenas quantidades de antibióticos e anticorpos, com os quais expulsam as bactérias estranhas para o próximo ambiente. Ou então utilizam diferentes ácidos, com os quais não apenas iogurtes ou coalhadas são protegidos das bactérias do apodrecimento: graças aos ácidos, também nosso intestino se transforma em um ambiente desconfortável para germes ruins. Outra possibilidade é comer tudo sem deixar sobrar nada (quem tem irmãos talvez saiba o que é isso). Algumas bactérias probióticas parecem gostar de apanhar a comida bem no nariz das bactérias ruins. Uma hora as malvadas perdem a paciência e acabam desistindo.

 3. Boas conselheiras e treinadoras 
Last but not least, as bactérias são as melhores especialistas em questões bacterianas. Quando colaboram com nosso intestino e suas células imunocompetentes, como insiders elas nos fornecem importantes informações e nos dão um bom aconselhamento: qual é o aspecto dos diferentes invólucros das bactérias? Quanto muco protetor deve ser formado? Quantos anticorpos bacterianos (defensinas) devem ser produzidos pelas células intestinais? Deve o sistema imunológico reagir de modo mais ativo a substâncias estranhas ou aceitar o novo com tranquilidade? Um intestino saudável possui muitas bactérias probióticas. Utilizamos suas capacidades todos os dias e a cada segundo. Contudo, algumas vezes nossas comunidades bacterianas podem ser atacadas. Isso pode ocorrer devido a antibióticos, alimentação ruim, doenças, fases de estresse etc. etc. etc. Não sendo muito bem cuidado, nosso intestino recebe menos proteção e menos aconselhamento. Nesses casos, é oportuno que alguns resultados da pesquisa em laboratório também encontrem seu caminho nas farmácias. Nelas se podem buscar bactérias vivas e, assim, arrumar trabalhadores temporários para períodos de dificuldade. Bons contra diarreia. A número um entre as áreas de aplicação dos probióticos. Em casos de gripe intestinal ou diarreia devido à ingestão de antibióticos, diferentes bactérias vendidas em farmácias ajudam a atenuar a diarreia e a abreviá-la, em média, em um dia. Ao mesmo tempo, elas praticamente não apresentam efeitos colaterais – ao contrário da maioria dos outros medicamentos contra a diarreia. Isso as torna especialmente valiosas para crianças pequenas ou pessoas mais velhas. Em doenças intestinais, como a colite ulcerativa ou a síndrome do cólon irritável, os probióticos podem adiar os surtos de diarreia e inflamação. Bons para o sistema imunológico. Para pessoas que adoecem com frequência, é recomendável testar diversos probióticos, sobretudo no período de resfriados. Se essa solução é muito cara, também se pode tomar diariamente um copo de iogurte, pois, para alguns efeitos suaves, as bactérias não precisam estar vivas. Em alguns estudos, provou-se que sobretudo pessoas mais velhas e atletas com treinamento intenso adoecem menos ou com menor gravidade quando ingerem probióticos regularmente.

