sábado, 8 de junho de 2013

Prisão de ventre? A culpa pode ser das emoções

Não basta comer alimentos ricos em fibras para o seu intestino funcionar direitinho. Botar para fora os sentimentos reprimidos – garantem estudos recentes – também o liberta das amarras


O intestino é temperamental. Com 9 metros de comprimento, esse órgão, encarregado de absorver nutrientes e água, é a região do corpo que mais sofre a influência das emoções. Pense nos conflitos da vida. Qualquer um – o fora do namorado, a perda do emprego, a briga em família. Quem não digere bem esses problemas corre o risco de ficar dias a fio sem ir ao banheiro. É o seu caso? Você não está sozinha. As mulheres lideram as estatísticas de alvos preferenciais do distúrbio, que, como você vai ver agora, nem sempre está relacionado a uma dieta pobre em vegetais e cereais.
“O sexo feminino é três vezes mais suscetível à prisão de ventre do que o masculino”, constata, em sua prática diária no consultório, Tiago Almeida, clínico geral de São Paulo. O médico acupunturista Marcius Mattos Ribeiro Luz, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), tem uma explicação para essa pole position: “As mulheres costumam engolir suas emoções, que implodem em vez de explodir”. Você deve estar se perguntando: como assim, se conseguimos expressar, com mais facilidade do que os homens, sentimentos como a raiva e a tristeza? “Não a ponto de neutralizá-los”, responde o especialista de bate-pronto.
O papel negativo da ansiedade
Quando você ouve falar em emoções e sistema nervoso, imediatamente pensa em cérebro, certo? Pois saiba que o intestino tem o seu próprio sistema nervoso autônomo, com uma rede de 100 milhões de neurônios circulando por ali. E essas células são diretamente responsáveis pela coordenação de todas as funções digestivas. No intestino, assim como no cérebro, os neurônios liberam dezenas de neurotransmissores, substâncias químicas responsáveis pela comunicação entre as células nervosas. É o caso da serotonina, associada ao bom humor, e que muitos pensam, erroneamente, concentrar-se maciçamente no cérebro. Na verdade, 95% dela é estimulada pela fricção das fibras alimentares nas paredes da cavidade abdominal.
Entre várias outras funções, cabe a essa mensageira e a outros neurotransmissores intestinais fazer com que os alimentos percorram o tubo digestivo a uma velocidade tal que o bolo fecal não fique retido mais tempo do que o necessário. São essas substâncias que controlam o movimento peristáltico, uma onda que vai do estômago ao ânus, provocando atos involuntários e voluntários que finalizam o ciclo da digestão com a evacuação. Serotonina e companhia modulam, en m, os impulsos nervosos que circulam de um neurônio para outro, fazendo o ajuste fino que leva à eliminação do número dois. Em caso de estado emocional alterado, porém, essa programação desanda. Por quê? É simples.
Embora sejam independentes, os sistemas nervoso central (localizado no cérebro e na medula espinhal) e o entérico (intestinal) “conversam” entre si. Sabe aquele incômodo na barriga antes de uma entrevista de emprego ou do encontro com o gato que você conheceu num bate-papo virtual? Pois é. Isso acontece por causa da conexão direta entre os neurônios circulantes no tubo digestivo e no cérebro – o chamado eixo cérebro-intestinal, que funciona como uma via de mão dupla. A ansiedade, gerada pela expectativa do grande dia, se reflete no intestino, que tanto pode travar como desandar. Isso porque esse sentimento altera a produção de serotonina e desorganiza as ondas peristálticas. Alterações na produção da serotonina também estão por trás da síndrome do intestino irritável, uma das principais doenças que afetam o intestino.
Segundo cérebro
Tão forte é a influência do intestino sobre o nosso organismo que esse órgão é tido nos meios científicos como o “segundo cérebro”. A expressão foi cunhada pelo médico americano Michael D. Gershon, do Departamento de Anatomia e Biologia Celular da Columbia Univesity Medical Center, em Nova York. Depois de 30 anos de pesquisas, Gershon conseguiu identificar a interatividade entre os neurotransmissores produzidos no intestino, chamado por ele de órgão inteligente, e as nossas emoções, cuja sede é o sistema límbico, localizado no cérebro. Portanto, atribuir a prisão de ventre apenas ao tipo de alimentação é um erro. Assim como é errado achar que se sofre do problema quando não se vai ao banheiro todos os dias.
“Um intestino que funciona uma vez a cada três dias pode ser tão normal quanto o que funciona três vezes por dia”, explica Ana Cristina Amaral Feldner, médica assistente da disciplina de gastrenterologia clínica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Na prisão de ventre, tanto pode haver uma lentidão do trânsito como é possível ocorrer um funcionamento diário mas com volume reduzido e fezes difíceis de eliminar. “Em ambos os casos, fica a sensação de esvaziamento incompleto do conteúdo intestinal”, completa Ana Cristina.
Agora você já sabe: suas emoções podem estar por trás dessa prisão de ventre, que, além do desconforto, contribui para mudar os contornos do seu corpo, salientando a indesejável barriga. O que fazer? “Reprimir os sentimentos é o mesmo que escondê-los”, avisa o acupunturista Marcius Mattos Ribeiro Luz. Há quem tenha mais ou menos recursos psíquicos para lidar com situações difíceis. Então, é sempre bom ter alguém com quem desabafar – uma amiga, um psicólogo, o médico de sua confiança. Um problema compartilhado é um problema dividido ao meio. E pode ajudá-la a encarar melhor os conflitos que, vamos combinar, são inevitáveis e atormentam todos os mortais. Uma atitude positiva diante deles já é, por si só, uma boa medida terapêutica.
O que você NÃO deve fazer
- Tomar laxantes – Sem indicação médica, bem entendido. Seguir os conselhos do balconista da farmácia é uma roubada. Ele desconhece as implicações dessas drogas no organismo. Embora ainda não haja estudos conclusivos sobre a ação desse tipo de medicamento, já se sabe que alguns podem lesar o revestimento interno do intestino. “O risco é desenvolver uma colite, inflamação que
pode levar a diarreias ou graves lesões” – alerta o clínico geral Tiago Almeida.
- Adiar a ida ao banheiro – “As mulheres evitam ir ao banheiro fora de casa”, explica Almeida. Quando vem a vontade, vá, seja aonde for. Refrear o reflexo é o caminho mais curto para travar.
- Comer carne vermelha todos os dias – Estudos da Oxford University, na Inglaterra, relacionam o consumo do alimento à maior incidência de intestino preso.
Síndrome do intestino irritável
Serotonina além da conta nas entranhas pode estar na gênese desse mal, que alguns gastrenterologistas já encaram como uma “doença mental” do segundo cérebro. Estima-se que duas em cada dez pessoas em todo o mundo sofra do problema, conhecido tempos atrás como colite nervosa ou síndrome do cólon irritável. Outros neurotransmissores, além da serotonina, também interferem nas ondas peristálticas e modificam os hábitos digestivos. O diagnóstico é feito clinicamente, depois que exames descartam a possibilidade de outras doenças, como úlcera. Os sintomas variam. Pode ou não haver dores, e o movimento intestinal alterna (ou não) constipação e diarreia. “Emoções exacerbadas não raro levam à doença”, afirma a gastrenterologista Ana Cristina Amaral Feldner. “Mas, como muitos malesque acometem o intestino, as causas, multifatoriais, ainda não estão completamente esclarecidas. É como se a doença fosse uma árvore – o estímulo emocional seria um dos seus galhos.”

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