Uma possível proteção contra alergias. Esse efeito não é tão bem comprovado como o dos probióticos em caso de diarreia ou imunodeficiência. Mesmo assim, para pais de crianças com elevado risco de ter alergias e neurodermite, os probióticos são uma boa opção. Muitos estudos mostram uma nítida proteção. Em alguns, esse efeito não pôde ser comprovado, mas com frequência também foram empregadas diferentes bactérias para as respectivas pesquisas. Nesse caso, eu apostaria no princípio “melhor mais do que menos”. Os probióticos não são absolutamente prejudiciais a crianças vulneráveis a alergias. Segundo alguns estudos, em caso de alergias ou neurodermite já existentes, os sintomas podem ser atenuados. Além de algumas áreas bem exploradas, como diarreia, doenças intestinais e sistema imunológico, há campos de pesquisas atuais que ultimamente têm mostrado resultados muito promissores. É o caso, por exemplo, de distúrbios digestivos, diarreia do viajante, intolerância à lactose, sobrepeso, inflamação nas articulações ou diabetes. A quem quiser experimentar os probióticos para um desses problemas (por exemplo, em caso de prisão de ventre ou gases), o farmacêutico não poderá recomendar nenhum preparado, cujo efeito desejado seja comprovadamente perfeito. Nesse aspecto, a ciência farmacêutica não avançou muito mais do que as pesquisas: é preciso fazer testes por conta própria até encontrar a bactéria que ajude. Simplesmente deve-se ler a embalagem do que vai ser testado e, se após quatro semanas nada acontecer, talvez dar uma chance a mais um ou dois tipos de bactérias. Alguns gastrenterologistas podem informar quais bactérias valem a pena. Para todos os probióticos seguem as mesmas regras: é preciso tomá-los regularmente por cerca de quatro semanas e consumi-los antes da data de validade (do contrário, não vivem em quantidade suficiente para agir no gigantesco ecossistema do intestino). De todo modo, antes de adquirir produtos probióticos, é importante saber se eles são indicados para os respectivos distúrbios. As bactérias possuem genes diferentes – algumas são melhores conselheiras do sistema imunológico, enquanto outras são mais combativas quando se trata de expulsar algum patógeno da diarreia. Até agora, os probióticos mais testados são as bactérias do ácido láctico (lactobacilos e bifidobactérias) e os Saccharomyces boulardii, uma levedura que não tem recebido aqui toda a atenção que na verdade merece. Com efeito, não se trata de uma bactéria; por isso, gosto menos dela. Entretanto, como levedura, tem uma vantagem imbatível: antibióticos nada podem contra ela. Portanto, se enquanto tomamos antibióticos expulsamos tudo que é bacteriano, a Saccharomyces consegue se estabelecer confortavelmente. Desse modo, ela nos protege de oportunistas ruins e, além disso, é capaz de ligar toxinas. Contudo, também tem mais efeitos colaterais do que os probióticos bacterianos. Algumas pessoas têm intolerância à levedura e apresentam, por exemplo, erupção cutânea como consequência. Além de uma ou duas leveduras, praticamente conhecemos apenas bactérias do ácido láctico como probióticos. Isso mostra que, nessa área, ainda estamos bem no início. Pois normalmente os lactobacilos aparecem menos na flora intestinal dos adultos, e dificilmente as bifidobactérias são as únicas promotoras de saúde que se podem encontrar no intestino grosso. Até agora, existe apenas outra espécie de bactéria probiótica igualmente bem pesquisada: a E. coli Nissle 1917. Essa espécie de E. coli foi isolada a partir do excremento de um soldado que voltou para casa após a guerra: todos os seus colegas haviam contraído diarreia grave na guerra dos Bálcãs, menos ele. Desde então, muitos estudos conseguiram provar que essa bactéria pode ajudar em caso de diarreia, doenças intestinais e um sistema imunológico debilitado. O soldado morreu há muito tempo, mas hoje ainda multiplicamos sua talentosa E. coli em laboratórios médicos e a colocamos nas prateleiras das farmácias para que ajudem o intestino de outras pessoas. No momento, o efeito de todos os probióticos ainda é limitado por um detalhe: ministramos bactérias selecionadas isoladamente em laboratório. Tão logo se deixa de ingerir os probióticos todos os dias, a maioria deles acaba desaparecendo de nosso intestino. Cada intestino é de um jeito, há equipes fixas, que se ajudam mutuamente ou se combatem – no começo, quem chega lá de cima não tem muito a dizer sobre a distribuição de lugar. Por isso, os probióticos funcionam momentaneamente como um tratamento para o intestino. Quando esse tratamento é interrompido, a própria flora precisa continuar o trabalho. Para resultados de duração maior, há pouco tempo tem-se flertado com a estratégia de time misto: de uma só vez, várias bactérias que se ajudam mutuamente a se firmarem em terreno desconhecido. Umas pelas outras, assumem o descarte dos detritos ou produzem alimento para suas colegas. Muitos produtos de farmácias, drogarias ou supermercados apostam nesse princípio com uma mistura de ácidos lácticos, colegas de longa data. De fato, eles podem trabalhar com maior eficácia. A ideia de que, desse modo, seria possível estabelecer essas bactérias no intestino por um longo período é boa, mas até agora não tem funcionado muito bem... para dizer de maneira favorável. Contudo, quando se conclui rigorosamente a estratégia de time misto, os resultados são, de fato, impressionantes. É o que se vê, por exemplo, no tratamento de infecções por Clostridium dif icile, bactérias que sobrevivem bem aos antibióticos e, em seguida, podem tomar todo o espaço liberado no intestino. Às vezes, as pessoas afetadas passam vários anos tendo diarreias com sangue e muco, que, apesar de mais antibióticos ou preparados à base de probióticos, já não conseguem controlar. Algo assim não apenas é muito exaustivo para o corpo, mas também desesperador. Nessas situações emergenciais, os médicos precisam ser muito criativos. Atualmente, alguns doutores corajosos transplantam de pessoas saudáveis times empenhados de bactérias, com todas as possíveis bactérias intestinais autênticas. Felizmente, isso até que ocorre com facilidade (em medicina veterinária, é assim que há décadas muitas doenças vêm sendo curadas com sucesso): basta ter o excremento saudável com as bactérias. Nesse caso, um time misto significa, portanto, “transplante de fezes”. Nos transplantes médicos de fezes, não se recebe o excremento puro, e sim limpo. Por trás ou pela frente, pouco importa. Em quase todos os estudos, o índice de êxito em casos de diarreia grave, provocada por Clostridium dif icile e até o momento incurável, é de cerca de 90%. Há poucos medicamentos com um índice de êxito tão alto. Apesar dos bons resultados, por enquanto o procedimento só pode ser empregado em casos sem esperança. De fato, ainda não é possível estimar se outros germes potencialmente nocivos também podem ser transmitidos no processo. Algumas empresas já estão associando esses materiais sintéticos transplantados a uma garantia de “isenção de danos”. Se der certo, haverá algum avanço. No transplante de bactérias boas, que depois lançarão raízes por um longo período, talvez resida o maior potencial dos probióticos. O procedimento já levou aos primeiros bons resultados em casos drásticos de diabetes. No momento também se realizam testes para saber se, desse modo, é possível impedir o surgimento do diabetes tipo 1. Talvez para algumas pessoas represente um grande salto o modo como se chega da evacuação ao diabetes. Mas, na verdade, não é tão absurdo assim: afinal, transplantam-se não apenas bactérias de defesa, mas também um órgão microbiano, que ajuda a regular o metabolismo e o sistema imunológico. Ainda falta conhecer mais de 60% dessas bactérias intestinais. A investigação de espécies que eventualmente agem como probióticos é dispendiosa, assim como antigamente o era a busca por ervas medicinais eficazes. Só que desta vez o remédio vive conosco. A cada dia e a cada refeição, o grande órgão microbiano também exerce sua influência – positiva ou negativamente.

 Prebióticos

Com os prebióticos, trata-se exatamente da mesma questão: estimular boas bactérias através de determinados alimentos. Os prebióticos são tão úteis no dia a dia quanto os probióticos. Seu único requisito é que em algum lugar do intestino haja boas bactérias. Estas podem ser estimuladas através de alimentos prebióticos e ganham cada vez mais força contra as ruins. Como as bactérias são muito menores do que nós, elas veem a comida de uma perspectiva bem diferente. Para elas, cada grãozinho se torna um evento incrível, um delicioso fragmento de cometa. Chamamos de “fibras” tudo que não pode ser absorvido no intestino delgado. No entanto, não são lastros desnecessários, pelo menos não para nossas bactérias no intestino grosso, que adoram as fibras – mas nem todos os tipos. Algumas bactérias gostam de fibras não digeridas de aspargos; outras preferem fibras não digeridas de carne. Às vezes, alguns médicos não sabem por que recomendam a seus pacientes que comam mais fibras. Assim, prescrevem uma alimentação abundante para as bactérias que são úteis para nós. Dessa maneira, há comida suficiente para os micróbios intestinais, para que produzam vitaminas e ácidos graxos saudáveis ou voltem a treinar corretamente o sistema imunológico. Contudo, em nosso intestino grosso sempre há patógenos que, a partir de determinado alimento, podem produzir substâncias como o indol, o fenol ou o amoníaco. No armário de produtos químicos, essas substâncias aparecem com símbolos de advertência. É justamente aqui que entram os prebióticos: eles são fibras que só podem ser comidas por bactérias do bem. Se houvesse algo parecido para as pessoas, a cantina seria o local das revelações. O açúcar comum, por exemplo, não é prebiótico porque as bactérias causadoras da cárie também gostam dele. Bactérias ruins não conseguem utilizar os prebióticos ou só conseguem utilizálos muito pouco e, portanto, também não conseguem produzir nada ruim. Ao mesmo tempo, as bactérias boas vão se fortalecendo cada vez mais e conquistando cada vez mais território. No entanto, costumamos comer poucas fibras – e prebióticos menos ainda. Dos trinta gramas de fibras que deveria ingerir todos os dias, a maioria dos europeus chega apenas a cerca da metade. É tão pouco que acaba surgindo uma dura concorrência no intestino, na qual bactérias nem um pouco agradáveis também podem levar vantagem. No entanto, não é muito difícil fazer algo bom para si mesmo e seus melhores micróbios. Afinal, a maioria das pessoas tem algum prato prebiótico preferido que comeria com mais frequência sem nenhum problema. Minha avó sempre tinha salada de batata na geladeira; meu pai faz uma maravilhosa salada de chicória com tangerina (dica: deve-se lavar rapidamente a chicória em água quente para deixá-la crocante e tirar seu gosto amargo); e minha irmã adora aspargos ou escorçoneira com um delicado molho cremoso.

Estes são alguns pratos dos quais as bifidobactérias ou os lactobacilos também gostam bastante. Nesse meio-tempo, descobrimos que gostam de liliáceas, do espécime das compostas (Compositae), bem como de amido resistente. Das liliáceas fazem parte não apenas o alho-poró ou o aspargo, mas também a cebola e o alho. Entre as compostas estão a chicória, a escorçoneira, o tupinambo e a alcachofra. O amido resistente se forma, por exemplo, quando cozinhamos batata ou arroz e depois os deixamos esfriar. O amido se cristaliza e se torna mais resistente à digestão. Da salada de batatas “robusta” ou do arroz frio do sushi, chega-se mais incólume aos micróbios. Quem ainda não tem um prato probiótico preferido, deveria experimentar. Se comer esses alimentos regularmente, vai constatar um fenômeno engraçado: de vez em quando, sentirá uma vontade enorme desse tipo de refeição. Quem costuma consumir alimentos com baixo teor de fibras, como macarrão, pão branco ou pizza, não deve passar de repente para grandes porções de pratos que as contenham em grande quantidade. Isso sobrecarrega a debilitada comunidade de bactérias: elas se desesperam e passam a metabolizar tudo com extrema euforia. Consequência: peida-se até não poder mais. Portanto, é recomendável aumentar aos poucos a quantidade de fibras e não exagerar. Afinal, o alimento é, em primeiro lugar, para nós e somente depois para os moradores de nosso intestino grosso. Peidar até não poder mais não é nada agradável: o excesso de gás infla nosso intestino, causando desconforto. Contudo, um pouco de peido é uma obrigação saudável. Somos seres vivos, e em nosso abdômen vive um pequeno mundo que trabalha com disposição e produz muitas coisas. Assim como a Terra tolera nossos gases de escape, também deveríamos retransmitir amigavelmente os de nossos micróbios. Seu barulho pode ser engraçado, mas seu cheiro não precisa, necessariamente, ser estranho. As bifidobactérias e os lactobacilos, por exemplo, não espalham nenhum odor desagradável. Quem nunca sente necessidade de soltar puns faz suas próprias bactérias intestinais morrerem de fome e não é um bom anfitrião para os micróbios. Já quem deseja soltá-los pode comprar prebióticos puros em drogarias ou farmácias. Da chicória é isolado, por exemplo, o prebiótico inulina, e do leite, o GOS (Galacto-Oligossacarídeo). Essas substâncias têm sua eficácia testada e alimentam com eficiência apenas determinadas bifidobactérias e alguns lactobacilos. Nem de longe os prebióticos são tão bem pesquisados como os próbióticos. Contudo, já existem algumas áreas sólidas de aplicação. Os prebióticos estimulam as bactérias boas para que surjam menos toxinas no intestino. Especialmente quando alguém tem problemas hepáticos, o fígado já não consegue atenuar as toxinas das bactérias ruins, o que às vezes é claramente perceptível. As toxinas bacterianas causam diversos efeitos que vão do cansaço, passam por tremores e podem chegar ao coma. Para esses casos, nos hospitais costuma haver prebióticos com alto teor de concentração. Em geral, os problemas se normalizam. Contudo, para alguém com um fígado bem-humorado, as toxinas bacterianas têm o seu papel. Surgem, por exemplo, depois que as poucas fibras já foram todas consumidas no início do intestino grosso e, ao final do intestino, as bactérias se precipitam sobre proteínas não digeridas. Às vezes, as bactérias e a carne formam uma boa combinação. Uma quantidade excessiva dessas toxinas da carne prejudica o intestino grosso e, no pior dos casos, podem até desencadear câncer. Na maioria das vezes, o câncer de intestino costuma aparecer justamente neste local: o final do intestino. Por isso, os prebióticos são testados, sobretudo, como forma de prevenção. Os primeiros estudos se revelaram muito promissores. Prebióticos como o GOS são fascinantes porque também são produzidos por nosso corpo. No leite materno encontram-se 90% de GOS e 10% de outras fibras indigeríveis. Nas vacas, o GOS compõe apenas 10% das fibras do leite. Portanto, alguma coisa aqui parece ser importante justamente para os bebês humanos. Se receberem leite em pó com um pouquinho de pó de GOS, suas bactérias intestinais se assemelharão às dos bebês que recebem amamentação normal. Alguns estudos consideram que eles também desenvolverão menos alergias e neurodermite do que outros lactentes tratados com leite em pó. Desde 2005, é permitido, mas não obrigatório, adicionar GOS ao leite em pó. Desde então, cresceu o interesse pelo GOS e, nesse ínterim, pôde-se comprovar outro efeito em laboratório: os GOS acoplam-se diretamente às células intestinais, sobretudo onde, em outras situações, se prenderiam patógenos. Assim, eles funcionam como pequenos escudos de proteção. Bactérias ruins não conseguem se prender direito e, na melhor das hipóteses, acabam escorregando ao passarem por eles. Após essas descobertas, os primeiros estudos sobre a prevenção à diarreia do viajante com a utilização de GOS também já estão entrando na ordem do dia. A inulina é pesquisada há mais tempo do que o GOS. Às vezes, é utilizada na produção de alimentos como substituto do açúcar ou da gordura por ser ligeiramente doce e gelatinosa. Geralmente os prebióticos são determinados açúcares ligados em cadeia. Quando dizemos açúcar, aqui, estamos nos referindo a uma molécula específica da beterraba – vale lembrar que existem mais de cem tipos diferentes de açúcar. Se tivéssemos optado pela produção em série do açúcar de chicória, os doces não seriam pecados causadores da cárie. Por si só, o “doce” não é nocivo; nós é que ingerimos, de maneira totalmente parcial, uma variante nociva. Muitas vezes, ficamos com a pulga atrás da orelha quando nos recomendam produtos “sem açúcar” ou “com baixo teor de gordura”. Adoçantes como o aspartame são suspeitos de causar câncer; outros, presentes em produtos light, são utilizados na ceva de porcos, a fim de engordá-los. Portanto, a dúvida é totalmente justificada. Contudo, um produto que contenha inulina como substituto do açúcar e da gordura pode ser mais saudável do que outro com teor integral de gordura animal e adição de açúcar. Portanto, em produtos light, vale a pena dar uma boa olhada no rótulo, pois, de fato, podemos consumir alguns com a consciência tranquila e, assim, oferecer alguns bocados a nossas bactérias. A inulina não se liga muito bem às nossas células como o GOS. Segundo um estudo extenso e bem elaborado, ela não protege contra a diarreia do viajante; contudo, os participantes da pesquisa que tomaram inulina declararam que se sentiram bem melhor. No grupo de controle que recebeu apenas placebo, não se constatou esse efeito de bem-estar. É possível produzir inulina com diferentes comprimentos, o que é muito bom para uma distribuição eficiente das bactérias boas. As cadeias curtas de inulina são consumidas pelas bactérias no início do intestino grosso, e as mais compridas, no final. A chamada ITFMIX com diferentes comprimentos tem êxito onde uma superfície maior significa melhor resultado. Por exemplo, na absorção do cálcio: nesse caso, são necessárias bactérias que abrem passagem por toda a parede intestinal. Em um experimento, a ITFMIX conseguiu melhorar até 20% a absorção de cálcio em adolescentes do sexo feminino. Além de ser bom para os ossos, isso pode proteger contra a osteoporose (ossos fracos) na velhice. Por essa razão, o cálcio é um belo exemplo porque mostra muito bem até onde se pode ir com os prebióticos: no entanto, em primeiro lugar, ainda é preciso tomar uma quantidade suficiente de cálcio para obter algum efeito e, em segundo, os prebióticos não trazem nenhum benefício se o problema estiver em outros órgãos. No climatério, muitas mulheres passam por um enfraquecimento dos ossos. Nesse período, os ovários sofrem sua grande crise da meia-idade. Precisam se despedir da produção de hormônios e aprender aos poucos a gozar da tranquilidade da aposentadoria. Faltam hormônios aos ossos! Nesse sentido, quando se trata de osteoporose, não há prebiótico que consiga dar jeito. Contudo, não se deve subestimar a situação. Dificilmente alguma coisa influencia tanto as bactérias intestinais quanto nossa alimentação. Os prebióticos são as ferramentas mais poderosas para estimular as boas bactérias, e justamente aquelas que já se encontram em nosso intestino e nele também permanecem. Sobretudo quem é um escravo prebiótico dos próprios hábitos – como minha avó, que adora salada de batatas – acaba estimulando sem saber as melhores partes do seu órgão microbiano. Aliás, a segunda comida preferida da minha avó é alho-poró. Antigamente, quando todos em casa ficavam doentes, ela trazia sopa sorrindo e tocava algumas músicas ao piano. A participação de seus micróbios ainda é desconhecida, mas não desprovida de lógica. Memorizamos que bactérias boas fazem bem. Deveríamos alimentá-las de modo que pudessem ocupar grandes partes do intestino grosso. Para tanto, não é suficiente comer macarrão ou pão branco, produzidos em série nas fábricas com massa de farinha branca. Às vezes é necessário ingerir fibras de verdade, provenientes de legumes ou polpa de frutas, que também podem ter um sabor agradável e adocicado – quer venham de aspargos, arroz de sushi, quer sejam compradas na farmácia, em forma pura e isolada. Isso encontra repercussão entre as nossas bactérias, que agradecem fazendo um bom trabalho. Ao microscópio, vemos as bactérias apenas como pontos claros sobre fundo escuro. Porém, reunidas, elas produzem mais: cada um de nós tem uma população delas. Bem-comportada, a maioria reside na mucosa, treina as células imunocompetentes, embalsama nossas vilosidades intestinais, come o que não precisamos ou produz vitaminas para nós. Outras residem perto das células intestinais, pungem-nas ou produzem toxinas. Se o bom e o ruim estiverem na proporção correta, o ruim poderá nos fortalecer, enquanto o bom cuidará de nós e nos manterá saudáveis.